Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Institui a Certificação “Selo Prefeitura Amiga da Criança” no Estado de Mato Grosso do Sul, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o ilustre Deputado, autor do projeto de lei, instituir a Certificação “Selo Prefeitura Amiga da Criança” no Estado, com o objetivo de implementar a política pública destinada à criança e ao adolescente.
Entendo os nobres propósitos que ensejaram a iniciativa e a importância da preocupação, com a qual compartilho, de dotar o Estado com programas que possibilitem às crianças e aos adolescentes o desenvolvimento consciente de seus deveres e obrigações na sociedade.
Analisando o autógrafo do projeto de lei, verifica-se que ele esbarra na competência reservada ao Chefe do Poder Executivo Estadual de deflagrar o processo legislativo, ofendendo o art. 67, § 1º, II, “d” e o art. 89, V, da Carta Estadual, pois é ato típico de administração a instituição de qualquer política ou programa de Governo. Além disso, para a execução da sobredita política, foram traçadas atribuições e obrigações para órgãos da estrutura do Poder Executivo, o que não pode prosperar, uma vez que a iniciativa sobre tal matéria fica reservada ao Governador, a quem cabe exercer a direção superior da administração pública estadual, com o auxílio dos Secretários de Estado.
Nessa linha de raciocínio, vale ressaltar que a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento, interfere em prerrogativas inerentes ao Chefe da Administração, além de configurar ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido nos artigos 2º da Constituição Federal e da Carta Magna Estadual.
Ademais, observa-se na interpretação dos arts. 2º e 3º do projeto de lei que o legislador parlamentar, além de traçar as diretrizes a serem adotadas pelo Chefe do Executivo, cria comissão integrada de agentes públicos do Poder Executivo, vinculados às Secretarias de Estado de Educação, de Saúde e de Segurança Pública; obriga a comissão a estabelecer estudos, análises e critérios sobre a excelência das atividades desenvolvidas pelas prefeituras municipais em ações dirigidas ao bem-estar das crianças e dos adolescentes, em flagrante contrariedade ao princípio de reserva da administração, conforme decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).1
Como se não bastassem as máculas já apontadas, convém ponderar que a avaliação da atuação administrativa dos Municípios não pode ser realizada por servidores estaduais, sob pena de ingerência do Estado na gestão político-administrativa dos entes municipais, em afronta aos princípios federativos da autonomia dos municípios, dispostos nos arts. 1º, 18 e 30, inciso I, e da separação dos poderes, inserto no art. 2º, todos da Constituição Federal.
Além disso, entendo que as questões afetas a crianças e a adolescentes estão muito bem expressas no art. 4º, parágrafo único da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”
Prosseguindo a análise das normas contidas na Lei Federal nº 8.069, de 1990, registro que da leitura do seu art. 88, inciso II, entende-se que ela conferiu aos conselhos municipais a competência para deliberar e controlar ações voltadas a crianças e adolescentes, bem como a formulação da política específica, seja no âmbito municipal, estadual ou federal.
Assim, tendo em vista a invasão de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Estadual e do Municipal, não pode o projeto de lei encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.
À vista do exposto, com amparo nas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado, da Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social, da Secretaria de Educação e da Secretaria de Justiça e Segurança Pública não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
Atenciosamente,
ANDRÉ PUCCINELLI
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
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1. STF, ADIn 2.808/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, Plenário, j. 24.08.2006, DJ 17.11.2006, p. 47, Lex-STF 338/46 e STF, ADIN-MC 1.144/RS, Rel. 1.144/RS, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, Plenário, j. 23.02.1995, DJ 04.05.2001, p.2. |