Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei que Autoriza a realização de atividades do Serviço Voluntário de Capelania Escolar, na Rede de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o ilustre Deputado Maurício Picarelli, autor do Projeto de Lei, autorizar a realização de atividades do Serviço Voluntário de Capelania Escolar, na Rede de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul. Embora o tema seja louvável, a proposição deverá ser vetada pelos motivos justificados a seguir.
Inicialmente, sob o ângulo formal, no que pertine ao poder de legislar sobre educação, a Constituição Federal estabelece a competência privativa da União para estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV) e a competência concorrente da União e dos Estados para tratar dos demais temas relacionados à educação (CF, art. 24, IX) que não se incluam no conceito de diretrizes e bases.
Além disso, prevê a Constituição Federal, no art. 210, § 1º, que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” A Constituição Estadual por sua vez tem previsão com o mesmo teor, no seu art. 190, § 5º.
A Lei federal nº 9.394, de 16 de junho de 2009, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, vai além e estabelece que os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores (art. 33, § 1º).
Em âmbito estadual, vige a Lei nº 2.787/03, que regulamenta o sistema estadual de ensino e, em seus artigos 24 e 26, estabelece a competência da Secretaria de Estado de Educação, com o auxílio do Conselho Estadual da Educação, vinculado àquela Secretaria, para planejar, coordenar, executar, administrar e supervisionar a educação escolar estadual. Portanto, compete à SED e ao Conselho Estadual de Educação dispor sobre o tema, em escolas públicas e privadas.
No que se refere às escolas públicas da rede estadual de ensino, trata-se de proposta que retrata intervenção do Parlamento em ato típico da Administração, concernente à eleição de políticas educacionais e à definição da matriz curricular.
Isso porque o Serviço Voluntário de Capelania Escolar compreende a assistência emocional e espiritual, aconselhamento e orientações, fortalecimento de princípios e valores éticos e morais e a integração entre alunos, professores e demais funcionários da Instituição de Ensino, ou seja, adentra a supracitada competência conferida à SED e ao Conselho Estadual de Educação para reger o tema.
Flagrante, portanto, o vício de inconstitucionalidade formal da proposta, em razão de mácula relativa à legitimidade para iniciativa do processo legislativo, cuja competência é privativa do Chefe do Poder Executivo.
Inobstante, a questão merece ser analisada também sob o enfoque material.
No exercício de sua competência, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, já desenvolve atividades que visam a atingir os mesmos objetivos pretendidos pelo serviço voluntário de capelania escolar.
Com efeito, a Resolução/SED nº 3.196, de 30 de janeiro de 2017, prevê o ensino religioso na matriz curricular do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), de matrícula facultativa, em conformidade com o que dispõe a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Além disso, a SED instituiu, por meio da Resolução/SED nº 3.441, de 16 de abril de 2018, o Programa Cultura Arte e Paz - CAP, com objetivo de desenvolver a convivência tolerante, respeitosa e harmônica entre os estudantes e os demais membros das comunidades interna e externa da escola.
São objetivos do Programa CAP a mediação de conflitos e outras ações pacifistas, como o incentivo à saúde e ao bem-estar na busca por uma vida pacífica, incentivo à cultura da paz como caminho imprescindível para uma educação de qualidade e desenvolvimento humano. O Programa permite também que a Secretaria de Estado de Educação estabeleça parcerias com voluntários para efetivação das ações.
Dessa forma, a SED/MS, por meio do Núcleo de Psicologia Educacional - NUPED, oferece suporte e atendimento aos alunos com o desenvolvimento das seguintes ações:
1 - Formulação e fomento de propostas educativas com conhecimentos técnico-científicos da Psicologia Educacional, da Neurociências e da Educação para potencializar a aprendizagem dos estudantes;
2 - Atuação da SED em conjunto com a equipe pedagógica para desenvolver estratégias de aprendizagem, considerando os desafios da contemporaneidade, com foco no desenvolvimento integral do estudante, de suas habilidades e competências, instrumentalizando-o para ação participativa na sociedade;
3 - Elaboração de orientações e protocolos direcionados para a REE/MS e setores da SED nas tratativas das demandas dos estudantes, com ênfase nos fatores que favorecem e interferem na aprendizagem e nas habilidades socioemocionais.
É possível perceber, portanto, que as atividades a serem desenvolvidas pelo Serviço de Capelania, em grande parte, já são abrangidas pelas ações desenvolvidas pela Rede Estadual de Ensino, em virtude da previsão do ensino religioso facultativo na matriz curricular e do desenvolvimento do Programa CAP.
Já no que se refere ao oferecimento do Serviço de Capelania na rede privada de ensino, para além das considerações relacionadas à competência do Conselho Estadual de Educação já colocadas, e que a elas também se aplicam, é pertinente esclarecer outros dois pontos.
Por tratar-se de instituições privadas de ensino, o Conselho, no exercício de sua competência, confere a cada uma delas a liberdade de oferecer ou não o ensino religioso e ações correlatas à capelania escolar em sua Proposta Pedagógica, nos temos do art. 13, da Deliberação CEE/MS N° 10.814, de 10 de março de 2016.
Em virtude da liberdade conferida às escolas particulares, temos que a proposta legislativa viola a competência da União para legislar sobre direito civil, prevista no art. 22, I, da Constituição Federal, na medida em que as escolas e as famílias firmam entre si relação de natureza contratual, inserida no âmbito do direito privado e que pode ou não abranger as ações de assistência emocional/espiritual, aconselhamento, etc, a que se refere o Projeto de Lei, mostrando-se indevida a ingerência legislativa estadual nessa seara.
Por fim, nos moldes em que foi aprovada, a proposta legislativa demanda a fiscalização do cumprimento dos seus comandos pelo Poder Executivo, por intermédio da Secretaria de Estado de Educação, o que ofende competência privativa do Chefe do Executivo para iniciativa de leis que se refiram à direção da administração estadual e à estrutura, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração estadual (arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX; da Constituição Estadual).
Assim, diante das razões expostas, a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento - sobretudo, quando envolve a definição de diretrizes e atribuições das Secretarias e órgãos da Administração Pública, tal como a Secretaria de Estado de Educação (SED) - acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis de Chefe da Administração e, ipso facto, termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no art. 2º, caput, da Constituição Estadual.
Registra-se, portanto, que a Proposta de Lei em tela deve ser vetada, totalmente, por contrariar o art. 22, incisos I e XXIV e o art. 210, § 1º, da Constituição Federal, e os arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX; e 190, § 5º da Constituição Estadual.
À vista do exposto, não me resta alternativa senão a de adotar a rígida medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.
Atenciosamente,
REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
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