(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS Nº 038, DE 19 DE JULHO DE 2002.

VETO TOTAL: Determina o ressarcimento das despesas do sistema público de saúde do Estado de Mato Grosso do Sul com o tratamento de pessoas com doenças decorrentes do fumo.

Publicada no Diário Oficial nº 5.798, de 22 de julho de 2002.

Senhor Presidente,


Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Determina o ressarcimento das despesas do sistema público de saúde do Estado de Mato Grosso do Sul com o tratamento de pessoas com doenças decorrentes do fumo”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o autor do projeto de lei estabelecer que as empresas cigarreiras ressarçam todas as despesas efetuadas pelo sistema de saúde pública municipal ou estadual com o tratamento de pessoas portadoras de doenças decorrentes do tabagismo que venham a falecer, inclusive os custos de atendimento e medicamentos ministrados no curso do tratamento dos pacientes.

Conquanto seja louvável a intenção do legislador, há que se atentar para o fato de que a matéria versada na proposição aprovada por essa respeitável Casa de Leis invade a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, conforme prescreve o I do artigo 22 da Lei Fundamental Federal. Aliás, é de se destacar que a pretensão exposta na proposição em comento já é regulada pelo art. 159 do Código Civil Brasileiro, que prescrever que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”

Define-se inconstitucional aquela norma cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, expressa ou implicitamente, ao teor de dispositivos da Constituição. Segundo ensinamento de Marcelo Neves, a lei inconstitucional “é inválida por não retrotrair perfeitamente ao complexo normativo originário, ou, em outra perspectiva, porque dele não deriva regularmente. No caso, a invalidade resulta de sua não-conformidade a todas as ‘regras de admissão’ contidas na Constituição, sejam referentes ao procedimento de elaboração legislativa (aspecto formal), ou as concernentes (direta ou imediatamente, positiva ou negativamente) ao conteúdo das normas legais (aspecto material). Portanto, é inválida porque não deriva perfeitamente (regularmente) do seu fundamento imediato de validade, a Constituição em vigor.” Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, Ed. Saraiva, São Paulo, 1988, pp. 80/81

Enquanto os vícios materiais dizem respeito ao próprio conteúdo da norma, originando um conflito com os princípios estabelecidos na Constituição, a inconstitucionalidade formal afeta o ato singularmente considerado, independentemente de seu conteúdo, reportando-se, fundamentalmente, aos pressupostos e procedimentos relativos à sua formação.

No caso presente, tem-se a modalidade de inconstitucionalidade formal, posto que o legislador, ao elaborar o ato, excedeu a competência legislativa do Estado, adentrando inadvertidamente a seara legislativa da União. Observe-se que não se trata de competência concorrente, situação na qual atribui-se à União a edição de normas gerais, reservando-se aos Estados a legislação supletiva ou complementar. Cuida-se de competência exclusiva da União para editar normas de direito civil.

A propósito, bastante esclarecedor é o magistério do brilhante José Afonso da Silva, ao asseverar:

“O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse, segundo a qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local, (...) Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª edição, Ed. Saraiva, São Paulo 1999, p. 478 (grifo)

No caso em comento, não há que se negar que direito civil constitui matéria de predominante interesse nacional, posto que não se trata de questões peculiares ao Estado de Mato Grosso do Sul. Em todo o Brasil as normas de direito civil são as mesmas e devem ser observadas da mesma forma por todos os cidadãos, sem qualquer distinção, em qualquer parte do território deste País.

Ademais, o projeto de lei restringe a hipótese de indenização aos casos em que ocorra falecimento de pessoa portadora de doença decorrente do tabagismo, tratada pelo sistema de saúde pública municipal ou estadual. Neste ponto, além de ser menos abrangente que o Código Civil no que tange à possibilidade de indenização, o texto sob comento acaba por vincular também os Municípios, vulnerando os artigos 1º e 18 da Constituição Federal. A restrição criada afasta a possibilidade de vir a ser pleiteada indenização dos gastos havidos com pessoas portadoras de enfermidades relacionadas ao tabaco, que não venham a óbito.

Além dessa restrição, as disposições do projeto de lei cria dificuldades para o pleito da indenização e acaba por beneficiar as empresas cigarreiras. O texto exclui a solidariedade das empresas revendedoras de cigarros, ao estabelecer responsabilidade proporcional ao respectivo faturamento, nos termos do inciso IV do art. 1º, e ainda impõe requisitos para fins de indenização que escapam ao controle do Poder Público, como o caso da exigência de que a causa mortis decorrente do tabagismo seja mencionada na certidão de óbito, prevista no inciso I do art. 1º.

Por fim, o projeto em referência, em sendo convertido em lei, poderá criar óbices ao pleito de indenização objeto de discussão na ação ajuizada em 19 de julho de 2000 pelo Estado de Mato Grosso do Sul em face de Philip Morris Companies, Inc. e outros (Case 0017389 CA 21), em curso no Condado de Dade, Flórida, Estados Unidos da América, onde se pleiteia a condenação das empresas demandadas, sem prova de dano material, por má conduta, enriquecimento injusto, propaganda enganosa, negligência e outros fatos. Em referido processo, pode-se argüir, inclusive, ilegitimidade passiva, caso venha a ser sancionado o projeto de lei em debate.

Portanto, mesmo de uma análise perfunctória, é possível constatar, sem maiores dificuldades, que o projeto de lei é inconstitucional, porquanto invade a competência legislativa da União, ao versar sobre direito civil; é inócuo, por tratar de matéria já disciplinada pelo Código Civil Brasileiro; e é contrário ao interesse público, posto que dispõe sobre a indenização de maneira mais restritiva do que o Código Civil e, alheio à vontade de seu autor, acaba por favorecer as empresas tabagistas.

Por estas razões, amparado na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
                            Atenciosamente,

                            JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
                            Governador

A Sua Excelência o Senhor
Deputado ARY RIGO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE – MS



MENSAGEM Nº 038, DE 19 DE JULHO DE 2002 - VETO TOTAL.doc