Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Concede cestas básicas a servidores públicos estaduais de baixa renda, mediante desconto em folha”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:
Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto do ato sub examine fere a alínea “a” do inciso II do § 1º do art. 67 e o art. 157 da Constituição Estadual, bem como a alínea “a” do inciso II do parágrafo 1º do art. 61 e o art. 169 da Constituição Federal e o art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.
Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei conceder cestas básicas, aos servidores públicos estaduais de baixa renda, mediante desconto em folha de pagamento.
Ocorre que os projetos de lei que disponham sobre a matéria objeto do sobredito projeto são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, ou seja, do Governador do Estado, uma vez que dispõe sobre aumento de remuneração de servidores públicos do Estado, ex vi do disposto na alínea “a” do inciso II do § 1º do art. 67 da Lei Básica Estadual.
Da análise do sistema remuneratório dos servidores públicos, observa-se que integram os vencimentos dos servidores as vantagens pecuniárias auferidas a título de adicional ou gratificação, ou seja, a remuneração do servidor pressupõe a soma do seu vencimento, em sentido estrito, às vantagens pecuniárias que lhe são concedidas em conformidades com as leis que estabelecem.
Assim, a concessão de cestas básicas a servidor público estadual de baixa renda, configura-se como auferição de vantagem pecuniária do servidor, sendo enquadrado na categoria de vantagem pessoal, que por sua vez só pode existir se decorrente de ato de iniciativa do Poder Executivo.
Outrossim, prescreve a alínea “a” do inciso II do § 1º do art. 61 da Constituição Federal, aqui aplicado em virtude do princípio da simetria, que a matéria em comento é de iniciativa legislativa privativa do Governador.
A jurisprudência e a doutrina alertam que o vício de iniciativa na apresentação do projeto, não se convalida com a sanção, posto que se trata inconstitucionalidade formal que macula de nulidade toda a formação da lei.
Nessa esteira adverte Marcelo Caetano:
“(...) um projeto resultante de iniciativa inconstitucional sofre de um pecado original, que a sanção não tem a virtude de apagar, até porque, a par das razões jurídicas militam os fortes motivos políticos que determinassem a exclusividade da iniciativa presidencial, cujo afastamento poderia conduzir a situações de intolerável pressão sobre o Executivo.”
Assevera a jurisprudência sobre a inconstitucionalidade formal na criação da lei:
“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.” STF-Pleno- Adin nº 1.391-2/SP- Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 28.11.1997, p. 62.216.
Conclui-se, neste aspecto, que o projeto de lei afronta a Constituição Estadual e Federal, possui vício insanável de iniciativa, e não pode receber a sanção do Chefe do Poder Executivo.
Por outro lado, se tal projeto viesse a ser sancionado acabaria por aumentar sobremaneira as despesas do Estado, agredindo o art. 157 da Constituição Estadual, que dispõe que nenhuma despesa será ordenada sem que existam recursos orçamentários.
Além do mais, as despesas com pessoal, concessão de vantagens, aumento de remuneração só podem ser feitas, quando houver dotação orçamentária suficiente e autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, pois o Estado precisa planejar o que pretende executar, em função de suas atribuições e de suas prioridades.
Nesse sentido preceitua o art. 169 da Carta Magna:
“Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderão exceder os estabelecidos em lei complementar.
§ 1º A concessão de vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargo, empregos e funções ou alterações de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvas as empresas públicas e as sociedades de economia mistas.”(grifo nosso)
Cumpre destacar o preceito contido no art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que combinado ao artigo antecedente pode caracterizar como crime de responsabilidade fiscal o ato de conceder vantagem pecuniária que importe em aumento de despesa sem que haja prévia dotação orçamentária e previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias, nos seguintes termos:
“Art. 18. Para os efeitos desta Lei complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivo, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros do Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência”. (grifo nosso)
Dessa forma, por estar tal proposta eivada de vício de formalidade insanável pela sua natureza inconstitucional, além do que a sua aprovação, caso a competência de iniciativa para apresentação fosse regular, dependeria de prévia dotação orçamentária, bem como de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias sob pena de caracterizar crime de Responsabilidade.
Por estas razões, com o amparo das informações prestadas pela Secretaria de Estado de Gestão Pública, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.
Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
Atenciosamente,
JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador
A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
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