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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 99, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2013.

Veto Total: Dispõe sobre a obrigatoriedade de dedetização periódica nos veículos utilizados na prestação de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros no Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 8.582, de 23 de dezembro de 2013, página 4.
OBS: Veto total rejeitado - Lei nº 4.614, de 22 de dezembro de 2014, promulgada pela Assembleia Legislativa.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Dispõe sobre a obrigatoriedade de dedetização periódica nos veículos utilizados na prestação de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros no Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço venia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o nobre Deputado, autor da proposta de lei, obrigar às empresas prestadoras de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros, no Estado de Mato Grosso do Sul, a proceder a dedetização periódica nos veículos, a cada 3 (três) meses; e prevê, ainda, que o descumprimento dessa obrigatoriedade gera multa e a reincidência rescisão da concessão, permissão ou autorização com a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Mato Grosso do Sul (AGEPAN), quando o número de veículos com problema chegar a 30% (trinta por cento) da frota da empresa.

Analisando o texto do projeto de lei, constata-se que o intuito do Parlamentar é louvável e a proposta é meritória, no que tange à preocupação com a questão de saúde pública.

No entanto, é sabido que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é pacífica no sentido de reconhecer a competência residual dos Estados-membros para a exploração e a regulamentação da prestação de transporte intermunicipal, podendo a exploração ser direta ou indireta, por meio de concessão ou permissão, na forma que dispõe o art. 175 da Constituição Federal.

No caso da exploração indireta, como é o caso de Mato Grosso do Sul, a prestação do serviço de transporte intermunicipal de pessoa, o contrato celebrado entre Poder Concedente e a contratada estabelece todas as regras que devem ser observadas na execução deste transporte, incluindo direitos e deveres do prestador.

Destarte, embora pertença ao Estado a competência para disciplinar a exploração de transporte coletivo intermunicipal, não pode o Parlamento inovar na ordem jurídica criando novas obrigações para o prestador de serviço, não prevista anteriormente na relação jurídica contratual entabulada com o Poder concedente, sob pena de afrontar o ato jurídico perfeito, consoante dispõe o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal.

Ademais, os contratos de concessão e permissão de serviços públicos, obrigatoriamente, observam a Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e da Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que tratam das cláusulas obrigatórias nos contratos administrativos, que em nenhum momento estabeleceu nada parecido com que se pretende no projeto de lei em epígrafe.

Nesse contexto, sob o aspecto normativo, observa-se que a proposição interfere na esfera de competência legiferante da União de legislar sobre normas gerais em matéria de licitação e de contrato, portanto, em desrespeito ao art. 22, inciso XXVII da Constituição Federal, sendo essa mais uma mácula que fulmina a proposição.

Destaca-se que nos termos do dispositivo supracitado, compete à União traçar as normas gerais sobre licitação e contratos, sendo as cláusulas necessárias espécies de normas gerais, não podendo o Estado legislar em desacordo com o estabelecido na legislação nacional e criar novas hipóteses de cláusula necessária, restando-lhe apenas a competência para suplementar a norma geral federal com o intuito de atender suas peculiaridades, sob pena de invadir competência própria da União.

Além disso, o projeto de lei peca por padecer de mácula procedimental, já que a gestão dos processos de concessão, permissão e autorização de serviços públicos constitui ato típico de administração, o que leva a que tal matéria fique reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe exercer a direção superior da Administração Estadual, afrontando o art. 67 § 1º, II, “d”, e o art. 89, V, da Carta Estadual, o que o torna padecedor de mácula formal exigindo, assim, o veto jurídico.

O STF possui o entendimento no sentido da impossibilidade de interferência do Poder Legislativo nas relações jurídico-contratuais firmadas pelo Executivo, porque estaria violando o princípio da separação dos poderes e afetando indevidamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, nesse sentido:
          AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.304/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. EXCLUSÃO DAS MOTOCICLETAS DA RELAÇÃO DE VEÍCULOS SUJEITOS AO PAGAMENTO DO PEDÁGIO. CONCESSÃO DE DESCONTO, AOS ESTUDANTES, DE CINQUENTA POR CENTO SOBRE O VALOR DO PEDÁGIO. LEI DE INICATIVA PARLAMENTAR. EQUILÍBRIO ECONOMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS CELEBRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. AFRONTA. 1. A lei estadual afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de obra pública, celebrado pela administração capixaba, ao conceder descontos e isenções sem qualquer forma de compensação. 2. Afronta evidente ao princípio de harmonia entre os poderes, harmonia e não separação, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos celebrados. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. (ADI 2733/ES. Rel. Min. EROS Grau. Julg. 26/10/2005. Tribunal Pleno. Pub. 03-02-2006)

O projeto de lei ao dispor sobre o controle do poder concedente, introduzindo elemento novo nos contratos de concessão de serviço de transporte coletivo rodoviário intermunicipal de passageiros, afronta o princípio de harmonia e da separação dos poderes, na medida em que o Poder Legislativo pretende substituir o Executivo na gestão dos contratos administrativos por este celebrado ou que vier a celebrar, em contrariedade ao art. 2º, caput, Constituição Estadual.

Por derradeiro, observa-se que o art. 6º e a parte final do art. 8º da proposição determinam, respectivamente, que o Poder Executivo regulamentará a pretensa lei no prazo de 60 (sessenta) dias e a revogação genérica. Ocorre que os mencionados dispositivos vulneram flagrantemente dispositivo da Constituição Estadual inserto no inciso VII do art. 89, uma vez que compete privativamente ao Governador do Estado expedir decretos para fiel execução de lei.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação de lei (ADI 3394, ADI 2.393 e ADI 546).

Ademais, o art. 2º da Carta Magna taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, do que se abstrai, que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência.

O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, na forma elencada pelo inciso III, do § 4º, do art. 60 da Constituição Federal.

Esse múnus do Governador será exercido de acordo com a necessidade, oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta a separação dos poderes, que é uma cláusula pétrea, posto que é insuscetível de emenda tendente a aboli-la.

Portanto, em virtude das máculas jurídicas pontuadas não pode a proposição em epígrafe encontrar guarida no ordenamento jurídico do Estado.

À vista do exposto, com amparo na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado, não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
                          Atenciosamente,

                          ANDRÉ PUCCINELLI
                          Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS