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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS Nº 002, DE 8 DE JANEIRO DE 2002.

VETO TOTAL: Dispõe sobre a utilização de tubulação de aquecimento solar nos edifícios destinados ao uso residencial e unifamiliar, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 5.667, de 9 de janeiro de 2002.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Dispõe sobre a utilização de tubulação de aquecimento solar nos edifícios destinados ao uso residencial e unifamiliar, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o legislador instituir normas relativas à utilização de tubulação de aquecimento solar nos edifícios destinados ao uso residencial e misto situados no território do Estado de Mato Grosso do Sul, obrigando as construtoras e incorporadoras de imóveis, bem como os proprietários de imóveis com área construída acima de duzentos metros quadrados, a instalarem tubulação e equipamentos de aquecimento solar. O texto obriga, ainda, o Banco do Povo e as instituições financeiras oficiais e particulares a concederem linhas de crédito aos interessados em instalarem os sobreditos equipamentos.

Antes de me enredar pela análise dos aspectos afetos à constitucionalidade e à juridicidade do texto sob análise, malgrado os vícios que o maculam indelevelmente, é imperioso reconhecer que a intenção do legislador merece aplausos. Nestes tempos em que a racionalização do uso da energia elétrica merece espaço de destaque na agenda dos debates nacionais, as preocupações contidas no mencionado projeto revelam-se oportunas, sobretudo num Estado como Mato Grosso do Sul que, por um lado, está submetido ao racionamento de energia elétrica imposto pelo Governo Federal e, por outro, tem intensa incidência solar por quase todo o ano.

Em que pese a excelência do projeto no mérito, suas disposições não podem prosperar, porquanto vulneram os preceitos constitucionais relativos à competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e imposto sobre propriedade predial e territorial urbana - IPTU, além de adentrarem a seara da competência legislativa da União para regular a política de crédito no país, conforme ao final restará cabalmente demonstrado.

Com efeito, a proposição vetada prescreve que as construtoras e incorporadoras de imóveis ficam obrigadas a utilizar tubulação de aquecimento solar nos prédios destinados ao uso residencial ou misto, o mesmo se aplicando aos proprietários de imóveis unifamiliares com área construída superior a duzentos metros quadrados.

Ao tratar desses temas, o legislador feriu o disposto do inciso I do art. 30 da Constituição Federal, que atribui competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local. Considera-se de interesse local, dentre outras políticas públicas, o transporte urbano; a varrição de ruas; a regulação das posturas municipais; o fornecimento de água canalizada e a captação, o tratamento e a destinação final de esgoto e de resíduos sólidos; o ensino fundamental; e a regulação do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

A regulação referente à edificação de prédios residenciais dá-se no âmbito municipal por meio do Plano Diretor e legislação complementar. Nesse particular, é bom lembrar que o caput do art. 214 da Constituição Estadual prescreve que o Plano Diretor, obrigatório para todos os Municípios, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. À guisa de exemplo, o Plano Diretor de Campo Grande atribui competência ao Conselho Municipal de Desenvolvimento e Urbanização para analisar previamente os projetos relativos a construção de edifícios residenciais no âmbito desta Capital.

Quando trata da aplicação de índices diferenciados na tabela do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU aos proprietários de imóveis residenciais que tenham instalado equipamentos de aquecimento solar, o projeto de lei afronta a norma contida no inciso I do art. 156 da Carta Política da República, que estabelece que o IPTU é um imposto de competência dos Municípios. É defeso, portanto, ao legislador estadual imiscuir-se nos assuntos relativos à instituição ou alteração do mencionado tributo.

Ademais, não poderia a proposição dispor sobre obrigação de o Banco do Povo e as instituições financeiras oficiais e particulares abrirem linhas de crédito especiais aos interessados em instalarem os sobreditos equipamentos, posto que o inciso VII do art. 22 da Constituição Federal prevê que à União compete legislar sobre política de crédito. Destarte, a lei estadual não tem o condão de regular a matéria.

Ainda neste aspecto referente ao financiamento, convém esclarecer que a Instituição Comunitária de Crédito - Banco do Povo é uma Associação Civil Ideal criada em parceria entre o Estado e entidades da sociedade civil, com o único objetivo de fomentar a constituição e ou consolidação de pequenos e microempreendimentos no território sul-mato-grossense, na forma das disposições da Lei nº 1.977, de 1º de julho de 1999. Portanto, as linhas de crédito do Banco do Povo não se destinam a financiar a aquisição de bens de consumo, de sorte que a entidade não pode atuar como agente financeiro dos interessados em instalar tubulação e equipamentos de aquecimento solar em suas residências, como prevê o projeto vetado.

Define-se inconstitucional aquela norma cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, expressa ou implicitamente, ao teor de dispositivos da Constituição. Segundo ensinamento de Marcelo Neves, a lei inconstitucional “é inválida por não retrotrair perfeitamente ao complexo normativo originário, ou, em outra perspectiva, porque dele não deriva regularmente. No caso, a invalidade resulta de sua não-conformidade a todas as ‘regras de admissão’ contidas na Constituição, sejam referentes ao procedimento de elaboração legislativa (aspecto formal), ou as concernentes (direta ou imediatamente, positiva ou negativamente) ao conteúdo das normas legais (aspecto material). Portanto, é inválida porque não deriva perfeitamente (regularmente) do seu fundamento imediato de validade, a Constituição em vigor.” Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, Ed. Saraiva, São Paulo, 1988, pp. 80/81

Enquanto os vícios materiais dizem respeito ao próprio conteúdo da norma, originando um conflito com os princípios estabelecidos na Constituição, a inconstitucionalidade formal afeta o ato singularmente considerado, independentemente de seu conteúdo, reportando-se, fundamentalmente, aos pressupostos e procedimentos relativos à sua formação.

No caso presente, tem-se a modalidade de inconstitucionalidade formal, posto que o legislador, ao elaborar o ato, adentrou inadvertidamente a seara da competência legislativa da União e dos Municípios.

À vista destas razões, em que pese a excelência do projeto de lei, vejo-me na obrigação de fazer uso do veto total, que submeto à elevada apreciação dessa augusta Casa Legislativa, confiante de que poderei contar com a imprescindível aquiescência de seus ilustres pares, para que o mesmo seja mantido.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
                            Atenciosamente,

                            JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
                            Governador


A Sua Excelência o Senhor
Deputado ARY RIGO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE – MS



VETO-AQUECIMENTO SOLAR.doc