Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei que “Determina que as agências bancárias, localizadas no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, recebam em seus caixas, com atendimento presencial, os pagamentos das contas de água, luz, telefone e taxas diversas (Municipais, Estaduais e Federais), de qualquer valor, e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o ilustre Deputado Felipe Orro dispor sobre a obrigatoriedade das agências bancárias, bancos públicos e privados, localizadas no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, “receber em seus caixas, com atendimento pessoal, contas de consumo público, como luz, água, gás e telefone, e taxas diversas (municipais, estaduais e federais) de qualquer valor”.
Sob o aspecto formal, infere-se que, ao obrigar os estabelecimentos bancários, a receber em seus caixas, com atendimento pessoal, contas de consumo público, como luz, água, gás e telefone, e taxas diversas (municipais, estaduais e federais) de qualquer valor, a proposta usurpa a competência privativa da União para disciplinar questões afetas à política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores (art. 22, VII, da CF) e à fiscalização das operações de natureza financeira (art. 21, VIII, da CF).
No que se refere a matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações, de competência da União, compete ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre tais assuntos (art. 48, XIII, CF).
Ainda sobre o prisma formal, a Constituição Federal exige que o sistema financeiro nacional seja regulamentado por lei complementar (art. 192, CF).
Com efeito, no uso de sua competência legislativa, a União editou a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 (recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar), conferindo, entre outras atribuições, ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a incumbência para “regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercem atividades subordinadas a esta lei, bem como a aplicação das penalidades previstas.” (art. 4º, VIII).
E, a propósito da matéria, cumpre anotar que o Banco Central, por intermédio da Resolução nº 1.764, de 31 de outubro de 1990 (com redação dada pela Resolução nº 1.865/1991), tornou pública a deliberação do Conselho Monetário Nacional no sentido de autorizar os bancos múltiplos com carteira comercial, os bancos comerciais e as caixas econômicas a celebrar convênios para: I - recebimento de tributos, FGTS, INSS, PIS, prêmios de seguro e contas de água, energia elétrica, gás e telefone; II - pagamento para o FGTS, INSS, PIS e segurados em geral; III - prestação de serviços a outras instituições financeiras e a empresas de atividades complementares ou subsidiárias, inclusive turismo, cartão de crédito, administração de bens, processamento de dados e armazéns gerais; e IV - prestação de outros serviços, quando vinculados à arrecadação e pagamento de interesse público (art. 1º).
Ademais, a respeito do atendimento aos clientes e usuários por parte das instituições financeiras, dispõe a Resolução nº 3.694, de 26 de março de 2009 (com redação dada pela Resolução nº 4.283/2013), do Banco Central, que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar a adequação dos produtos e serviços ofertados ou recomendados às necessidades, interesses e objetivos dos clientes e usuários (art. 1º, I). A referida Resolução ainda veda que as instituições recusem ou dificultem, aos clientes e usuários de seus produtos e serviços, o acesso aos canais de atendimento convencionais, inclusive guichês de caixa, mesmo na hipótese de oferecer atendimento alternativo ou eletrônico, excetuando as dependências exclusivamente eletrônicas nem à prestação de serviços de cobrança e de recebimento decorrentes de contratos ou convênios que prevejam canais de atendimento exclusivamente eletrônicos. (art. 3º e § 1º).
Da exegese da normativa federal suprarreferenciada, é possível inferir que: a) as instituições financeiras estão autorizadas a celebrar convênios com as concessionárias e com a Administração Pública, por seus órgãos e entidades, com vistas ao pagamento por usuários e clientes, entre outros, de tributos e de serviços básicos como água, energia elétrica, gás e telefone; b) as instituições financeiras têm liberdade para celebrar os convênios para recebimento das referidas contas; c) as disposições do instrumento de convênio é que nortearão como será ofertado o serviço de cobrança pelos canais de atendimento, de forma convencional via guichês de caixas e/ou por meios alternativos ou eletrônicos.
Frente às premissas acima lançadas, resulta que não pode uma medida legislativa estadual impor às agências bancárias, de uma dada base territorial, o recebimento de contas de água, luz, telefone e taxas diversas, se não foi firmado convênio nesse sentido com as respectivas concessionárias ou com a Administração Pública, tampouco obrigá-las ao atendimento pessoal em caixas, se o instrumento de convênio dispuser em sentido diverso, facultando-lhe o uso exclusivo de canais eletrônicos para essa finalidade, sob pena de burla à legislação federal pertinente ao tema.
Assim, é de se notar que somente poderá ser invocada eventual afronta aos direitos do consumidor, com esteio na Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, no caso de haver convênio celebrado e que o referido instrumento preveja a oferta do serviço por canal de atendimento convencional, por meio de guichês de caixa, e comprovar-se que a instituição se recusa ao atendimento.
A propósito, a proposta legislativa não está tratando de competência concorrente para legislar sobre relações de consumo, porque, mesmo nesse caso, persistiria incólume a competência da União para fixar normas gerais relativas à matéria, ante a necessidade de disciplinar o assunto de forma uniforme em todo o território nacional (art. 24, V, § 1º, CF).
Enfim, reputa-se que o assunto foi reservado à competência legislativa da União, que já o disciplinou satisfatoriamente e de modo uniforme em âmbito nacional. De fato, a análise da questão nem poderia receber um deslinde diferente, eis que seria instaurado verdadeiro caos nesse ramo do sistema jurídico, com uma profusão de atos normativos de toda sorte por parte dos demais entes federados, se lhes fosse franqueado regulamentar, dentro se sua esfera, exigências e requisitos diferenciados a respeito da abrangência dos serviços a serem prestados pelas instituições financeiras.
Não bastassem as inconstitucionalidades de natureza formal, a proposta legislativa apresenta impedimento de natureza material, na medida em que viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e do livre exercício de qualquer atividade econômica, estabelecidos nos arts. 1º, IV, e 170, caput, e parágrafo único, da Constituição Federal.
Com efeito, a Constituição Federal adotou, como regra, a liberdade de iniciativa em matéria de atuação econômica, sendo que a intervenção do Poder Público figura como exceção delimitada na própria Magna Carta.
Cabe destacar, que não há no ordenamento constitucional amparo para que os Estados da Federação, intervindo na liberdade econômica, impinjam aos agentes econômicos (no caso, as agências bancária, bancos públicos e particulares) a obrigatoriedade de recebimento em seus caixas com atendimento pessoal, contas de consumo público, como luz, água, gás e telefone e taxas diversas de qualquer valor.
Registra-se, portanto, que a Proposta de Lei em tela deve ser vetada, totalmente, por contrariar os arts. 1º, inciso IV; 21, inciso VIII; 22, inciso VII; 24, inciso V e § 1º; 170, caput, e parágrafo único; 192, todos da Constituição Federal, e a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.
Atenciosamente,
REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORREA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS |