Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Regulamenta o emprego de meios eletrônicos, a utilização de equipamentos e prestação de serviços por empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança no Estado de Mato Grosso do Sul, sem prejuízo do disposto na legislação federal vigente, e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:
Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto do ato sub examine é inconstitucional, uma vez que afronta o inciso I do art. 22, o inciso IV do art. 170 da Constituição Federal, a alínea “d” do art. 67 da Constituição Estadual, e ainda é ilegal, pois fere o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, bem como o parágrafo 1º do art. 2º do Código Civil, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.
Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei regulamentar a fiscalização e controle da prestação de serviços e fornecimento de sistemas eletrônicos de segurança no Estado de Mato Grosso do Sul.
Depreende-se da análise da redação dada ao projeto que o mesmo usurpa a competência da União, na medida em que adentra a matéria relativa ao comércio ao dispor sobre a constituição, estruturação, registro, bem como a forma de realização do serviço prestado pelas empresas de sistema de segurança, contrariando o disposto no inciso I do art. 22 do texto constitucional federal, que prescreve a competência privativa da União para legislar sobre normas comerciais, o que o fez por meio do Código Comercial, que se encontra inserido no Código Civil, bem como as demais leis referentes à matéria.
A proposta tolhe também, um dos princípios gerais da atividade econômica, o da livre concorrência elencado no inciso IV do art. 170 da Carta Magna, ao limitar a prestação de monitoramento somente pelas empresas estabelecidas em Mato Grosso do Sul.
Se não bastasse, todas essas inconstitucionalidades materiais na esfera federal, constata-se vício de iniciativa nos arts. 6º e 9º e seus parágrafos, posto que tratam de matéria administrativa – atribuições e competências de órgãos públicos, cuja atividade legiferante é privativa do Chefe do Poder Executivo, ou seja, do Governador, nos termos da alínea “d” do art. 67 da Constituição Estadual e pelo princípio da simetria, a alínea “e” do inciso II do § 1º do art. 61 da Carta Máxima.
Dessa forma, observa-se que o projeto peca no seu nascedouro, posto que a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67 da Constituição Estadual prescreve que é competência do Governador estabelecer as atribuições dos órgãos da administração pública direta e indireta, o que torna o projeto em comento prejudicado, não podendo assim, receber a sanção do Poder Executivo.
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido, conforme se observa da jurisprudência que abarca essa matéria:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE INTERVÉM NO REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES PÚBLICOS VINCULADOS AO PODER EXECUTIVO-USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA RESERVADO AO GOVERNADOR DO ESTADO – INCONSTITUCIONALIDADE – CONTEÚDO MATERIAL DO DIPLOMA LEGISLATIVO IMPUGNADO (LEI Nº 6.161/2000, ART. 70) QUE TORNA SEM EFEITO ATOS ADMINISTRATIVOS EDITADOS PELO GOVERNADOR DO ESTADO – IMPOSSIBILIDADE – OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA, COM EFICÁCIA EX TUNC. PROCESSO LEGISLATIVO E INICIATIVA RESERVADA DAS LEIS. – O desrespeito à cláusula de iniciativa reservada das leis em qualquer das hipóteses taxativas previstas no texto da Carta Política, traduz situação configuradora de inconstitucionalidade formal, insuscetível de produzir qualquer conseqüência válida na ordem jurídica. A usurpação da prerrogativa de iniciar o processo legislativo qualifica-se como ato destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da lei que dele resulte. Precedente. Doutrina.
(...)
Nesse sentido adverte Marcelo Caetano:
“um projeto resultante de iniciativa inconstitucional sofre de um pecado original, que a sanção não tem a virtude de apagar, até porque, a par das razões jurídicas militam os fortes motivos políticos que determinam a exclusividade da iniciativa presidencial, cujo afastamento poderia conduzir a situações de intolerável pressão sobre o Executivo” CAETANO, Marcelo. Direito...Op.cit.v.2,p.34; MEIRELLES, Hely Lopes. Estudo e pareceres...Op. cit.v. 8.p.22-36.
Conclui-se que o projeto de lei possui manchas que não se convalidam pela sanção, não podendo o mesmo prevalecer.
Ad argumentandum, o art. 10 é inconstitucional por agredir a Constituição Federal, bem como a Estadual, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar lei.
O inciso VII do art. 89 da Constituição Estadual prescreve que compete privativamente ao Governador do Estado expedir decretos para fiel execução da lei. Dessa forma, observa-se que o presente dispositivo é totalmente impróprio, inadequado e inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação da lei.
Ademais, o art. 2º da Carta Magna taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, do que se abstrai, que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência.
O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, na forma elencada pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, pois, salvo em situações de relevância e urgência, o Chefe do Poder Executivo não pode estabelecer normas gerais e criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo.
Esse munus do Governador será exercido de acordo com a necessidade, oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta à separação dos poderes, que é uma “cláusula pétrea”, posto que é insuscetível de emenda que tente aboli-la.
O art. 12 também é inadequado e ilegal na medida em que fere o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que prescreve que a cláusula de revogação deve enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas, dessa forma conclui-se que não se pode revogar genericamente.
O § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, logo a lei ou o dispositivo não enumerado ou não revogado expressamente ou que seja incompatível com a lei, será tacitamente revogado sendo, portanto, totalmente desnecessária a cláusula genérica.
Como se denota, trata-se de dispositivos indiscutivelmente inconstitucionais que maculam na íntegra o projeto, restando os demais artigos prejudicados. Por esses sérios e intransponíveis vícios, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.
Do exposto, conclui-se que o projeto de lei afronta tanto a Constituição Federal como a Estadual e ainda é ilegal, padecendo de vícios insanáveis, não podendo então prevalecer.
Por estas razões, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.
Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
Atenciosamente,
JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador
A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE – MS |