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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 43, DE 14 DE JULHO DE 2017.

Veto Total: Dispõe sobre os serviços e procedimentos farmacêuticos permitidos em farmácias e drogarias no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 9.452, de 18 de julho de 2017, páginas 2 e 3.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei de autoria do Deputado Professor Rinaldo, que “Dispõe sobre os serviços e procedimentos farmacêuticos permitidos em farmácias e drogarias no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei de autoria do Deputado Professor Rinaldo, que dispõe sobre os serviços e procedimentos farmacêuticos permitidos em farmácias e drogarias no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências, registro, com o devido respeito, que, embora seja louvável, a referida proposta deve ser vetada por padecer de vício de inconstitucionalidade.

Em suma, o presente autógrafo, após conceituar farmácia e drogaria, estabelece a esses estabelecimentos permissão para realizarem os seguintes serviços e procedimentos: I - aplicação de vacinas e demais medicamentos; II - realização de testes de saúde, utilizando equipamentos ou dispositivos de point-of-care testing e de autoteste; III - determinação de parâmetros clínicos fisiológicos e antropométricos; IV - acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes; V - ações de rastreamento e educação em saúde; VI - atendimento e aconselhamento para problemas de saúde autolimitados; VII - revisão da farmacoterapia e conciliação de medicamentos (arts. 1º e 2º).

Os demais dispositivos do autógrafo estabelecem as regras de estrutura e funcionamento do estabelecimento para prestação dos serviços elencados (arts. 3º, 10, 11, 12, 13 e 14); validade, registro, guarda e conservação de vacinas (arts. 4º e 5º) e as condições de realização dos testes de saúde (arts. 6º, 7º, 8º e 9º).

Ao normatizar os serviços que os “profissionais farmacêuticos” ficam autorizados a prestar, especificamente nos arts. 1º, § 3º; 2º; 4º, § 3º; 6º; 8º; 9º; 14, o Projeto de Lei avança e investe sobre matéria reservada à competência legislativa privativa da União, por se tratar de normas de direito do trabalho e/ou condições para o exercício de profissões (art. 22, I e XVI, da Constituição Federal).

No que tange aos dispositivos que traçam regras de estrutura e funcionamento dos estabelecimentos para prestação desses serviços e de validade, registro, guarda e conservação de vacinas, investe sobre normas gerais de consumo e de proteção e defesa da saúde, também privativas do ente central, nos termos do art. 24, V e XII, e §§ 1º e 2º, da Carta Federal.

No âmbito da competência concorrente, a competência dos Estados visa à complementação da norma federal, para atender às peculiaridades locais. Decorre disso que somente à União é permitido legislar, de forma genérica, sobre consumo, proteção e defesa da saúde. Ao Estado, por sua vez, é permitida a complementação das normas federais sobre esses temas, adaptando-as às suas peculiaridades.

A Constituição Federal estabelece dentre os direitos e garantias fundamentais, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, “desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, nos termos do art. 5º, XIII.

De acordo com o disposto no art. 22, I e XVI, da Constituição Federal, somente a União possui competência legislativa para legislar sobre direito do trabalho e para regulamentar o exercício das profissões.

O sistema constitucional de divisão de competências não admite que cada ente da Federação estabeleça regramento próprio quanto ao direito do trabalho e aos requisitos ou condições para o exercício de profissões, como pretende o autógrafo.

No âmbito de sua competência privativa, a União editou a Lei Federal nº 3.820/1960, que cria os Conselhos Federal e Regionais de Farmácia, regulamentada pelo Decreto Federal nº 85.878/1981, que, por seu turno, traça normas sobre o exercício da profissão de farmacêutico e suas atribuições. Recentemente, por intermédio da Lei Federal nº 13.021/2014, no âmbito de sua competência privativa, a União dispôs sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas.

No que alude à saúde, o art. 196 da Lei Maior determina que “(...) é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

De acordo com o art. 198 da Carta Constitucional, as ações e serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, compondo um sistema único. A seu turno, o art. 200, da Carta da República, enuncia os objetivos do sobredito sistema.

Quanto à repartição das competências entre os entes federados, delineada pela Lei Federal nº 8.080/1990 - que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes” -, tem-se, entre outras atribuições, no que interessa, que à União incumbe formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição, definir e coordenar os sistema de vigilância sanitária e estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano (art. 16, incisos I, III, alínea “d” e VIII).

Com efeito, a competência da União, no caso, é exercitada por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por força de expressa atribuição a ela confiada pela Lei Federal 9.782/1999, que “define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências”, cujos arts. 2º, incisos I a III, e 8º, §1º, inciso II, permitem entrever sua competência para normatizar e controlar o padrão de substâncias e serviços de interesse para a saúde.

Não se pode olvidar, outrossim, a respeito do comércio e administração de drogas, medicamentos e outros produtos relacionados, que o assunto encontra-se normatizado pela Lei Federal nº 5.991/1973, que “dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos”.

A Lei Federal 5.991/1973 após conceituar os termos “farmácias e drogarias” destinou-lhes a exclusividade do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos – mercadorias que, em regra, não podem ser comercializadas em estabelecimentos de outra espécie. Não obstante, a referida lei exige a presença obrigatória de profissional farmacêutico responsável a fim de prestar assistência no estabelecimento.

Da exegese das normativas constitucional e federal explicitadas infere-se que compete à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabelecer normas acerca dos produtos e medicamentos que podem ser administrados em farmácias e drogarias, a qual já o fez pela Resolução RDC nº 44/2009, alterada pela RDC nº 41/2012.

A referida Resolução tem por objeto estabelecer normas de “boas práticas farmacêuticas” para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias.

Estabelecendo-se um paralelo entre as normas federais citadas (em especial: Leis Federais 3.820/1960 e 13.021/2014, Decreto Federal 85.878/1981 e Resolução RDC nº 44/2009), e as disposições do autógrafo (especialmente arts. 1º, § 3º; 2º; 4º, § 3º; 6º; 8º; 9º; 14), conclui-se que o legislador estadual elege ‘serviços e procedimentos a serem realizados pelos profissionais farmacêuticos sob as condições de execução que fixa’ sem pertinência e subsunção às hipóteses contidas no ordenamento federal, retratando invasão da competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e/ou condições para o exercício de profissões.

Ponto que merece destaque no autógrafo refere-se às vacinas e sua aplicação em farmácias e drogarias. Importa ressaltar que a Resolução RDC nº 44/2009 somente permite a administração de medicamentos e correlatos, nas farmácias e drogarias, no contexto do acompanhamento farmacoterapêutico, não incluindo vacinas.

Nesse particular aspecto, de acordo com a Resolução RDC ANVISA nº 55/2010, verifica-se que a ANVISA não classifica as vacinas como medicamentos propriamente ditos, muito menos como correlatos, definindo-as como produto biológico destinado a imunidade ativa.

Embora as vacinas não estejam classificadas como medicamentos propriamente ditos ou correlatos, recentemente, a União, por intermédio da Lei Federal nº 13.021/2014, ao dispor sobre “o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas”, permitiu que farmácias de qualquer natureza dispusessem de vacinas que atendam ao perfil epidemiológico de sua região demográfica.

Ressalta-se que a Lei Federal permitiu apenas que as farmácias, de qualquer natureza, dispusessem de vacinas, não se estendendo a permissão às drogarias.

É cediço que a atividade de vacinação é permitida a estabelecimentos de saúde, de natureza privada, devendo observar os requisitos e exigências para o funcionamento, licenciamento, fiscalização e controle, estabelecidos pela ANVISA, por intermédio da Portaria Conjunta ANVISA/FUNASA Nº 01, de 02 de agosto de 2000.

De acordo com a referida Portaria “considera-se estabelecimento privado de vacinação aquelas unidades assistenciais de saúde, que realizam vacinação para prevenção de doenças imunopreveníveis e que não integram a rede de serviços estatais ou privados conveniados ao Sistema Único de Saúde” (art. 1º, parágrafo único).

Para a obtenção da licença sanitária, os estabelecimentos privados de vacinação devem atender, dentre outras condições previstas na referida Portaria, às exigências previstas no art. 4º.

Como se observa, a ANVISA e a FUNASA estabeleceram exigências a serem observadas pelos estabelecimentos privados que exercem atividade de vacinação. Entretanto, a referida Portaria Conjunta nº 001/2000 precede à Lei nº 13.021/2014, que estabeleceu permissão às farmácias para comercializarem e aplicarem vacinas.

Com a permissão legal concedida às farmácias para dispor de vacinas, há entendimento no sentido de que, por correlação lógica, estas deverão observar as exigências contidas na referida Portaria, que regulamenta a atividade de vacinação exercida por estabelecimentos privados de vacinação.

Ocorre, porém, que falta regulamentação expressa por parte da ANVISA no que tange à atividade de vacinação pelas farmácias. No mais, vige no ordenamento norma no sentido de que é expressamente vedado às farmácias e drogarias exercerem qualquer atividade que não seja definida como serviços farmacêuticos, de acordo com a Resolução ANVISA RDC nº 44/2009, alterada pela RDC nº 41/2012 (art. 61).

Outrossim, a citada Lei Federal nº 5.991/1973 veda a utilização de qualquer dependência da farmácia ou da drogaria como consultório, ou outro fim diverso do licenciamento (art. 55), ao passo que, de acordo com a Portaria Conjunta ANVISA/FUNASA nº 001/2000, para que o estabelecimento privado exerça a atividade de vacinação, exige-se que mantenha um consultório, como ambiente obrigatório (art. 4º, inciso III, alínea “b”).

Assim, embora a Lei Federal nº 13.021/2014 tenha autorizado os estabelecimentos farmacêuticos a exercerem a atividade de vacinação, tal permissão conflita com a proibição contida na Lei Federal nº 5.991/1973, de utilização de qualquer dependência da farmácia ou da drogaria como consultório e carece, ainda, de regulamentação por parte da ANVISA, tendo em vista que a Portaria ANVISA/FUNASA nº 001/2000 não lhes é extensiva.

Além disso, a norma contida no autógrafo diverge da permissão trazida pela Lei Federal nº 13.021/2014, na medida em que autoriza que a disposição de vacinas seja feita tanto por farmácias quanto por drogarias, sendo que a Lei Federal autoriza apenas farmácias.

O Projeto de Lei prevê, ainda, regras de estrutura e funcionamento a serem observadas pelas farmácias e drogarias, de acordo com as normas estabelecidas pela ANVISA, o que demanda registro, licenciamento e fiscalização a ser executada por órgão competente de vigilância sanitária.

Em alguns dispositivos (art. 4º, §§ 2º e 3º e art. 11, § 2º), verifica-se que a proposta de origem parlamentar acrescenta atribuições aos órgãos responsáveis pelo cadastro, licenciamento e fiscalização, isto é, à Secretaria de Estado de Saúde (SES), inovando no que diz respeito à atuação da Vigilância Sanitária Estadual, o que retrata ingerência indevida no âmbito das funções tipicamente executivas desses órgãos.

Nesse contexto, ainda que se entenda ser competência do Estado a implantação da medida anunciada no autógrafo, está o Parlamento intervindo em ato típico da Administração, concernente à eleição de políticas públicas prioritárias e à definição de atribuições aos seus servidores e órgãos, providência que invade a competência do Chefe do Executivo Estadual para, privativamente, dispor sobre o funcionamento da máquina administrativa (execução dos serviços públicos e definição de políticas públicas).

Com efeito, nos termos dos arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, incisos V e IX, da Constituição Estadual, é da competência do Chefe do Executivo a iniciativa das leis que impliquem na organização dos serviços públicos, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração estadual” com o auxílio dos Secretários de Estado, sob pena de ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes consagrado no caput do art. 2º, caput, da Constituição Estadual.

Cotejando-se as legislações federais acima citadas com as disposições do autógrafo, resta claro que o legislador estadual prescreve como serviços e procedimentos a serem realizados pelos profissionais farmacêuticos e fixa condições para a sua execução que não guardam pertinência e subsunção às hipóteses contidas no ordenamento federal, retratando invasão da competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito do trabalho e/ou condições para o exercício de profissões (art. 22, incisos I e XVI, da Constituição Federal).

No mais, os dispositivos do autógrafo que traçam regras de estrutura e funcionamento das farmácias e drogarias que prestarão esses serviços e de aplicação, validade, registro, guarda e conservação de vacinas, revelam caráter de normatização atinente ao consumo e à proteção e defesa da saúde, em contrariedade às normas gerais sobre essas matérias estabelecias pelo ente central no exercício de sua competência privativa ou com nítido caráter de norma geral por não se revestirem de qualquer particularidade local e demandarem tratamento uniforme na federação, o que viola os limites da competência concorrente entregue pelo constituinte aos Estados (art. 24, V e XII, e §§ 1º e 2º, da Carta Federal).

Por fim, a proposta parlamentar estabelece disposição atinente à estrutura e às atribuições de órgão estadual, matérias de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Estadual.

À vista do exposto, e com fundamento na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado, ressalta-se que a referida Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, em afronta por contrariar os artigos 22, I e XVI e 24, V e XII, da Constituição Federal, bem como os artigos 2º, caput, 67, § 1º, II, “d”, 89, V e IX, da Constituição Estadual.

Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS