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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV Nº 47, DE 2 DE OUTUBRO DE 2007.

Veto Total: “Dispõe sobre a responsabilidade do Poder Público na demarcação de terras particulares pela Fundação Nacional do Índio e outros órgãos federais, e dá outras providências”.

Publicada no Diário Oficial nº 7.065, de 3 de outubro de 2007.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Dispõe sobre a responsabilidade do Poder Público na demarcação de terras particulares pela Fundação Nacional do Índio e outros órgãos federais, e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida necessária do veto total, porquanto o texto do ato sub examine padece de vícios de inconstitucionalidade formal e material, conforme ao final restarão satisfatoriamente demonstrados.

O primeiro vício decorreria da inconstitucionalidade formal orgânica que macula o projeto em questão, vez que as demarcações que eventualmente venham a ser realizadas por órgãos federais (v.g., FUNAI, entre outros), em caso de consubstanciarem restrição parcial ou aniquilamento total ao direito de propriedade de quem quer que seja, hão de ser enfrentadas dentro do respectivo âmbito federativo, a saber, da União, a quem, aliás, cabe a edição da legislação própria sobre o assunto.

Assim, exemplificativamente, a matéria concernente aos direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas tem assento constitucional reservado à União, de modo que os Estados não poderiam, em tese, legislar sobre o tema, sob pena de usurpação de competência daquele ente federado, consoante prescrevem os arts. 20, XI, e 231, §§ 1º, 2º e 4º, da Constituição Federal, verbis:

“Art. 20. São bens da União:

(...)

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

(...)

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

(...)

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.”

Em outras palavras, e sempre com o devido respeito à proposta já aprovada na Casa de Leis, quer nos parecer que o Estado não pode ser responsabilizado (ou assumir a responsabilidade) pela prática de ato administrativo levado a cabo por outro ente da Federação, sob pena de ser erigido à condição de segurador universal.

Em suma, eventual direito indenizatório há de ser pleiteado por aquele que se sentir prejudicado junto ao órgão administrativo federal que tiver praticado o ato constritor do direito de propriedade, uma vez que é esse o ato, e não o da anterior alienação efetuada pelo Estado, que está a causar-lhe o malsinado prejuízo.

Por seu turno, a inconstitucionalidade material que assolaria o projeto sob exame reside na impossibilidade de se indenizar os atos que tenham por objeto o domínio e a posse das terras reconhecidas aos povos indígenas, a teor do art. 231, § 6º, da CF, ad litteram:

“§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.”

Mesmo que o Estado pudesse assumir a responsabilidade por atos praticados por órgãos federais, o que se admite apenas a título de argumentação, ainda assim seria de se considerar que a assunção dessa nova despesa (indenização) deveria partir de projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo, sob pena de, em o fazendo o Legislativo, incorrer em um vício formal subjetivo, tal como de há muito advertia o prof. HELY LOPES MEIRELLES, mutatis mutandis:

Leis de iniciativa exclusiva do prefeito são aquelas em que só a ele cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que criem ou aumentem despesas, ou reduzam a receita municipal.

(...)

Se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar lei sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça.”

Do exposto conclui-se que o projeto afronta a Constituição Federal, e impõe severa responsabilidade ao Estado, o que me obriga a adotar a extrema, porém necessária medida do veto total, contando com a compreensão e imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados, para a sua manutenção.
                        Atenciosamente,

                        ANDRÉ PUCCINELLI
                        Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS