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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 81, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2019.

Veto Total: Dispõe sobre a obrigatoriedade de bares, restaurantes e casas noturnas adotarem medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco.

Publicada no Diário Oficial nº 10.027, de 12 de novembro de 2019, páginas 2 a 4.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de bares, restaurantes e casas noturnas adotarem medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretende o ilustre Deputado Cabo Almi obrigar os bares, casas noturnas e restaurantes a adotar medidas para auxiliar as mulheres que se sintam em situação de risco, nas dependências desses estabelecimentos, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul.

Sob o aspecto formal, infere-se que, ao dispor sobre a obrigação de bares, casas noturnas e restaurantes a adotar medidas para auxiliar mulheres que se sintam em situação de risco, a proposta legislativa está a tratar de matéria de direito civil, cuja competência para legislar é privativa da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, na medida em que impõe ao particular uma obrigação de natureza civil (prestar auxílio).

Ainda, sob o aspecto formal, a proposta legislativa invade competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, CF), haja vista que impõe aos estabelecimentos a realização de capacitação e treinamento de seus funcionários para aplicação das medidas previstas no Projeto, interferindo, dessa forma, na relação de trabalho entre empregador e empregado.

O princípio geral que norteia a repartição de competências entre os entes federados é a predominância do interesse, segundo o qual cabem à União as questões de interesse geral; aos Estados, caracterizado por circunstâncias demográficas, econômicas, administrativas e geográficas que justifiquem o uso desta competência; e aos Municípios, as matérias de interesse local.

Com efeito, a medida imposta não apresenta nenhuma peculiaridade local que justifique a edição de norma estadual. Ao contrário, o dever imposto pela proposta apresenta indiscutível caráter geral, o que demanda disciplina uniforme em todo o território nacional.

Por outro giro, ainda que o assunto tratado no presente Projeto de Lei fosse da competência do Estado, a proposta legislativa estaria a intervir em ato típico da Administração, uma vez que, indiretamente, impõe a esta obrigações inerentes à fiscalização do cumprimento da norma (embora não aponte o órgão que fará a fiscalização), o que interfere nas atribuições do Chefe do Executivo, a quem compete dispor privativamente sobre a estruturação e atribuições dos órgãos e serviços da Administração Pública (execução dos serviços públicos e políticas públicas).

Com efeito, de acordo com o teor dos arts. 67, § 1º, inciso II, alíneas “a” e “d”, e 89, incisos V e IX, da Constituição Estadual, é da competência do Chefe do Executivo a iniciativa das leis que impliquem na organização dos serviços públicos, especialmente no que se refere à fiscalização do cumprimento da norma por particulares.

Nesse contexto, a disposição contida no art. 4º do Projeto, que determina ao Poder Executivo o dever de regulamentar também deve ser tida por inconstitucional, porque o Executivo não pode ser compelido pelo Legislativo a exercer o seu poder regulamentar, por força do próprio texto constitucional (art. 89, VII, CE), sob pena de ofensa ao princípio da harmonia e da separação dos poderes (art. 2º, caput, CE).

Não bastassem as inconstitucionalidades de natureza formal, a proposta legislativa também deve ser vetada por razões de natureza material. Vejamos.

A Constituição da República, em seu art. 170, incisos II e III, atribuiu à propriedade privada e à função social da propriedade a condição de direito fundamental e princípio geral da Ordem Econômica, Assim, as normas afetas à propriedade privada e a sua função social devem ser promovidas de forma que não aniquilem a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica, também princípios basilares da Ordem Econômica (art. 170, caput e parágrafo único, CF).

Nesse compasso, não é permitido ao legislador intervir na organização interna da empresa privada, como pretende a presente proposta, sob pena de ferir o direito de propriedade privada, desvirtuando a sua função social, bem como contrariar os princípios da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica (art. 170, caput, II e III e a parágrafo único, CF).

A Constituição Federal é muito clara ao definir a participação do Estado na atividade econômica, limitando-se à fiscalização, ao incentivo e ao planejamento, sendo este determinante para o setor público e apenas indicativo para o privado (art. 174, CF).

A presente proposta impõe aos estabelecimentos particulares o dever de prestar auxílio a mulheres que se sintam em situação de risco, obrigação alheia à natureza do seu negócio, ocasionando evidente violação aos princípios da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica, o que enseja o reconhecimento da inconstitucionalidade material da proposta.

Por fim, o presente veto não impede a criação de instrumentos administrativos que venham alcançar o objetivo da presente proposta, uma vez que, no âmbito da estrutura administrativa do Poder Executivo, a elaboração, coordenação e a execução de políticas públicas para mulheres é executada pela Subsecretaria de Políticas Públicas para a Mulher, a qual compete, inclusive, o acolhimento e o atendimento psicossocial às mulheres em situação de violência, por meio do Centro Especializado de Atendimento à Mulher.

Registra-se, portanto, que o Projeto de Lei em tela deve ser vetado, totalmente, por contrariar os arts. 22, inciso I, e 170, caput, incisos II e III e parágrafo único, da Constituição Federal; e arts. 2º, caput; 67, § 1º, inciso II, alíneas “a” e “d”; 89, incisos V, VII e IX, da Constituição Estadual.

Assim, resta-me a alternativa de adotar a rígida medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORREA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS