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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV Nº 21, DE 18 DE JUNHO DE 2007.

Veto Total: Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 1.234, de 18 de dezembro de 1991, que Institui, no âmbito do serviço público estadual, quando da identificação do funcionário, obrigatoriedade de inscrever na cédula de identidade funcional, a disposição do identificado em ser doador de órgãos.

Publicada no Diário Oficial nº 6.992, de 21 de junho de 2007.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar totalmente o projeto de lei que “Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 1.234, de 18 de dezembro de 1991, que institui, no âmbito do serviço público estadual, quando da identificação do funcionário, obrigatoriedade de inscrever na cédula de identidade funcional, a disposição do identificado em ser doador de órgãos”, pelas razões que, respeitosamente, peço venia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto sub examine fere o caput do art. 2º, as alíneas “b” e “d” do inciso II do § 1º do art. 67; o inciso VI do art. 89; incisos II e III do caput do art. 160, § 2º e inciso I do § 4º do mesmo artigo; inciso I do art. 165, todos da Constituição Estadual, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.

Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei obrigar o governo estadual a inserir o tipo sangüíneo e a disposição do identificado em ser doador de órgãos, estabelecendo, ainda, que a inserção de informação a respeito do tipo sangüíneo do identificado, independe da manifestação ou aquiescência do servidor.

Em primeiro lugar, o projeto de lei sob exame encontra-se eivado do vício da inconstitucionalidade orgânica, decorrente da falta de competência do órgão ou agente que o emitiu - in casu, da Assembléia Legislativa sul-mato-grossense -, em virtude de ele versar sobre matéria de competência exclusiva e de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, contrariando, assim, o que dispõe o art. 67, § 1º, “b”, da Constituição Estadual, verbis:

“Art. 67. ... omissis ...

§ 1º São de iniciativa do Governador do Estado as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

(...)

b) os servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;”

Portanto, traduz-se o citado vício pela incompetência do órgão editor do instrumento normativo em dar o impulso inicial ao processo legislativo, cuja atribuição é reservada, privativamente, ao Chefe do Executivo, acarretando, com isso, a inconstitucionalidade daquele diploma ab initio, por ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes, inserto no art. , caput, da Constituição Estadual.

Anoto, por oportuno, que o STF vem, reiteradamente, declarando a inconstitucionalidade de leis de origem parlamentar que veiculem regras sobre o chamado regime jurídico dos servidores públicos, expressão essa que agasalha os mais variados aspectos das relações jurídicas travadas entre o Estado e seus agentes, como se infere do seguinte julgado, ipsis litteris:

“ADIN - LEI COMPLEMENTAR 9.643/92, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - ABRANGÊNCIA CONCEITUAL - JORNADA EXTRAORDINÁRIA DE TRABALHO E ADICIONAL DO TRABALHO NOTURNO - USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA RESERVADA CONFERIDO AO CHEFE DO EXECUTIVO - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

- A locução constitucional ‘regime jurídico dos servidores públicos’ corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes.

- A cláusula de reserva pertinente ao poder de instauração do processo legislativo traduz postulado constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros.

Incide em vício de inconstitucionalidade formal a norma legal estadual que, oriunda de iniciativa parlamentar, versa matéria sujeita a iniciativa constitucionalmente reservada ao Chefe do Poder Executivo.

(STF, ADIn-MC 766/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, j. 03.09.1992, DJU 27.05.1994, p. 13.186).

Demais disso, a imposição contida no projeto de lei em questão para que os órgãos públicos do Estado insiram, obrigatoriamente, o “tipo sanguíneo” de seus agentes nas respectivas cédulas de identidade funcional (art. 1º, caput, parte inicial), além de interferir na atribuição dos respectivos órgãos estatais, violando, com isso, o art. 67, § 1º, “d”, da Constituição Estadual, ainda desestrutura a programação orçamentária do ente estatal, mostrando-se, desse modo, contrária ao que dispõem os arts. 89, VI, 160, II e III, §§ 2º e 4º, I, e 165, I, da Carta Estadual, ad litteram:

“Art. 67. ... omissis ...

§ 1º São de iniciativa do Governador do Estado as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

(...)

d) a criação, a estrutura e as atribuições das Secretarias de Estado e dos órgãos da administração pública.

(...)

Art. 89. Compete privativamente ao Governador do Estado:

(...)

VI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

(...)

Art. 160. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

(...)

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais do Estado.

(...)

§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e as prioridades da administração pública estadual, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

(...)

§ 4º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - orçamento fiscal referente aos Poderes do Estado, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público;

(...)

Art. 165. São vedados:

I - início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual;”

Alegada violação, como facilmente se percebe, decorre da constatação de que a aludida exigência imposta no projeto de lei em questão importaria num aumento de despesa não previsto e não autorizado por lei, já que impõe ao Estado a imediata realização de exames laboratoriais e a confecção de novos documentos de identidade, substituindo os que hoje estão em circulação, de quase sessenta mil (60.000) servidores públicos, sem especificar, no entanto, de onde sairá a verba para a concretização desse projeto.

Destarte, como a iniciativa das leis orçamentárias também compete ao Poder Executivo, não pode a Assembléia Legislativa votar e aprovar lei que desorganiza toda a programação orçamentária do Estado, sob pena de inconstitucionalidade, ante as desastrosas conseqüências aos cofres deste ente federado.

Sobre o assunto, parece oportuna a lição do prof. HELY LOPES MEIRELLES, mutatis mutandis:

Leis de iniciativa exclusiva do prefeito são aquelas em que só a ele cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que ... criem ou aumentem despesas, ou reduzam a receita municipal.

(...)

Se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar lei sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça.”

Em segundo lugar, o vício de inconstitucionalidade material decorre, a nosso ver, da incompatibilidade do aludido projeto de lei com os arts. e 62 da Constituição Estadual, verbis:

“Art. 4º O Estado de Mato Grosso do Sul, integrante da República Federativa do Brasil, exerce em seu território todos os poderes que não lhe sejam vedados, implícita ou explicitamente, pela Constituição Federal.

(...)

Art. 62. Cabe à Assembléia Legislativa, com sanção do Governador, legislar sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre:”

É que a Constituição Federal arrola entre as matérias de competência privativa da União aquelas pertinentes ao direito civil (art. 22, I) e, no caso sob exame, é o próprio Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10/1/2002, que regula a matéria, conforme se infere do seguinte dispositivo, ad litteram: Outro dispositivo civil atinente à matéria apregoa o seguinte: “Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.”1

“Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.”

A lei especial a que se refere a parte final do dispositivo supratranscrito, como se sabe, é a Lei Federal nº 9.434, de 4/2/1997, que “dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências”, cujo art. assim prescreve:

“Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23/3/2001) A redação originária era a seguinte: “Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem.”2

§ 1º A expressão ‘não-doador de órgãos e tecidos’ deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição. (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23/3/2001)

§ 2º A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei. (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23/3/2001)

§ 3º O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitidas até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão ‘não-doador de órgãos e tecidos’. (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23/3/2001)

§ 4º A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade. (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23/3/2001)

§ 5º No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente. (Revogado pela Lei nº 10.211, de 23/3/2001)”

Bem se vê, portanto, da reprodução da legislação federal em apreço, que a identificação do doador de órgãos e tecidos não é mais feita em qualquer documento do seu portador, por força da revogação expressa do § 1º do art. 4º supracitado, razão pela qual também se faz ilegítima a exigência imposta na parte final do caput do art. 1º do projeto de lei sob exame.

Enfim, data venia, também me parece inconstitucional a nova regra contida no parágrafo único do art. 2º da lei em questão, no que estatui que “a inserção de informação a respeito do tipo sanguíneo do identificado, independe da manifestação ou aquiescência do servidor”.

Isso porque ninguém poder ser compelido a se submeter a um exame laboratorial contra a sua vontade, conforme o STF já teve oportunidade de decidir no leading case em que resguardou um cidadão do cumprimento da ordem judicial que determinara a coleta do seu material hematológico para a realização do exame de DNA, com vistas à produção de prova em ação de investigação de paternidade que lhe era movida, em respeito ao seu direito de personalidade, como se lê da ementa do Habeas Corpus 71.373/RS, Relator o Ministro MARCO AURÉLIO, verbo ad verbum:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DNA. CONDUÇÃO DO RÉU ‘DEBAIXO DE VARA’.

Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, ‘debaixo de vara’, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.”

Apenas, a título de ilustração, poder-se-ia argüir a ofensa aos direitos individuais consagrados nos arts. , III, e , X, da Lei Maior, que asseguram, respectivamente, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da intimidade, que hão de ser levados a efeito pelo Estado sul-mato-grossense, nos termos do art. , II e III, da sua Constituição, verbis:

“Art. 1º O Estado de Mato Grosso do Sul tem como fundamentos:

(...)

II - o respeito aos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal;

III - a dignidade da pessoa humana;”

Por estas razões, adoto a dura, porém necessária medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos nobres senhores Deputados.
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1Outro dispositivo civil atinente à matéria apregoa o seguinte: “Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.”
2A redação originária era a seguinte: “Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem.”

                          Atenciosamente,

                          ANDRÉ PUCCINELLI
                          Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS