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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 28, DE 29 DE JULHO DE 2020.

Veto Parcial: Cria, no cadastro dos programas sociais vigentes no Estado de Mato Grosso do Sul, o registro de informações sobre violência doméstica sofrida pela mulher cadastrada, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 10.239, de 30 de julho de 2020, páginas 2 e 3.
REF: Lei nº 5.548, de 29 de julho de 2020.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, parcialmente, o Projeto de Lei que “Cria, no cadastro dos programas sociais vigentes no Estado de Mato Grosso do Sul, o registro de informações sobre violência doméstica sofrida pela mulher cadastrada, e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado Professor Rinaldo, autor do Projeto de Lei, criar, no cadastro de programas sociais vigentes no Estado de Mato Grosso do Sul, o registro de informações sobre violência doméstica sofrida pela mulher cadastrada.

Analisando o projeto de lei, com a preocupação de respeitar o ordenamento jurídico e resguardar o interesse público, entendi, por bem, vetar o art. 2º, abaixo transcrito:

Art. 2º O registro de informações sobre a mulher em situação de violência doméstica realizado no cadastro dos programas sociais vigentes no Estado de Mato Grosso do Sul terá como base as informações oficiais obtidas junto à Delegacia de Violência Contra à Mulher e por meio de certidão criminal obtida no site do Poder Judiciário, em nome do agressor.

Inicialmente, sob o ângulo formal, cumpre destacar que a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), estabelece medidas com a finalidade de coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Nesse sentido, cabe salientar, que a referida Lei garante às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Prevê, ainda, que o Poder Público desenvolverá políticas que visem a garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, determinando a criação de condições necessárias para o efetivo exercício de seus direitos (art. 3º, §§ 1º e 2º).

O art. 9º da Lei Federal nº 11.340, de 2006, estabelece que a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

Dentre as políticas de proteção, a Lei Maria da Penha consagrou a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal (art. 9º, § 1º).

No que se refere ao sigilo de informações cadastrais, a mencionada Lei determina que serão sigilosos os dados da ofendida e de seus dependentes matriculados ou transferidos e o acesso às informações será reservado ao juiz, ao Ministério Público e aos órgãos competentes do Poder Público.

Por outro lado, a obtenção de dados cadastrais é permitida para a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e para a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas.

Quanto aos cadastros dos Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), na forma estabelecida pelo Decreto Federal nº 6.135, de 26 de junho de 2007, os dados de identificação das famílias são sigilosos e somente poderão ser utilizados para fins de formulação e gestão de políticas públicas e de realização de estudos e pesquisas.

Desse modo, a inclusão de informação sobre violência doméstica sofrida pela mulher cadastrada em programas sociais do Estado de Mato Grosso do Sul é pertinente, entretanto, a obtenção dos dados perante as Delegacias de Violência contra a Mulher, bem como a obtenção de certidão criminal em nome do agressor no sítio eletrônico do Poder Judiciário, conforme prescreve o art. 2º do Projeto de Lei, esbarra em impedimentos de ordem constitucional e legal.

O Código de Processo Penal preconiza que a autoridade policial assegurará o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Dispõe, ainda, que nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes (art. 20 e parágrafo único).

Quanto aos processos judiciais, em que pese a publicidade dos atos ser a regra, alguns casos comportam exceção, conforme dispõe o art. 5º, inciso LX, e o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Ademais, o Poder Judiciário não pode ser compelido pelo Poder Executivo Estadual a fornecer certidão criminal em nome do agressor, conforme prevê o art. 2º do Projeto de Lei, sob pena de afronta ao princípio da separação de Poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Federal.

Não bastassem os impedimentos de natureza formal, o dispositivo supramencionado deve ser vetado por questões de ordem material.

De acordo com informações da Delegacia-Geral da Polícia Civil do Estado, o Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da Resolução nº 284, de 5 de junho de 2019, implementou o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, com o objetivo de identificar os fatores que indiquem o risco da mulher vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas e familiares (art. 7º da Lei Federal nº 11.340, de 2006), para subsidiar a atuação do Poder Judiciário e dos demais órgãos da rede de proteção na gestão do risco identificado.

O Formulário Nacional de Avaliação de Risco deverá ser aplicado pela Polícia Civil no momento do registro da ocorrência policial ou pela equipe multidisciplinar do juízo, por ocasião do primeiro atendimento à mulher, sendo obrigatório preservar o sigilo da identidade das vítimas (arts. 3º e 11).

De igual modo, a Resolução nº 121, de 5 de outubro de 2010, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, determina que as consultas públicas disponíveis na rede mundial de computadores permitam a localização e identificação dos dados básicos de processo judicial, com exceção dos nomes das vítimas (art. 4º, § 2º).

Quanto à certidão de processos que tramitam em segredo de justiça, o Provimento nº 1, de 27 de janeiro de 2003, que institui o Código de Normas da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, condiciona a sua extração à autorização judicial (art. 125).

Dessa forma, o fornecimento das informações, na forma prescrita pelo art. 2º do Projeto de Lei, mostra-se inviável, pois impõe a transferência de dados sigilosos pela Delegacia de Violência Doméstica contra Mulher e pelo Poder Judiciário. Por força de legislação federal e de norma expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, essas informações são resguardadas pelo sigilo dos dados identificadores da vítima.

Por todo exposto, registra-se que a Proposta de Lei em tela deve ser vetada, parcialmente, em relação ao art. 2º, por contrariar os arts. 2º e 5º, inciso LX; e o art. 93, inciso IX, todos da Constituição Federal, bem como por se mostrar inviável ante as disposições do Código de Processo Penal e das Resoluções CNJ nº 284/2019 e nº 121/2010.

À vista do exposto, não me resta alternativa senão a de adotar a rígida medida de veto parcial, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORRÊA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS