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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 37, DE 9 DE JULHO DE 2012.

Veto Tota: Dispõe sobre o oferecimento pelo Estado de Mato Grosso do Sul da vacina antipapilomavírus humano (HPV) de prevenção ao combate do câncer de colo de útero.

Publicada no Diário Oficial nº 8.228, de 10 de julho de 2012, páginas 1 e 2.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Dispõe sobre o oferecimento pelo Estado de Mato Grosso do Sul da vacina antipapilomavírus humano (HPV) de prevenção ao combate do câncer de colo de útero, pelas razões que, respeitosamente, peço venia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o nobre Deputado obrigar o Estado a disponibilizar nos estabelecimentos de saúde da rede pública estadual a vacina antipapilomavírus humano (HPV) para mulheres na faixa etária de 9 (nove) a 26 (vinte seis) anos.

Analisando o texto do projeto de lei, constata-se que o intuito do Parlamentar é louvável e a proposta é meritória.

Entretanto, depreende-se da análise do texto do projeto de lei em epígrafe, que os Parlamentares Estaduais, ao legislarem sobre a matéria em comento, extrapolam sua esfera de atuação, na medida em que traçam normas a serem executadas pela rede de saúde pública estadual, por intermédio da Secretaria de Estado de Saúde, que faz parte da estrutura do Poder Executivo Estadual. Assim, constata-se que a proposição acaba por usurpar a competência do Chefe do Poder Executivo de iniciar processo legislativo acerca de atribuições de órgãos da administração pública do Estado, conforme dispõem o art. 67, § 1º, II, “d”, e o art. 89, V, da Carta Estadual, o que a torna padecedora de mácula formal exigindo, assim, o veto jurídico.

Insta salientar que a aprovação de leis ou a introdução de normas, que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento, acaba por interferir em prerrogativas inerentes ao Chefe da Administração, além de configurar ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, elencado nos artigos 2os da Constituição Federal e da Estadual e, ainda, de desrespeitar o princípio da reserva de administração, conforme já teve oportunidade de decidir o Supremo Tribunal Federal (STF)1.

Por outro lado, é de bom alvitre registrar que, embora a competência para legislar sobre defesa da saúde seja concorrente da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal, certo é que cabe aos dois últimos entes federados a competência suplementar para editar normas específicas, conforme disposto no art. 24, XII, e os seus parágrafos da Constituição Federal. Assim, desde que respeitadas às normas gerais editadas pela União, podem os Estados-membros e o Distrito Federal preencher os claros do diploma federal, amoldando-lhe às peculiaridades locais.

Nesse diapasão, verifica-se que no que tange ao assunto em análise que envolve oferecimento da vacina antipapilomavírus humano (HPV) de prevenção ao combate do câncer de colo de útero, no plano legislativo federal há previsão na Lei Federal nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, que Dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências, dá competência ao Ministério da Saúde para o estabelecimento das vacinas de caráter obrigatório, que serão oferecidas gratuitamente pelo Poder Público, especificamente no art. 3º, abaixo transcrito:

“Art. 3º Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório.

Parágrafo único. As vacinações obrigatórias serão praticadas de modo sistemático e gratuito pelos órgãos e entidades públicas, bem como pelas entidades privadas, subvencionadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, em todo o território nacional.”

Outrossim, observa-se do art. 4º da sobredita legislação federal que também é obrigação do Ministério da Saúde coordenar e apoiar, técnica, material e financeiramente, a execução do programa em âmbito nacional e regional.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde já editou, inclusive, a Portaria nº 3.318, de 28 de outubro de 2010, que disciplinou o Calendário Básico de Vacinação da criança, do adolescente, do adulto e do idoso, por meio do qual se estipulou as vacinas que serão fornecidas gratuitamente pelas unidades de saúde, sendo que a vacina em referência não está nesse rol.

Além disso, a supracitada portaria delegou competência à Secretaria de Vigilância Sanitária em Saúde (SVS/MS), órgão integrante do Ministério da Saúde, para estabelecer normas complementares à referida portaria.

Assim, infere-se que compete à União, por intermédio de seus órgãos, definir quais serão as vacinas disponibilizadas pela rede pública de saúde, inclusive em âmbito estadual. Por mais esse motivo, cabe ressaltar que o projeto de lei em análise, a pretexto de competência concorrente do ente público estadual, extrapola competência suplementar, violando o art. 24, inciso XII, e os seus parágrafos da Constituição Federal.

A propósito, eis o julgado do Supremo Tribunal Federal, assim ementados:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DISTRITAL QUE DISPÕE SOBRE A EMISSÃO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO E QUE AUTORIZA O FORNECIMENTO DE HISTÓRICO ESCOLAR PARA ALUNOS DA TERCEIRA SÉRIE DO ENSINO MÉDIO QUE COMPROVAREM APROVAÇÃO EM VESTIBULAR PARA INGRESSO EM CURSO DE NÍVEL SUPERIOR - LEI DISTRITAL QUE USURPA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OUTORGADA À UNIÃO FEDERAL PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS LACUNAS PREENCHÍVEIS - NORMA DESTITUÍDA DO NECESSÁRIO COEFICIENTE DE RAZOABILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ATIVIDADE LEGISLATIVA EXERCIDA COM DESVIO DE PODER - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR COM EFICÁCIA "EX TUNC". A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA POR QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE COMO ATO DE TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. - A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA, "Estudos de Direito Constitucional", p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º). - A Carta Política, por sua vez, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 - dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente ao ensino (art. 24, IX) -, deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em "inexistindo lei federal sobre normas gerais", a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que "para atender a suas peculiaridades" (art. 24, § 3º). - Os Estados-membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação autônoma, agindo "ultra vires", transgredir a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência constitucional e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases gerais pertinentes a determinada matéria (educação e ensino, na espécie). (...)”– sem negrito no original (ADI 2667 MC, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 19/06/2002, DJ 13-03/2004 PP- 00036 EMENT VOL-02143-02 PP-00275).
Por derradeiro, é importante destacar que, com relação a essa matéria, a Secretaria de Atenção à Saúde já prolatou o Parecer Técnico Conjunto nº 01/2011/SVS/SCTIE/SAS/INCA-MS, na data de 12 de julho de 2011, que rejeitou totalmente a inserção dessa vacina no calendário anual de vacinações, concluindo acerca da dúvida quanto à eficácia do produto como estratégia de saúde, entre outros motivos.

Portanto, em virtude das máculas jurídicas constatadas no projeto de lei em tela, bem como por haver dúvidas acerca da eficácia da mencionada vacina, não pode a proposição ingressar no ordenamento jurídico do Estado.

À vista do exposto, com amparo nas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Saúde, não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
                          Atenciosamente,

                          ANDRÉ PUCCINELLI
                          Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
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1 STF, ADIn 2.808/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, Plenário, j. 24.08.2006, DJ 17.11.2006, p. 47, Lex-STF 338/46 e STF, ADIN-MC 1.144/RS, Rel. 1.144/RS, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, Plenário, j. 23.02.1995, DJ 04.05.2001, p.2.