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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 98, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2019.

Veto Total: Dispõe sobre a inclusão dos militares estaduais e demais servidores da Segurança Pública nas campanhas de vacinação efetivados pelo Poder Público, como grupo de risco ou grupo prioritário no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul.

Publicada no Diário Oficial nº 10.054, de 19 de dezembro de 2019, páginas 16 a 18.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar o Projeto de Lei que Dispõe sobre a inclusão dos militares estaduais e demais servidores da Segurança Pública nas campanhas de vacinação efetivados pelo Poder Público, como grupo de risco ou grupo prioritário no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor.
RAZÕES DO VETO

Pretende o ilustre Deputado Evander Vendramini, autor do Projeto de Lei, que dispõe sobre a inclusão dos militares estaduais e demais servidores da Segurança Pública nas campanhas de vacinação efetivadas pelo Poder Público, como grupo de risco ou grupo prioritário no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul.

Sob o ângulo formal, a Constituição Federal classifica a saúde como direito social (art. 6º). Mais adiante, nos arts. 196 a 200, trata especificamente desta garantia, estabelecendo que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, CF).

De acordo com o art. 198 da Carta Constitucional, as ações e serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, compondo um sistema único. A seu turno, o art. 200 da Carta da República enuncia, como objetivos do sobredito sistema, o controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde bem como a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 200, I e II, CF).

Assim, o campo de atuação do SUS (Sistema Único de Saúde) abrange as atividades de controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde, a vigilância sanitária e epidemiológica, englobando a vacinação da população, em âmbito nacional.

No que se refere à competência legislativa, a Constituição Federal atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal, concorrentemente, a competência para legislar sobre “proteção e defesa da saúde”, reservando à União a competência legislativa para dispor sobre normas gerais e aos demais entes federados a competência legislativa suplementar para editar normas específicas (art. 24, XII, §§ 1º e 2º).

É cediço que, no âmbito da competência concorrente, as normas gerais de proteção e defesa da saúde deverão advir, portanto, da União. Ao Estado, por sua vez, é permitida a complementação de normas federais sobre esses temas, adaptando-as às suas peculiaridades locais, salvo a ausência de norma federal sobre o tema (art. 24, §§ 1º a 4º, CF).

Nesse contexto, foi editada a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”, trazendo, dentro do contexto da competência concorrente dos entes federados, normas quanto à repartição de atribuições entre estes.

No que se refere às ações de saúde direcionadas à vigilância epidemiológica, a aludida Lei atribui à União a competência para definir e coordenar os sistemas de vigilância epidemiológica e a execução de suas ações bem como controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para saúde (art. 16, III, “c”, VI e XII). Aos Estados, atribui a competência para coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços de vigilância epidemiológica (art. 17, IV, “a”). Aos Municípios, por sua vez, compete executar os serviços de vigilância epidemiológicas (art. 18, IV, “a”).

No tocante à vacinação, em âmbito federal, foi editada a Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, que “dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações”, atribuindo ao Ministério da Saúde a definição, em regulamento, a organização e as atribuições dos serviços incumbidos da ação de Vigilância Epidemiológica, bem como a sua implantação e coordenação (art. 2º, §1º).

De acordo a referida Lei, compete ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório, que deverão ser praticadas de modo sistemático e gratuito em todo o território nacional (art. 3º e parágrafo único, Lei nº 6.259/1975). Compete ainda ao Ministério da Saúde a coordenação e apoio técnico, material e financeiro, da execução do programa, em âmbito nacional e regional (art. 4º). O Programa prevê que a possibilidade de os governos estaduais proporem medidas legislativas complementares, visando ao cumprimento das vacinações, obrigatórias por parte da população, no âmbito dos seus territórios, desde que haja audiência prévia do Ministério da Saúde (art. 6º).

Da leitura dos dispositivos acima, não se extrai conclusão outra senão a de que, em que pese a competência suplementar dos Estados para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, inciso XII e §§ 1º e 2º, CF), as normas gerais editadas pela União – Leis Federais nº 8.080/1990 e 6.259/1975 – exigem dos Estados atuação complementar, meramente participativa, em ações envolvendo vigilância epidemiológica (vacinação), ficando o efetivo desenvolvimento e a execução à observância – tanto pelos Estado quanto pelos Municípios - das normas gerais expedidas pela União.

Dessa forma, o Projeto de Lei apresenta vício de inconstitucionalidade formal, na medida em que propõe a instituição e execução, pelo Estado, de Programa cuja competência foi constitucional e legalmente atribuída à União (instituição e coordenação) e aos Municípios (execução), em contrariedade às normas gerais editadas pela União no âmbito de sua competência concorrente para legislar acerca da proteção e defesa da saúde (art. 24, inciso XII e § 1º, CF).

De mais a mais, está o Parlamento definindo atribuições a órgãos da Administração Pública Estadual (SES), isto é, intervindo em “ato típico da Administração”, o que leva a que tal matéria fique reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração Estadual”, com auxílio dos Secretários de Estado, na esteira do que rezam os citados arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, inciso V e IX, da Constituição Estadual.

Nessa linha de raciocínio, insta salientar que a aprovação de leis ou a introdução de normas, que imponham ao Governador do Estado um dever relacionado à adoção de medidas administrativas e/ou a regulamentação de normas originariamente planejadas pelo Parlamento, acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes (e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e, ipso facto, termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no art. 2º, caput, da Constituição Estadual.

Igualmente, importa em nítido prejuízo à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a estrutura, ações, atribuições e deveres do Poder Público, ou seja, para definir as diretrizes e dispor sobre o funcionamento da máquina estadual, o que ofende o princípio da reserva da Administração.

Com efeito, a instituição de qualquer programa de Governo ou de medida administrativa relacionada ao funcionamento intrínseco da máquina estadual está atrelada ao exercício de um juízo político (conveniência e oportunidade) inato ao Chefe do Poder Executivo, pelo que lhe cabe decidir as medidas a serem adotadas, bem como a forma e o momento de sua execução.

Ademais, a implementação da medida, além de prévia autorização do Ministério da Saúde, demanda participação do ente político competente para sua execução, no caso os Municípios, responsável pelas ações de saúde (art. 18, IV, “a”, da Lei n. 8.080/90) e, nesse sentido, o autógrafo está a violar a competência dos Municípios (art. 30, I e II, da Constituição Federal e art. 17, I e II, da Constituição Estadual), além da autonomia política e administrativa municipal, o que representa flagrante ofensa ao pacto federativo (art. 18, caput, da Constituição Federal e art. 13, da Constituição Estadual).

Não bastassem as inconstitucionalidades de natureza formal, a proposta legislativa também deve ser vetada por razões de natureza material. Vejamos.

A medida pretendida pelo parlamentar é objeto de proposta legislativa em tramitação na Câmara do Deputados, por intermédio do Projeto de Lei n. 5.361/2016, no qual se propõe a alteração da Lei Federal n. 6.259, de 30 de outubro de 1975, incluindo dispositivo que estabelece prioridade na vacinação para, dentre outros grupos, para servidores da segurança pública e do sistema prisional.

Por fim, conforme informação da Secretaria de Estado de Saúde, a vacinação de policiais militares e civis contra influenza já foi implementada pelo Ministério da Saúde, por orientação do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, por meio da Nota Informativa nº 4/2019-DEVIT/SVS/MS, na Campanha Nacional de Vacinação contra Influenza, neste ano de 2019, órgão competente para a instituição de a medida, em observância às diretrizes instituídas pela União.

Dessa forma, o presente veto não impede que a medida pretendida pelo Projeto de Lei seja efetivada em observância às diretrizes impostas pelo Ministério da Saúde.

Com efeito, frise-se que o Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis, vinculado ao Ministério da Saúde, é o órgão competente pela definição dos grupos prioritários para vacinação, cuja abrangência deve ser estendida e observada em todo o território nacional, garantindo a cobertura vacinal pretendida.

Registra-se, portanto, que a presente Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por contrariar o arts. 18, caput; 24, incisos VI e XII, §§ 1º e 2º; e 30, incisos I e II, da Constituição Federal; e arts. 2º, caput; 13, caput; 17, incisos I e II; 67, § 1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX, bem como as Leis Federais nº 8.080, de 19 de setembro de1990, e 6.259, de 30 de outubro de 1975.

À vista do exposto, resta-me a alternativa de adotar a rígida medida de veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.


Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORRÊA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS