(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 19, DE 10 DE MARÇO DE 2016.

Veto total: Dispõe sobre a revista pessoal dos visitantes e dos presos nos estabelecimentos prisionais do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 9.123, de 11 de março de 2016, páginas 4 e 5.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei que Dispõe sobre a revista pessoal dos visitantes e dos presos nos estabelecimentos prisionais do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu a ilustre deputada Antonieta Amorim dispor sobre a revista pessoal dos visitantes e dos presos nos estabelecimentos prisionais do Estado de Mato Grosso do Sul.

A matéria veiculada, por meio do projeto lei, encontra-se dentro da seara do Direito Penitenciário, cuja competência para legislar é concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, cabendo a estes últimos entes federados a competência suplementar para editar normas específicas, nos termos do artigo 24, I e §§1° e 2° da Constituição Federal.

Na órbita da competência legislativa concorrente, o legislador estadual pode preencher eventuais lacunas existentes na legislação nacional, adaptando-a às suas peculiaridades regionais ou mesmo suprimir a sua falta enquanto não atue o legislador federal. Logo, desde que respeitadas as normas gerais editadas pela União, podem os Estados-membros completar as lacunas do diploma federal, amoldando-lhe às necessidades locais.

Inicialmente, saliente-se que a Lei (federal) nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal - LEP) estabelece, em seu artigo 41, X, que constitui direito do preso a “visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados”.

Mais adiante, a disposto do teor dos seus artigos 73 e 74, a Lei de Execução Penal adjudica ao departamento penitenciário local a atribuição de supervisionar e coordenar o funcionamento dos estabelecimentos penais na esfera de sua competência, sendo certo que, nesse particular, cumpre-lhe também prescrever quais medidas de segurança devem ser adotadas para franquear acesso aos visitantes de unidades prisionais.

No que alude à regulamentação desse direito de visita, especificamente quanto à revista das pessoas que pretendem ingressar nos estabelecimentos prisionais, a Lei (federal) nº 10.792/2003 (“altera a Lei nº 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal e dá outras providências”), em seu artigo 3º, assim disciplina:
      Art. 3º Os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública.

No plano infralegal, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), previsto nos artigos 62 a 64, da LEP, a quem compete propor diretrizes, metas e prioridades da política criminal e penitenciária, editou a Resolução nº 5, de 28 de agosto de 2014, no intuito de tecer recomendações quanto ao procedimento de revista. A propósito, eis o teor do referido ato normativo, no que interessa:
      Art. 1º - A revista pessoal é a inspeção que se efetua, com fins de segurança, em todas as pessoas que pretendem ingressar em locais de privação de liberdade e que venham a ter contato direto ou indireto com pessoas privadas de liberdade ou com o interior do estabelecimento, devendo preservar a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada.

      Parágrafo único - A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, scanner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual.

      Art. 2º - São vedadas quaisquer formas de revista vexatória, desumana ou degradante.
      Parágrafo único - Consideram-se, dentre outras, formas de revista vexatória, desumana ou degradante:

      I - desnudamento parcial ou total;

      II - qualquer conduta que implique a introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada;

      III - uso de cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim;

      IV - agachamento ou saltos.

      Art. 3º - O acesso de gestantes ou pessoas com qualquer limitação física impeditiva da utilização de recursos tecnológicos aos estabelecimentos prisionais será assegurado pelas autoridades administrativas, observado o disposto nesta Resolução.

      Art. 4º - A revista pessoal em crianças e adolescentes deve ser precedida de autorização expressa de seu representante legal e somente será realizada na presença deste.

      Art. 5º - Cabe à administração penitenciária estabelecer medidas de segurança e de controle de acesso às unidades prisionais, observado o disposto nesta Resolução.

Pois bem, colhe-se desse apanhado normativo que, de fato, em abono ao Princípio da Dignidade Humana e do Direito Fundamental à inviolabilidade da intimidade e à honra das pessoas, com reduto no texto constitucional (art. 1.º, III e art. 5.º, X, da CF/88), parece assente que a revista pessoal, compreendida como inspeção corporal que obrigue ao desnudamento parcial ou total, inclusive com o auxílio de equipamentos é medida de segurança que deve ser repudiada.

Contudo, o projeto de lei avança para disciplinar todo o procedimento que deve ser adotado por parte da administração penitenciária quando da inspeção de pessoas que pretendem ter acesso às instalações prisionais do Estado de Mato Grosso do Sul.

E, assim o fazendo, acabou por adentrar a disciplina de matéria cuja iniciativa é privativa do Chefe do Poder Executivo, padecendo de vício de inconstitucionalidade orgânica, já que a instituição de qualquer medida administrativa relacionada ao modo de funcionamento da máquina estadual constitui ato típico de Administração, o que leva a que tal matéria fique reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe exercer a direção superior da Administração estadual, com o auxílio dos Secretários de Estado, na esteira do que rezam os artigos 67, § 1º, II, “d”, e 89, V, da Constituição Estadual.

Nessa linha de raciocínio, insta salientar que a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes (e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no artigo 2.º da Constituição Estadual.

Em apoio à tese de que compete ao Poder Executivo a formulação de medidas relacionadas à política penitenciária, objeto do referido Projeto de Lei, parece oportuno invocar o artigo 20, incisos I, “h” e II, “d”, 3, da Lei (estadual) nº 4.640/2014, que “reorganiza a Estrutura Básica do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências”:
      Art. 20. À Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública compete:

      I - por meio das unidades administrativas da sua estrutura:

      (...)

      h) a definição e a supervisão da execução da política penitenciária do Estado;

      II - por meio dos seus órgãos de regime especial e de autarquia que lhe é vinculada:

      (...)

      d) da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário:

      (...)

      3. a proposição e a execução da política penitenciária do Estado e a coordenação, o controle e a administração dos estabelecimentos prisionais do Estado.

Em suma, pode-se afirmar que a instituição de qualquer medida de Governo no âmbito da Administração Pública está atrelada ao exercício de um juízo político (conveniência e oportunidade) inato ao Chefe do Poder Executivo.

Além disso, note-se que, ao estabelecer, como regra, a revista dos visitantes por meio mecânico, a proposta legislativa impede a revista manual, admitindo-a excepcionalmente.

Ainda, o projeto de lei ainda escusa de revista manual o Chefe de Poder, Ministro, Secretário de Estado, magistrado, parlamentar, membro da Defensoria Pública e do Ministério Público, advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, membro dos Conselhos Penitenciários, membro do Conselho da Comunidade, Delegados de Polícia, Policiais, Ministros de Confissão Religiosa, Procuradores de Entidades Públicas e Servidores e membros que atuam na Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário, quando estiverem no exercício de suas funções.

Verifica-se que tal previsão não se encontra em sintonia com o comando inserto no citado artigo 3º, da Lei (federal) nº 10.792/2003, o qual é expresso em determinar que devem se submeter a aparelho detector de metais “todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública”. Nesse cenário, evidencia-se clara usurpação da competência legislativa da União para editar normas gerais sobre direito penitenciário (art. 24, I, § 1º, da CF/88).

À vista do exposto, com base na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado, ressalta-se que a referida Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por padecer de vício de inconstitucionalidade e por flagrante ofensa artigos 2º, caput, 67, § 1º, II, “d”, 89, V e VII, da Constituição Estadual e ao artigo 24, I, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.

Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS