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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS Nº 77, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2006.

Veto Total: Proíbe a cobrança de taxa de religação por concessionárias de distribuição de água.

Publicada no Diário Oficial nº 6.879, de 31 de dezembro de 2006.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Proíbe a cobrança de taxa de religação por concessionárias de distribuição de água, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Em que pese o zelo e a boa intenção do autor do projeto de lei e dos demais membros dessa Casa de Leis, que o aprovaram, não pode o texto encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado, porquanto vulnera flagrantemente o inciso IV do art. 22; os incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal; os incisos I e V do art. 17 e o inciso VII do art. 89 da Carta Política Estadual; a Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993 - Lei das Licitações e Contratos Públicos; a Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 - Lei das Concessões, conforme ao final restará cabalmente demonstrado.

Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei desobrigar os consumidores do pagamento de taxa de religação de água cobrada pelas concessionárias distribuidoras do serviço.

A prestação de serviços públicos é regulada por legislação específica, quanto aos serviços prestados, e genericamente, pela Constituição Federal e pela lei de licitações e contratos públicos. Trata-se, pois de matéria disciplinada originariamente no direito constitucional e administrativo.

Destarte, cumpre, de início, analisar o projeto de lei do ponto de vista da competência legislativa referente à matéria versada.

A Carta Magna, no inciso IV do art. 22, prescreve que compete privativamente à União legislar sobre águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão.

Como se pode observar, trata-se de competência privativa da União para legislar sobre as matérias acima mencionadas. Por competência privativa entende-se aquela que contém possibilidade de delegação, de sorte que o ente político que possui a sua titularidade, transfere-a no todo ou em parte a outra pessoa política de direito público interno.

No que se refere aos serviços de água, energia elétrica e telefonia, há legislação federal regedora da matéria, o que conduz à conclusão de que, ainda que tenha havido alguma delegação de competência ao Estado, deve o mesmo respeitar os parâmetros federais, onde, aliás, não se verifica a existência de qualquer vedação como a que pretende impor o projeto de lei ora analisado.

Ademais, verifica-se que a proposta avança também sobre a competência dos municípios, na medida em que os incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal e os incisos I e V do art. 17 da Constituição Estadual, que prescrevem que cabe aos municípios legislar sobre matérias de interesse local, bem como organizar, prestar, diretamente, ou sob regime de concessão, os serviços públicos de interesse local de caráter essencial, como no caso de distribuição de água.

Diante disso, conclui-se que o Estado não pode legislar sobre água, bem como não pode legislar sobre matéria de interesse local, muito menos sobre a prestação de serviço essencial de interesse local, sob pena de usurpar a competência municipal, e principalmente, desrespeitar o federalismo e a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, corrompendo assim todo o Estado Federal.

Por outro lado, se a retomada ou o restabelecimento da prestação de um determinado serviço público impõe gastos à concessionária, deve o consumidor arcar com os mesmos, posto que a exploração de prestação de serviço público, mediante concessão, prevê que o contrato firmado entre o poder concedente e a concessionária, disporá sobre toda forma de conduta e contraprestação aplicável ao caso.

Portanto, como garantia à concessionária, as hipóteses de alteração unilateral ou bilateral são restritas aos parâmetros federais. Tal é o que se apreende da análise do art. 65 da Lei de Licitações e Contratos Públicos, que estabelece taxativamente os casos de alteração unilateral ou bilateral dos contratos.

É de se observar que os casos de alteração contratual disciplinados pelo sobredito dispositivo legal, não contemplam a vedação constante do texto do projeto de lei que se discute. Pelo contrário, seus §§ 5º e 6º assim dispõem:

“§ 5º Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

§ 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”

Sendo assim, torna-se evidente a impossibilidade de se alterar a relação contratual, unilateralmente, ainda que sob a forma de lei, pois a mesma imporia ônus econômico à concessionária, na medida em que lhe veda a cobrança de contraprestação pelo restabelecimento do serviço ao consumidor, sem resguardar o equilíbrio econômico do contrato.

A matéria, sob análise, é disciplinada, ainda, pela Lei Federal nº 8.987, de 23 de fevereiro de 1995, que trata especialmente sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Merece atenção especial o disposto nos artigos 11 e 13 do referido diploma legal:

“Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei.

Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

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Art. 13. As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.”

Vê-se que o teor do projeto de lei sob análise implica aumento dos custos administrativos das empresas concessionárias de serviços públicos no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul. Tal aumento nos encargos das concessionárias deverá, sob pena de quebra do equilíbrio dos contratos, ser repassado aos valores das tarifas praticadas.

Em outras palavras, havendo supressão da cobrança pelo restabelecimento dos serviços, os consumidores adimplentes cumpridores de suas obrigações, que não são beneficiários de programas sociais estaduais, serão penalizados pelo incremento das tarifas, diante da necessidade de se financiar tal serviço.

Por derradeiro, o projeto peca ainda, na medida em que fere a Constituição Federal, bem como a Estadual, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar leis.

O inciso VII do art. 89 da Constituição Estadual prescreve que compete privativamente ao Governador do Estado expedir decretos para fiel execução da lei. Dessa forma, observa-se que o art. 3º é totalmente impróprio, inadequado e inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação da lei.

Ademais, o art. 2º da Carta Magna taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, do que se abstrai, que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência.

O exercício do poder regulamentador do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, na forma elencada pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, pois, salvo em situações de relevância e urgência, o Chefe do Poder Executivo não pode estabelecer normas gerais e criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo.

Esse munus do Governador será exercido de acordo com a necessidade, oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta à separação dos poderes, que é uma clausula pétrea, posto que é insuscetível de emenda tendente a aboli-la.

Do exposto, conclui-se que o projeto de lei afronta tanto a Constituição Federal como a Estadual, e ainda a legislação federal, padecendo de vícios insanáveis. Como se percebe, da análise sistemática do projeto, trata-se de proposta indiscutivelmente inconstitucional e ilegal que, por esses sérios e intransponíveis vícios, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.

Por estas razões, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.

Atenciosamente,

JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador

A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS



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