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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


LEI Nº 5.981, DE 28 DE NOVEMBRO DE 2022.

Institui a Política Estadual de Alternativas Penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 11.000, de 29 de novembro de 2022, páginas 2 a 5.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.
Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei institui a Política Estadual de Alternativas Penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade, e prevê a estrutura organizacional administrativa para o seu desenvolvimento.

Art. 2º Para efeitos desta Lei, consideram-se alternativas penais as seguintes medidas judiciais diversas do encarceramento, como resposta a conflitos e a violências no âmbito da Justiça Criminal, orientadas pela autonomia e pela autorresponsabilização, com o fim de restaurar as relações e de promover a cultura da paz, decorrentes da aplicação de:

I - medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319, incisos I a VIII, do Decreto-Lei Federal nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, a saber:

a) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

b) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

c) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

d) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

e) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

f) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

g) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração;

h) fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

II - transação penal;

III - suspensão condicional do processo;

IV - suspensão condicional da pena privativa de liberdade;

V - penas restritivas de direitos;

VI - práticas de justiça restaurativa;

VII - medidas protetivas de urgência destinadas ao autuado nos casos de violência doméstica e familiar;

VIII - acordo de não persecução penal.

Parágrafo único. Não se constitui como alternativa penal a medida de monitoração eletrônica, prevista no art. 319, inciso IX, do Decreto-Lei Federal nº 3.689, de 1941, e nos arts. 146-B e seguintes da Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

Art. 3º São princípios da Política Estadual de Alternativas Penais:

I - a redução da taxa de encarceramento mediante o emprego restrito da privação de liberdade, na forma da lei;

II - a presunção de inocência, a proporcionalidade, a idoneidade das medidas penais e a valorização da liberdade;

III - a dignidade, a autonomia e a liberdade das partes envolvidas nos conflitos;

IV - a responsabilização da pessoa submetida à medida e a manutenção do seu vínculo com a comunidade;

V - a subsidiariedade da intervenção penal, com a adoção de mecanismos horizontalizados e autocompositivos, a partir de soluções participativas e ajustadas às realidades das partes;

VI - a restauração das relações sociais, a reparação dos danos e a promoção da cultura da paz;

VII - a proteção social das pessoas em cumprimento de alternativas penais e sua inclusão em serviços e políticas públicas;

VIII - o respeito à equidade, a atenção às diversidades e o enfrentamento às discriminações de raça, faixa etária, gênero, orientação sexual, deficiência, origem étnica, social e regional;

IX - a articulação entre os órgãos responsáveis pela execução, aplicação e acompanhamento das alternativas penais.

Art. 4º A Política Estadual de Alternativas Penais será desenvolvida a partir de uma ação integrada entre as instituições que compõem o sistema de justiça criminal em todas as suas fases, envolvendo o Poder Executivo, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público.

Parágrafo único. O Poder Executivo Estadual e as instituições mencionadas no caput deste artigo poderão celebrar institutos de parceria, observada a legislação aplicável, visando a assegurar a efetividade e a execução da Política de Alternativas Penais no Estado.

Art. 5º Compete à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP) a gestão da Política Estadual de Alternativas Penais, a qual será executada por intermédio da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen).

Parágrafo único. São atribuições da Agepen:

I - coordenar a execução da política;

II - implantar as Centrais Integradas de Alternativas Penais (CIAPs), nos termos do art. 7º desta Lei;

III - executar, por meio das CIAPs, as ações necessárias ao atendimento e ao acompanhamento das pessoas em cumprimento de alternativas penais, dando suporte técnico para o devido cumprimento das medidas aplicadas, a partir de fluxo previamente definido com o sistema de justiça;

IV - impulsionar a criação de fundos destinados ao financiamento de serviços de alternativas penais, podendo ainda buscar outros recursos para garantir a sustentabilidade, a expansão e o aprimoramento da política de alternativas penais no Estado;

V - presidir o Grupo Gestor da Política Estadual de Alternativas Penais, visando à interlocução e ao alinhamento estratégico com os órgãos do sistema de justiça criminal, os municípios e as organizações da sociedade civil, a fim de fortalecer a implementação da política de alternativas penais no Estado.

Art. 6º Os municípios poderão aderir, mediante convênio ou instrumento similar, à Política Estadual de Alternativas Penais, cabendo-lhes:

I - providenciar estrutura adequada para a instalação de suas CIAPs;

II - disponibilizar os recursos humanos necessários à gestão e ao desenvolvimento dos trabalhos de suas CIAPs.

Parágrafo único. A equipe de profissionais dos municípios aderentes poderá contar com o apoio da SEJUSP, por meio da Agepen.

Art. 7º As CIAPs serão compostas por equipes multidisciplinares, com a finalidade de acompanhar o cumprimento das alternativas penais, garantindo o suporte necessário às pessoas submetidas às medidas, observados os princípios fixados no art. 3º desta Lei.

§ 1º As CIAPs serão constituídas por ato normativo próprio, em âmbito local ou regional, de acordo com a atuação em:

I - bairros ou zonas urbanas, podendo considerar a divisão territorial de unidades judiciárias locais, como os juizados especiais criminais;

II - agrupamento de comarcas do interior do Estado ou de mesorregiões, referenciado no fracionamento territorial estabelecido pelas normas de organização judiciária;

III - comarcas do interior do Estado, levando em conta a demanda de pessoas em cumprimento de alternativas penais, promovendo a interiorização da política de alternativas penais e incentivando a gestão pelas Administrações Públicas Municipais.

§ 2º As equipes multidisciplinares das CIAPs serão compostas por, no mínimo, profissionais das áreas de serviço social, psicologia e direito, em número proporcional à quantidade de pessoas acompanhadas, com especialidade e afinidade para o trabalho, periodicamente capacitados por meio de formação continuada.

§ 3º O tratamento de dados pessoais pelas CIAPs respeitará o disposto na Lei Federal nº 13.709, 14 de agosto de 2018.

Art. 8º Compete às CIAPs:

I - acompanhar o cumprimento das modalidades de alternativas penais estabelecidas em audiência de custódia, durante a fase de conhecimento do processo penal e durante a execução penal, por meio do contato direto com a pessoa em cumprimento e com as entidades parceiras, garantindo-se o suporte necessário;

II - acolher, acompanhar e orientar as pessoas em cumprimento de alternativas penais, por meio dos serviços psicossocial e jurídico, além de garantir atendimentos e dinâmicas interdisciplinares e em grupo;

III - incentivar a autonomia e o protagonismo da pessoa em cumprimento de alternativa penal, a restauração de vínculos familiares, sociais e comunitários, o entendimento e a ressignificação dos processos de criminalização, dos conflitos e das violências vivenciadas, e a busca por reversão das vulnerabilidades sociais;

IV - garantir o respeito às diversidades raciais, étnicas, de gênero, sexualidade, geracionais, de origem e nacionalidade, renda e classe social, de religião, crença, entre outras;

V - desenvolver metodologias como grupos reflexivos e práticas restaurativas, visando a conferir maior efetividade à responsabilização e à recuperação;

VI - fomentar projetos para a conscientização e para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em parceria com os órgãos do sistema de justiça, instituições da rede de proteção das mulheres e instituições especialistas em gênero, a fim de acompanhar as medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;

VII - garantir o direito à informação pelas pessoas em cumprimento de alternativas penais, sobretudo quanto à situação processual, aos serviços e às assistências oferecidos e às condições de cumprimento da alternativa imposta;

VIII - instituir fluxos, metodologias especializadas e dinâmicas de trabalho interinstitucionais com a rede de proteção social local, observando as habilidades, as aptidões, o local de moradia e os horários disponíveis da pessoa submetida às alternativas penais;

IX - facilitar encaminhamentos relativos à atenção à saúde, inclusive à saúde mental, de cunho não obrigatório;

X - constituir e participar de redes de proteção social para a garantia de direitos das pessoas nos campos da assistência social, assistência jurídica, atenção à saúde, atendimento para uso abusivo de álcool e outras drogas, atenção à saúde mental, educação, trabalho, renda e qualificação profissional;

XI - construir fluxos e procedimentos em parceria com as varas criminais, varas de execução penal, varas especializadas em alternativas penais e varas ou núcleos competentes para realização da audiência de custódia, quanto às alternativas penais atendidas pelas CIAPs e às dinâmicas de trabalho, de forma a não sobrepor ou a não interferir em atividades com o Poder Judiciário;

XII - promover capacitações, palestras, seminários e cursos sobre alternativas penais, a fim de disseminá-las aos servidores, à sociedade, aos órgãos governamentais e às organizações da sociedade civil;

XIII - realizar o tratamento dos dados pessoais do público atendido, observado o sigilo de dados sensíveis, para coleta, sistematização e desagregação de dados relativos à:

a) pessoa, considerando as variáveis sobre raça, gênero, idade, ocupação, educação, endereço e status migratório;

b) medida, incluindo os tipos penais, quantidade, descumprimento, atividades desenvolvidas, metodologias como grupos reflexivos e práticas restaurativas, dentre outras;

XIV - disponibilizar regularmente, em site na internet, dados anonimizados e desagregados relativos ao público atendido, a fim de facilitar o monitoramento e a avaliação dos serviços e o seu aperfeiçoamento.

Parágrafo único. A atuação das CIAPs deverá observar as metodologias previstas no Manual de Gestão para as Alternativas Penais e no Manual de Proteção Social na Audiência de Custódia, ambos publicados pelo Conselho Nacional de Justiça.

Art. 9º A Política Estadual de Alternativas Penais será incluída na legislação orçamentária do Estado, com recursos específicos destinados à sua implementação.

Parágrafo único. Serão estimuladas a criação de Fundos Municipais destinados ao financiamento de serviços de alternativas penais e a busca de outros recursos federais e internacionais, por meio de convênios, fundos, editais, premiações ou outros institutos visando a garantir a sustentabilidade, a expansão e o aprimoramento da política de alternativas penais na capital e nos municípios do Estado, garantindo a interiorização dos serviços.

Art. 10. A normatização e a fiscalização das ações no âmbito da política pública de que trata esta Lei são de atribuição do Grupo Gestor da Política Estadual de Alternativas Penais.

Art. 11. Para a regulamentação do disposto nesta Lei, o Poder Executivo poderá expedir decretos, a SEJUSP resoluções e a Agepen portarias.

Art. 12. A implementação das disposições desta Lei fica condicionada à observância da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e da Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.

Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Campo Grande, 28 de novembro de 2022.

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado