(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 38, DE 28 DE JUNHO DE 2017.

Veto Total: Dispõe sobre a obrigatoriedade de que a rede pública e a privada de saúde venham a oferecer leito separado para mães de natimorto e para mães com óbito fetal e, se necessário ou solicitado, com acompanhamento psicológico.

Publicada no Diário Oficial nº 9.439, de 29 de junho de 2017, páginas 1 e 2.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei de autoria da Deputada Mara Caseiro, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de que a rede pública e a privada de saúde venham a oferecer leito separado para mães de natimorto e para mães com óbito fetal e, se necessário ou solicitado, com acompanhamento psicológico”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei de autoria da Deputada Mara Caseiro, que dispõe sobre a obrigatoriedade de que a rede pública e a privada de saúde venham a oferecer leito separado para mães de natimorto e para mães com óbito fetal e, se necessário ou solicitado, com acompanhamento psicológico, registro, com o devido respeito, que, embora seja louvável, a referida proposta deve ser vetada por padecer de vício de inconstitucionalidade.

A Constituição Federal, em seu art. 6º, classifica a saúde como direito social. Mais adiante, nos arts. 196 a 200, a Carta trata especificamente dessa garantia, estabelecendo que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, CF), comando esse, repetido no art. 173 da Carta Estadual.

De acordo com o art. 198 da Carta Constitucional, as ações e os serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, compondo um sistema único, que é o Sistema Único de Saúde (SUS), ao qual compete, dentre outras atribuições, “controlar procedimentos de interesse para a saúde” (art. 200).

A Carta Magna determina, ainda, no art. 24, inciso XII, que a competência para legislar acerca da proteção e defesa da saúde é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal.

É cediço que, no âmbito da competência concorrente, as normas gerais de proteção e defesa da saúde deverão advir, portanto, da União. Ao Estado, por sua vez, é permitida a ‘complementação’ de normas gerais federais sobre essas matérias, para atender às suas peculiaridades locais, salvo quando inexistente norma federal tratando do assunto, hipótese em que detém competência plena (art. 24, §§ 1º a 4º, CF).

Nesse contexto, foi editada a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”, cujo art. 9º, inciso II, dentro do contexto da competência concorrente dos entes federados, prescreve que “a direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única (...), sendo exercida (...) no âmbito dos Estados (...) pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente”. No Estado de Mato Grosso do Sul, o órgão responsável é a Secretaria de Estado de Saúde (SES).

Nesse panorama, embora louvável a intenção da iminente parlamentar, a proposta em exame incorre em vício de inconstitucionalidade formal subjetiva.

A uma, porque ao determinar a obrigatoriedade de acomodação em leitos separados e prestação de acompanhamento psicológico às mães nos casos em que especifica – natimorto e óbito fetal – o autógrafo trata de matéria reservada à União, excursionando sobre normas gerais de proteção e defesa da saúde, privativas do ente central, nos termos do art. 24, inciso XII e §§ 1º e 2º, da Carta Federal.

Visando a dar tratamento ao assunto, no exercício dessa anunciada competência privativa, a União editou a Lei Federal nº 8.080/1990, remanescendo aos Estados a competência legislativa suplementar, em obediência às diretrizes pré-fixadas.

Verifica-se que a medida proposta não está fundada em peculiaridade do Estado (art. 24, §§ 2º e 3º, CF), mas, sim, cuida de um serviço amplo que, uma vez considerado essencial à proteção e defesa da saúde, deve ser prestado de maneira uniforme em todas as Unidades Federadas.

A duas, porque, ainda que se pudesse entender inclusa na competência do Estado a implantação das medidas anunciadas no autógrafo – exclusivamente no que tange aos hospitais que se encontram diretamente sob sua administração ou a esta vinculada por intermédio de convênio firmado –, está o Parlamento intervindo em “ato típico da Administração”.

A violação se configura na medida em que são criadas obrigações para órgãos públicos, referentes à execução dos serviços públicos e à definição de políticas, providências que invadem a competência do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração Estadual”, com auxílio dos Secretários de Estado na esteira do que prescrevem os citados arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, inciso V e IX, da Constituição Estadual.

Nessa linha de raciocínio, insta salientar que a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador do Estado um dever relacionado à adoção de medidas administrativas, acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes (e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no art. 2º, caput, da Constituição Estadual.

Não obstante, ainda que o Projeto de Lei não atribua, de forma expressa, a quaisquer dos órgãos/setores do Poder Público o dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações propostas, tal atribuição está implícita – até porque, a imposição de um dever jurídico a estes estabelecimentos (no caso em tela, SES e hospitais públicos), sem controle e sanção, torna letra morta a norma jurídica por ausência de efetividade – e, por certo, deverá ser cumprida por meio da máquina administrativa, sob pena de se esvaziar o conteúdo da lei. Nesse sentido, o autógrafo acaba por adentrar, novamente, em competência privativa do Governador para impor atribuições aos seus servidores e competências aos seus órgãos.

Ademais disto, é certo que os ônus decorrentes da implantação, nos hospitais públicos, das medidas propostas no autógrafo ficarão a cargo da Administração Pública Estadual, o que interferirá na programação orçamentária do Estado, por consignar um aumento de despesa não previsto e não autorizado por lei, mostrando-se, desse modo, contrária ao que dispõem os arts. 160, incisos II e III, e 165, inciso I, da Carta Estadual.

A três, por derradeiro, porque as imposições a que se presta o Projeto de Lei são direcionadas, igualmente, às unidades de saúde da rede privada. Nesse âmbito, a proposta padece, também, de vício de inconstitucionalidade formal, na medida em que invade esfera de competência privativa da União para legislar sobre relações jurídicas de direito privado, matéria de direito civil, na esteira do que apregoa o art. 22, I, da Constituição Federal.

Sob outro vértice, resta configurado, também, vício de inconstitucionalidade material, pois, ao pretender impor obrigações que interferem diretamente na prestação e na operacionalização de serviços privados, o autógrafo afronta princípios há muito consagrados em nosso ordenamento jurídico, como o da livre iniciativa e o do livre exercício de qualquer atividade econômica, fincados nos arts. 1º, inciso IV, e 170, caput e parágrafo único, da CF.

Vale consignar que a Carta Magna, em seu art. 1º, inciso IV, erige a livre iniciativa como um dos fundamentos da República, além de afiançá-la também no art. 170, caput, sendo certo que toda medida que venha a contrariar ou restringir o referido princípio há de ser tomada como exceção, devendo ser limitada a hipóteses específicas cujos valores também estejam contemplados no próprio texto constitucional.

À vista do exposto, ressalta-se que a referida Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, em afronta aos arts. 1º, inciso IV; 22, inciso I; 24, inciso XII e §§ 1º, 2º e 3º; e 170, caput, ambos da Constituição Federal, e aos arts. 2º, caput; 67, § 1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX; 160, incisos II e III; e 165, inciso I, todos da Constituição Estadual.

Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS