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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 117, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2015.

Veto Total: Dispõe sobre a proibição de transporte remunerado de passageiros, em veículos particulares cadastrados a partir de aplicativos não registrados nos órgãos e Departamentos Estadual e Municipal competentes à prestação de serviços de taxi, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº9.072, de 23 de dezembro de 2015, páginas 2 e 3.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei que dispõe sobre a proibição de transporte remunerado de passageiros, em veículos particulares cadastrados a partir de aplicativos não registrados nos órgãos e Departamentos Estadual e Municipal competentes à prestação de serviços de taxi, e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado João Grandão dispor sobre a proibição do transporte remunerado de passageiros em veículos particulares contratados a partir de aplicativos não cadastrados ou registrados nos órgãos e Departamentos Estadual e Municipal competentes para a prestação de serviços de taxi.

De acordo com a justificativa do nobre parlamentar, o transporte remunerado de passageiros por veículos particulares, por meio de contratações intermediadas por aplicativos de celulares, que não possua a devida concessão, permissão ou autorização do Poder Público, “é atividade ilegal e vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, além de não encontrar respaldo nos princípios que regem o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, como a segurança e eficiência na prestação dos serviços de transporte urbano”.

Com todo o respeito, reputa-se que o projeto de lei em exame peca pelo vício de inconstitucionalidade formal orgânica por inobservância da competência legislativa para a elaboração do ato, tendo em vista que compete privativamente à União legislar sobre “diretrizes da política nacional de transportes” e “trânsito e transporte”, conforme previsão do artigo 22, incisos IX e XI, da Constituição Federal. Também, verifica-se que se trata de transporte individual de passageiros, nos limites do território municipal (interesse local), cabendo ao Município o exercício da competência legislativa, com esteio no artigo 30, I, da Carta Magna.

No uso da competência constitucional que lhe foi outorgada, a União editou a Lei (federal) nº 12.468/2011, que regulamenta a profissão de taxista, determinando, em seu artigo 2º que: "é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros", listando em seguida uma série de requisitos e condições que o motorista de táxi deve preencher para exercer referida profissão.

Todavia, em razão da grave crise de mobilidade urbana enfrentada pela maioria das cidades brasileiras, no início do ano de 2012, foi promulgada a Lei (federal) nº 12.587/2012, que “institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana”, estabelecendo balizas, tanto para os Estados quanto para os Municípios sobre a disciplina dos transportes.

O artigo 4º do sobredito diploma legal define transporte urbano como "conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana", enunciando a seguir, em seus incisos, as diferentes modalidades de transporte urbano, destacando-se no que interessa ao caso, entre outras, in verbis:
        Art. 4.º (...)
        (...)
        VIII - transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizada.
        (...)
        X - transporte motorizado privado: meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares.

Logo, a Lei de Mobilidade Urbana faz clara distinção entre o serviço de transporte individual, remunerado e aberto ao público (art. 4º, VIII), identificado como as atividades prestadas pelos taxistas, e o transporte motorizado privado, não caracterizável como serviço público, por intermédio de veículos particulares (art. 4º, X). Embora tenha previsto o transporte motorizado privado, podendo aqui ser amoldada a hipótese versada no presente projeto de lei, parece certo que, de fato, ainda não há regulação específica acerca da atividade.

Quanto às competências do Município a propósito do tema, a Lei (federal) nº 12.587/2012 averba que:
        Art. 11. Os serviços de transporte privado coletivo, prestados entre pessoas físicas ou jurídicas, deverão ser autorizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público competente, com base nos princípios e diretrizes desta Lei.
        Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas. (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013)
        Art. 12-A. O direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)
        § 1º É permitida a transferência da outorga a terceiros que atendam aos requisitos exigidos em legislação municipal. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)
        § 2º Em caso de falecimento do outorgado, o direito à exploração do serviço será transferido a seus sucessores legítimos, nos termos dos arts. 1.829 e seguintes do Título II do Livro V da Parte Especial da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)
        § 3º As transferências de que tratam os §§ 1o e 2o dar-se-ão pelo prazo da outorga e são condicionadas à prévia anuência do poder público municipal e ao atendimento dos requisitos fixados para a outorga. (Incluído pela Lei nº 12.865, de 2013)
        Art. 13. Na prestação de serviços de transporte público coletivo, o poder público delegante deverá realizar atividades de fiscalização e controle dos serviços delegados, preferencialmente em parceria com os demais entes federativos.

Portanto, a União tem competência para dispor sobre os requisitos gerais que devem funcionar como balizas para a legislação municipal, de acordo com o Princípio da Hierarquia das Normas.

Nesse contexto, a despeito de existir certa celeuma quanto à identificação do ente político competente para disciplinar a atividade de transporte motorizado privado, havendo quem defenda se tratar de incumbência exclusiva da União, certo é que, se houvesse ainda alguma competência legislativa descentralizada e complementar, essa recairia sobre os Municípios, e não sobre os Estados-Membros, mormente diante da intelecção do teor dos supracitados artigos 11, 12, 12-A e 13, da Lei de Mobilidade Urbana.

Como demonstrado acima, a Lei de Mobilidade Urbana parece assumir a interpretação de que a matéria seria, também, uma questão de interesse local. Com efeito, em sintonia com a redação do artigo 12, do aludido diploma legal, é dever do Poder Público Municipal organizar, disciplinar e fiscalizar os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros, com base nos requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene, qualidade dos serviços e, inclusive, a fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.

O quadro normativo acena, por conseguinte, para a competência legislativa municipal suplementar, assim como para o exercício do poder de polícia para adequar a prestação do referido serviço aos parâmetros oferecidos pelo regramento federal.

O constituinte de 1988 acolheu o Princípio da Predominância do Interesse, cabendo à União legislar sobre as matérias em que predomina o interesse geral, aos Estados as de predominante interesse regional e aos municípios os assuntos de interesse local.

Nesse particular aspecto, no que diz respeito à disciplina de trânsito e transporte, cabe privativamente à União legislar sobre assuntos de interesse nacional, ao Estado-Membro regular e prover os aspectos regionais quanto à circulação intermunicipal em seu território, ao passo que ao Município compete a ordenação do trânsito urbano, de interesse local.

No caso, vislumbra-se que por se tratar de transporte individual de passageiros nos limites do território municipal, há incontestável interesse local, cabendo-lhe o exercício da competência legislativa, com fulcro no artigo 30, I, da Constituição. Deveras, somente ao Município, por meio de órgão constituído para tal finalidade, será possível detectar os seus contornos, as necessidades da população e a forma cabível de prestação de tal atividade, inspirado sempre nos princípios constitucionais e legais norteadores do tema.

Assim sendo, haja vista as delineadas competências legislativas da União e dos Municípios acerca do assunto, parece evidente que não remanesce aos Estados-Membros qualquer espaço de regulação normativa.

À vista do exposto, ressalta-se que a referida Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por contrariedade aos artigos 22, incisos IX e XI, e 30, I, da Constituição Federal, conforme manifestação da Procuradoria-Geral do Estado.

Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS