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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS Nº 006, DE 16 DE JANEIRO DE 2002.

VETO TOTAL: Dispõe sobre a instalação e uso de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água.

Publicada no Diário Oficial nº 5.673, de 17 de janeiro de 2002.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Dispõe sobre a instalação e uso de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretenderam os nobres senhores Deputados que ilustram essa Casa de Leis resguardar os direitos e interesses dos consumidores dos serviços de fornecimento de água canalizada no Estado de Mato Grosso do Sul, disciplinando a instalação de equipamentos supressores de ar na tubulação dos ramais prediais de abastecimento, de modo a evitar que haja suposto acréscimo indevido no volume de água medido pelos hidrômetros em razão de possível presença de ar no sistema de distribuição.

Em que pese a boa intenção do legislador, a necessidade de se adotar a medida extrema do veto total impõe-se porquanto os termos do projeto de lei não se ajustam ao ordenamento jurídico pátrio, ferindo dispositivos da legislação federal aplicável aos serviços públicos prestados mediante concessão e, de outro norte, contrariam o interesse público, na medida em que permitem a instalação de dispositivos na tubulação de abastecimento de água que, em determinadas condições, podem até provocar a contaminação da rede pública de água canalizada, além de outros problemas, conforme ao final restará sobejamente demonstrado.

O projeto de lei sob análise prescreve que os equipamentos de supressão de ar da tubulação de abastecimento de água serão instalados pelas empresas concessionárias. Ademais, enfatiza que as despesas de instalação, excetuados os valores relativos à aquisição dos dispositivos, correrão por conta exclusiva da empresa concessionária, inclusive nos casos de reinstalação do equipamento em outro imóvel, quando houver mudança de endereço do consumidor.

Neste primeiro momento, ao abordar os aspectos relativos à juridicidade da proposição, é de bom tom lembrar que a concessão dos serviços públicos é realizada por meio de contratos administrativos onde o concessionário espera do concedente a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro como contrapartida dos serviços prestados nos termos e condições ajustados. Esse equilíbrio econômico-financeiro só será mantido se os usuários pagarem regularmente a tarifas referentes aos serviços fornecidos, às luz das disposições da Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, nos termos do art. 175 da Constituição Federal.

Portanto, o projeto de lei peca contra os termos ajustados entre o poder concedente e as empresas concessionárias da prestação dos serviços de fornecimento de água canalizada, ao prever que estas instalarão os tais dispositivos eliminadores de ar na tubulação que antecede o hidrômetro, sem que o consumidor pague por isso. Tendo em vista a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico do contrato de concessão, a empresa deverá promover aumento de tarifa para compensar os custos de instalação dos equipamentos, que atualmente giram em torno de R$ 80,00 (oitenta reais) por dispositivo instalado. Em outras palavras, todos os consumidores indistintamente pagarão esses custos, independentemente de solicitarem ou não a colocação do supressor de ar em seu ramal de abastecimento de água.

Mostra-se insólita, por esse prisma, a norma contida no texto vetado, na medida em que prevê a obrigatoriedade de a concessionária fornecer um serviço sem que o usuário pague por ele, causando um desequilíbrio na relação e comprometendo o interesse da coletividade, que deve ser resguardado na forma da Lei das Concessões. Merece ser observado, ainda, que há um princípio prevalecente do direito segundo o qual a ninguém é permitido enriquecer-se com o prejuízo alheio. Este princípio, só por só, repele o fornecimento de serviços sem o respectivo pagamento. Por esse grave motivo, não me resta alternativa a não ser a utilização da faculdade do veto, que me outorga a Carta Política Estadual, para negar sanção ao projeto de lei sob comento.

Além desse obstáculo de ordem jurídica, também o interesse público recomenda que o projeto não seja convertido em lei. O abastecimento de água insere-se entre os serviços públicos de maior relevância para a sociedade. Além de elemento essencial à vida, revelando-se uma questão de saúde pública, a água serve de matéria-prima em vários ramos da atividade econômica. Conclui-se daí que as atividades das concessionárias dos serviços de fornecimento de água canalizada devem ser rigorosamente fiscalizadas pelo poder concedente e pela sociedade, de modo a garantir a boa qualidade do produto consumido nos lares e nas empresas.

A instalação de equipamentos eliminadores de ar nas tubulações de abastecimento de água, de que tanto se tem falado nos últimos tempos, sobretudo em razão do marketing agressivo dos fabricantes, é uma operação que deve merecer muita preocupação e cautela, posto que, com a melhor das intenções, pode-se comprometer a qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição. Se por um lado, se pugna pela defesa dos direitos e interesses dos consumidores que, hipoteticamente, estariam sendo prejudicados pela passagem de ar por seus hidrômetros, por outro, pode-se vulnerar a saúde desses mesmos consumidores, pela contaminação que os dispositivos supressores de ar podem provocar na água.

Estudos técnicos realizados pelo cientista Elton J. Mello (Engenheiro Mecânico pela Universidade Federal de Santa Maria - RS e Especialista em Engenharia Clínica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), reproduzidos em artigo recentemente apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, apontam “o alto risco de contaminação da rede pública, pois em muitas situações o cavalete onde está instalado o hidrômetro, fica abaixo do nível do solo, ou se situa em áreas alagadiças da cidade – sujeitas a inundações, ou o seu nicho/abrigo possibilita o acúmulo de resíduos e detritos. Quando o cavalete ficar coberto com água contaminada ou submetido a uma atmosfera tóxica e ocorrer a falta de água, o dispositivo aspirará o que estiver ao seu redor e colocará no interior da rede pública de água, contaminando todo o sistema.”

Trata-se, pois, de assunto da mais alta complexidade. Não se cuida meramente de abordar, de forma estanque, a possível influência do ar na medição do consumo de água potável. Aos fabricantes desses equipamentos que supostamente barateiam as contas de água interessa unicamente a viabilidade econômica de seus negócios, com a comercialização em larga escala de seus produtos. Mas o administrador público, responsável pelo bem-estar da sociedade, deve lançar um olhar holístico sobre a questão, de modo a vislumbrar todas as implicações dos sobreditos equipamentos na vida dos cidadãos, principalmente no que se refere aos aspectos relativos à saúde pública.

Há que se consignar aqui que é ainda muito incipiente o conhecimento acerca da influência do ar na medição do consumo de água canalizada. Embora a presença de ar nas tubulações do sistema de distribuição de água seja um fenômeno previsível do ponto de vista hidráulico, seus efeitos, sejam positivos ou negativos, ainda não são totalmente conhecidos.

Portanto, é açodado afirmar que o consumidor está sendo lesado em seus direitos, pagando por algo que não utiliza. Aliás, segundo Elton J. Mello, a influência do ar na medição do consumo ocorre nos dois sentidos, ou seja, positivamente, adicionando uma parcela ao registro do medidor quando do retorno do abastecimento de água e, negativamente, subtraindo uma outra quantidade do volume totalizado, quando da interrupção do suprimento. É plausível, pois, supor que a ação positiva e a negativa do ar no hidrômetro resultaria num equilíbrio que em nada prejudicaria o consumidor, conquanto cientificamente ainda seja desconhecido o resultado final da influência do ar sobre o consumo medido e faturado.

Da mesma forma, são parcos os conhecimentos sobre a eficiência dos equipamentos eliminadores de ar. Além dos riscos de contaminação dos sistema de abastecimento de água, não há comprovação científica de que esses dispositivos realmente suprimam o ar emulsionado, reduzindo a medição do consumo, como propagandeiam os seus fabricantes.

Por fim, cumpre informar que, segundo informação fornecida pela Divisão de Metrologia nas Relações Comerciais 2, do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, não existe nenhum tipo de dispositivo eliminador de ar aprovado/autorizado pelo INMETRO. Neste ponto, convém lembrar que o Regulamento Técnico Metrológico aplicável aos hidrômetros para água fria de vazão nominal até quinze metros cúbico por hora, aprovado pela Portaria nº 246, de 17 de outubro de 2000, do INMETRO, em seu item 9.4, prescreve:

“9.4. Qualquer dispositivo adicional, projetado para ser instalado adjunto ao hidrômetro, deve ser submetido a apreciação por parte do INMETRO, com vistas a verificar se o mesmo influencia o desempenho metrológico do medidor.”

Portanto, a lei sul-mato-grossense, única na espécie em todo o Brasil, seria inócua, posto que não existe uma única marca de equipamento supressor de ar emulsionado aprovado/autorizado pelo INMETRO, conforme estabelece a sobredita Portaria nº 246/2000 daquele órgão federal de metrologia.

À Vista destas razões, vejo-me na obrigação de fazer uso da medida extrema do veto total, que submeto à elevada apreciação dessa augusta Casa Legislativa, confiante de que poderei contar com a imprescindível aquiescência de seus ilustres pares, para que o mesmo seja mantido.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
                            Atenciosamente,

                            JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
                            Governador

A Sua Excelência o Senhor
Deputado ARY RIGO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE – MS



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