(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV Nº 37, DE 30 DE JULHO DE 2007.

Veto Parcial: Dispõe sobre a localização de estabelecimentos industriais para a produção de açúcar e álcool carburante, para fins de fruição de incentivos ou benefícios fiscais, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 7.020, de 31 de julho de 2007.
Ref. Lei nº 3.404, de 30 de julho de 2007.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do artigo 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar parcialmente o projeto de lei que Dispõe sobre a localização de estabelecimentos industriais para a produção de açúcar e álcool carburante, para fins de fruição de incentivos ou benefícios fiscais, e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Em que pese a louvável intenção do autor da emenda parlamentar ao projeto de lei, que resultou no art. 6º, e dos demais membros dessa Casa de Leis que o aprovaram, não pode o seu texto encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado, porquanto vulnera o interesse público ao tratar precipitada e inadequadamente de uma situação que deve ser objeto do Plano Estadual de Recursos Hídricos, foro apropriado para a sua apreciação, conforme ao final restará cabalmente demonstrado.

Propõe o art. 6º do projeto de lei em tela, que os empreendimentos instalados em regiões sob a qual se localiza o aqüífero Guarani, especialmente naqueles locais de recarga e de descarga, devidamente identificados no mapeamento ecológico-econômico do Estado, deverão obedecer a critérios rígidos estabelecidos pelas normas federais para a utilização de defensivos agrícolas, evitando assim a contaminação das águas do referido manancial.

À primeira vista, percebe-se a preocupação do legislador no sentido de preservar o Aqüífero Guarani, de possível contaminação pelo uso inadequado de defensivos agrícolas.

Esta preocupação também é compartilhada pelo Governo do Estado, e não é mera retórica, tanto que na MENSAGEM/GABGOV/MS/Nº 23/2007, encaminhando para apreciação da Assembléia Legislativa o projeto de lei em comento, afirmo que:

Com a implementação de estudos e pesquisas, que fazem parte do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE/MS), o Poder Público adotará medidas e ações de incentivo e estímulos mais consistentes aos anseios dos cidadãos e dessa Casa de Leis, de modo a garantir a preservação e a conservação do meio ambiente, particularmente no que concerne à poluição, à manutenção da qualidade dos mananciais de água, superficiais e subterrâneos, com destaque especial para os cuidados com o Aqüífero Guarani, principalmente nas suas áreas de recarga.”

É importante ressaltar que no Estado de Mato Grosso do Sul já vigora a Lei nº 2.951, de 17 de dezembro de 2004, que trata do uso, da produção, da comercialização e do armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como a fiscalização de seu uso, consumo, comércio, armazenamento, transporte e destino final das embalagens e resíduos, nos termos das Leis Federais nº 7.802, de 11 de julho de 1989 e nº 9.974, de 6 de junho de 2000, e legislação a elas pertinentes.

Igualmente importante e vigente a respeito do tema é a Lei nº 2.406, de 29 de janeiro de 2002, que institui a Política Estadual dos Recursos Hídricos e cria o Sistema Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, da qual importa destacar os seguintes dispositivos:

Art. 6º São instrumentos da Política Estadual dos Recursos Hídricos:

I- o Plano Estadual dos Recursos Hídricos;

Art. 7º O Plano Estadual dos Recursos Hídricos tem por objetivo fundamentar e orientar a implementação da Política Estadual dos Recursos Hídricos, contemplando os seguintes aspectos:

I- observância das diretrizes da Política Nacional dos Recursos Hídricos;

II- diagnóstico da situação dos recursos hídricos do Estado;

III- avaliação de alternativas de crescimento demográfico, de evolução das atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo;

IV- balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais;

V- metas de racionalização de uso, aumento de quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos;

IX- propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vista à proteção dos recursos hídricos;

X- programas de gestão de águas subterrâneas, compreendendo a pesquisa, o planejamento e o monitoramento;
XI- programação de investimentos em pesquisas, projetos e obras relativos à utilização, recuperação, conservação e proteção dos recursos hídricos;

XII- programas de monitoramento climático, zoneamento das disponibilidades hídricas, usos prioritários e avaliação de impactos ambientais causados por obras hídricas;

XIV- programas anuais e plurianuais de recuperação, conservação, proteção e utilização dos recursos hídricos definidos mediante articulação técnica e financeira com a União, Estados e países fronteiros, bem como com organizações não-governamentais nacionais ou internacionais;

XV- análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo.

Cumpre destacar, também, que a Assembléia Legislativa, por meio de seu Presidente, promulgou a Lei nº 2.806, de 18 de fevereiro de 2004, criando o Fórum Permanente do Aqüífero Guarani, prescrevendo-lhe, em seu art. 2º, as seguintes atribuições:

I- a criação e o fomento de políticas públicas que levem à exploração racional do potencial hídrico do Aqüífero Guarani;

II- a criação de políticas de defesa do Aqüífero Guarani, de modo a propiciar sua conservação ambiental;

III- a discussão de estratégias de melhoria na qualidade de vida das populações que ocupam a área do Aqüífero Guarani;

IV- o auxílio na elaboração de projetos de lei cujo tema envolva o Aqüífero Guarani, através do fornecimento de material científico e técnico.

Na esteira das leis supracitadas, a presidência da Assembléia Legislativa também promulgou a Lei nº 3.183, de 21 de fevereiro de 2006, dispondo sobre a administração, a proteção e a conservação das águas subterrâneas de domínio do Estado, inserindo as seguintes normas:

Art. 13. Para fins desta lei, as áreas de proteção dos aqüíferos subterrâneos classificam-se em:

I- Área de Proteção Máxima, compreendendo, no todo ou em parte, zonas de recarga de aqüífero altamente vulnerável à poluição e que se constituem em depósitos de águas essenciais para abastecimento público ou para suprir atividades consideradas prioritárias pelos Comitês de Bacia ou, na sua ausência, pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos;

II- Área de Restrição e Controle, caracterizada pela necessidade de disciplinamento das extrações, controle máximo das fontes poluidoras já implantadas e restrição a novas atividades potencialmente poluidoras.

Art. 14. Nas áreas de Proteção Máxima, não serão permitidos:

I- a implantação de indústrias de alto risco ambiental, de pólos petroquímicos, carboquímicos e radiológicos ou de quaisquer outras fontes potenciais e de grande impacto ambiental;

II- as atividades agrícolas que utilizem produtos tóxicos de grande mobilidade no solo e que possam colocar em risco as águas subterrâneas;

Art. 37. Fica o Poder Executivo autorizado a celebrar convênio com outros Estados e a União, relativamente aos aqüíferos também a eles subjacentes e transfronteiriços, objetivando estabelecer normas critérios que permitam o uso harmônico e sustentado das águas.

Como se vê, pela leitura das normas legais transcritas, a matéria constante do art. 6º do projeto de lei, está situada fora do contexto apropriado para a sua inserção, até porque o objetivo do projeto de lei de autoria do Poder Executivo é o de estabelecer regramentos básicos a serem observados pelos estabelecimentos industriais destinados à produção de açúcar e ou álcool etílico carburante.

O tema proposto pelo art. 6º já é objeto de estudo singularizado, à luz do que dispõem as leis supracitadas, notadamente a Lei nº 2.406, de 29 de janeiro de 2002, que institui como instrumento para fundamentar e orientar a implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos, o Plano Estadual dos Recursos Hídricos (PERH-MS), para a proteção dos recursos hídricos de um modo geral, não se descuidando das ações executivas que impõem o desafio da conservação e do uso sustentável dos aqüíferos do Estado.

Convém salientar que o Plano Estadual de Recursos Hídricos já era previsto na Constituição Estadual e, mais recentemente, na Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que trata da Política Nacional de Recursos Hídricos.

Em observância a estas normas legais, o Poder Executivo dá inicio, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento e da Ciência e Tecnologia, à elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos com o propósito, entre outros, de adequar a gestão dos recursos hídricos em função das diversidades e especificidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das bacias hidrográficas e dos Municípios do Estado. A utilização da bacia hidrográfica como unidade de planejamento é uma das inovações trazidas pela legislação de recursos hídricos.

A preocupação do Poder Executivo Estadual com a preservação do Aqüífero Guarani não se prende apenas aos estabelecimentos industriais de produção de açúcar e álcool etílico carburante, mas também a todos os outros empreendimentos potencialmente poluidores, o que, infelizmente, não ocorre com o art. 6º do projeto de lei.

Para a execução desse trabalho (PERH-MS), fundamental para a qualidade de vida da atual e das futuras gerações, é necessário que se tenha clareza das dimensões que serão tratadas e das complexidades que elas encerram. A Bacia do Alto Paraguai tem mais de 173 mil km². Nela, o Estado compartilha com Mato Grosso, Bolívia e Paraguai, um Patrimônio Natural da Humanidade e Patrimônio Nacional pela Constituição Federal - o Pantanal. Esta é a maior área úmida continental de água doce do planeta. Da área desta Bacia, 43.221 km² situam-se sobre o Aqüífero Guarani.

Na Bacia do Paraná, o Estado tem uma área de aproximadamente 170 mil km², numa região que concentra o seu maior desenvolvimento econômico, toda ela situada sobre o Aqüífero Guarani, principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul.

Cerca de 59% (cinqüenta e nove por cento) do território do Estado, que totaliza 357.139,90 km², estão situados sobre o Aqüífero Guarani.

Esses números refletem a dimensão e a complexidade, como já afirmado anteriormente e, por si só, justificam a necessidade da matéria ser tratada de forma técnica e científica, no âmbito do Plano Estadual de Recursos Hídricos, cujas ações serão coordenadas e executadas por cooperação técnica entre o Governo Federal, por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, do Ministério do Meio Ambiente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia, com a participação direta do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, dos Comitês de Bacia, das organizações não-governamentais e da sociedade, por meio de seminários.

Com a contratação de consultores técnicos, o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH-MS) vai produzir nos próximos oito meses, o diagnóstico e prognóstico com a indicação de programas de ações emergenciais, ações continuadas e de investimentos necessários ao gerenciamento das águas do Estado. Outro trabalho que será realizado pelo PERH-MS é a construção de cenários, até o ano de 2020, de desenvolvimento econômico, crescimento demográfico, atividades produtivas e as repercussões na qualidade e quantidade das águas. As atualizações sobre a disponibilidade hídrica serão feitas a cada cinco anos.

A elaboração do PERH-MS será, ainda, um importante subsídio ao Zoneamento Ecológico-Econômico de MS, em elaboração pelo Governo Estadual.

Do exposto, conclui-se que o art. 6º do projeto de lei não pode receber a chancela do Chefe do Poder Executivo, por contrariar o interesse público, à medida em que estabelece vedação taxativa desprovida dos elementos técnicos suficientes para 59 % da área territorial do Estado, afrontando, ainda, o disposto na legislação supracitada e incorrendo em vícios insanáveis, razões pelas quais adoto a medida do veto parcial ao art. 6º do projeto de lei, contando com a compreensão e a indispensável aquiescência dos nobres Senhores Deputados, para que o mesmo seja mantido.

                          Atenciosamente,

                          ANDRÉ PUCCINELLI
                          Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS