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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 33, DE 12 DE JUNHO DE 2017.

Veto Total: Institui a obrigatoriedade de utilização de separadores magnéticos nos processos de produtos de alimentos para consumo humano e animal no Estado de Mato Grosso do Sul.

Publicada no Diário Oficial nº 9.429, de 13 de junho de 2017, páginas 1 e 2.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei de autoria dos Deputados George Takimoto e Paulo Siufi, que “Institui a obrigatoriedade de utilização de separadores magnéticos nos processos de produtos de alimentos para consumo humano e animal no Estado de Mato Grosso do Sul”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei de autoria dos Deputados George Takimoto e Paulo Siufi, que institui a obrigatoriedade de utilização de separadores magnéticos nos processos de produtos de alimentos para consumo humano e animal no Estado de Mato Grosso do Sul, registro, com o devido respeito, que, embora seja louvável, a referida proposta deve ser vetada por padecer de vício de inconstitucionalidade.

O Projeto de Lei em apreço avança e investe sobre matéria reservada à União ao excursionar e/ou estabelecer normas gerais voltadas à produção e consumo e à proteção e defesa da saúde, nos termos do art. 24, V e XII, e §§ 1º e 2º, da CF. A competência para legislar é concorrente, cabendo à União estabelecer normas gerais sobre essas matérias. No âmbito da competência concorrente, a atuação legislativa dos Estados visa à complementação das normas gerais federais, em atendimento às peculiaridades locais. Trata-se da competência suplementar, prevista no art. 24, §2º da CF.

Nesse viés, é em matéria de produção, consumo, proteção e defesa da saúde só está o Estado autorizado a exercer a competência legislativa plena na ausência da lei federal contendo normas gerais e até que sobrevenha esta (art. 24, §§ 3º e 4º).

No que alude à saúde, o art. 196, da Lei Maior, determina que “(...) é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

De acordo com o art. 198, da Carta Constitucional, as ações e serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, compondo um sistema único. A seu turno, o art. 200, da Carta da República, enuncia os objetivos do sobredito sistema.

Assim, no campo de atuação do SUS, estão incluídas, entre outras, as atividades de fiscalização e de inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano.

Quanto à repartição das competências entre os entes federados, delineada pela Lei Federal nº 8.080/1990, tem-se, entre outras atribuições, no que interessa, que à direção nacional (União) incumbe formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição, definir e coordenar os sistema de vigilância sanitária e estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano (art. 16, I, III, “d” e VIII).

Com efeito, a competência da União, no caso, é exercitada por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por força de expressa atribuição a ela confiada pela Lei Federal nº 9.782/1999, que “define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências”, cujos arts. 2º, I, II e III, e 8º, § 1º, II, permitem entrever sua competência para normatizar e controlar o padrão dos produtos do gênero alimentício.

Não se pode olvidar, outrossim, a respeito da produção, consumo, proteção e defesa da saúde em matéria alimentar, que o assunto encontra-se há muito tempo normatizado pelo Decreto-Lei nº 986/1969, ainda vigente, que prevê a necessidade de aprovação de um padrão de identidade e qualidade para cada tipo ou espécie de alimento por órgão competente do Ministério da Saúde.
Da exegese da normativa federal acima explicitada, infere-se que compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabelecer normas a respeito do padrão de identidade, composição e qualidade dos produtos do gênero alimentício, e já o fez.

De fato, para essa finalidade, foi aprovada a Resolução ANVISA RDC nº 14, de 28.03.2014, que estabelece os requisitos mínimos para a avaliação de matérias estranhas macroscópicas e microscópicas em alimentos e bebidas e seus limites de tolerância.

A referida Resolução tem por objeto estabelecer as disposições gerais para avaliar a presença de matérias estranhas macroscópicas e microscópicas, indicativas de riscos à saúde humana e/ou indicativas de falhas na aplicação das boas práticas na cadeia produtiva de alimentos e bebidas, bem como fixar seus limites de tolerância (art. 2º).

No que se refere à produção de alimentos de consumo animal, a matéria encontra-se disciplinada pelo Decreto Federal nº 7.127/2010, que estabelece a competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para defesa sanitária animal. A União, no exercício de sua competência constitucional, disciplinou a inspeção e a fiscalização dos produtos destinados à alimentação animal no âmbito da Lei Federal nº 6.198/74.

A referida Lei foi regulamentada pelo Decreto Federal nº 6.296/2007, que trata das normas gerais aplicáveis à inspeção e fiscalização da produção, comércio e do uso de produtos destinados à alimentação animal.

De acordo com o Regulamento, todo estabelecimento que produza, fabrique, manipule, fracione, importe ou comercialize produto destinado à alimentação animal deve cumprir as disposições ali estabelecidas, bem como as legislações complementares publicadas elo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (art. 26 do Decreto nº 6.296/2007), que, no exercício de sua competência, definirá as regras técnicas específicas referente à produção, ao comércio e ao uso dos produtos destinados à alimentação animal (art. 120).

Como se observa, a União estabeleceu normas gerais, editando Leis e Decretos Federais, bem como Resoluções e Portarias por intermédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, as quais impõem os padrões de qualidade necessários no processo de produção e industrialização de alimentos e bebidas para consumo humano e animal, de abrangência em todo o território nacional, e, por essa razão, a todo sentir, não pode o Poder Legislativo Estadual pretender excursionar sobre tal tema.

Com a imposição de utilização de separadores magnéticos pela indústria alimentícia de qualquer espécie, busca o diploma estadual inaugurar regulamentação paralela e diversa daquela constante na legislação federal vigente, configurando substituição - e não suplementação - das regras que cuidam das exigências e procedimentos a serem observados na produção de alimentos para consumo humano e animal.

Nesse particular aspecto, reputa-se que o assunto transcende a esfera da competência legislativa suplementar dos Estados-Membros, na medida em que demanda disciplina uniforme em todo o território nacional.

O presente Projeto de Lei, ainda, atribui ao Poder Executivo o dever de designar órgão responsável para a fiscalização do cumprimento da lei e aplicação da multa nela prevista, além de definir a destinação de sua receita (art. 4º, parágrafo único).

Nesse contexto, ainda que se entenda ser competência do Estado a implantação da medida anunciada no autógrafo, está o Parlamento intervindo em ato típico da Administração, concernente à eleição de políticas públicas prioritárias e à definição de atribuições aos seus servidores e órgãos, providência que invade a competência do Chefe do Executivo Estadual para, privativamente, dispor sobre o funcionamento da máquina administrativa (execução dos serviços públicos e definição de políticas públicas).

Com efeito, nos termos dos arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, incisos V e IX, da Constituição Estadual, é da competência do Chefe do Executivo a iniciativa das leis que impliquem na organização dos serviços públicos, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração estadual” com o auxílio dos Secretários de Estado.

Por último, o artigo 5º, da proposição, ao rezar que “a presente lei será regulamentada pelo Poder Executivo” também está eivado de vício de inconstitucionalidade formal porque o Poder Executivo não pode ser compelido pelo Legislativo a exercer o seu poder regulamentar, por força do próprio texto constitucional (art. 89, VII, da CE). De fato, a lei não pode obrigar o Chefe do Executivo proceder à sua regulamentação, por ofensa ao princípio da harmonia e da separação dos poderes (art. 2°, caput, da CE).

Na hipótese, fica a cargo do Executivo estabelecer o “destino da receita proveniente das multas arrecadadas” e definir “o órgão responsável pela fiscalização e aplicação da multa”, devendo regulamentar essas e outras disposições. Assim, a disciplina do autógrafo nesse aspecto ostenta nítido caráter impositivo, podendo o Governador, se acaso manter-se inerte, vir a ser cobrado para fazê-lo por intermédio dos meios jurídicos disponíveis no ordenamento para suprir tal omissão, o que não se admite em abono aos princípios constitucionais citados.

Por fim, convém ponderar que, em razão de, no art. 1º, inciso IV, ter a Carta Magna erigido a livre iniciativa como um dos fundamentos da República, além de afiançá-la também no art. 170, caput, os tribunais pátrios firmaram o entendimento de que toda medida que venha a contrariar ou restringir o referido princípio deva ser tomada como exceção, devendo ser limitada a hipóteses específicas cujos valores também estejam contemplados no próprio texto constitucional.

À vista do exposto, ressalta-se que a referida Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por contrariar os artigos 1º; 24, V e XII, §§ 1º e 2º; e 170, todos da Constituição Federal, bem como os artigos 2º, caput, 67, § 1º, II, “d”, 89, V e IX, da Constituição Estadual.

Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS