(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 4, DE 8 DE JANEIRO DE 2013.

Veto Total: Concede isenção do pagamento de ICMS às entidades sem fins lucrativos, de interesse social, que prestem serviço de recuperação de dependentes químicos no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 8.348, de 9 de janeiro de 2013, páginas 8 e 9.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Concede isenção do pagamento de ICMS às entidades sem fins lucrativos, de interesse social, que prestem serviço de recuperação de dependentes químicos no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:

Pretendeu a ilustre Deputada, autora do projeto de lei, determinar que as entidades sem fins lucrativos que prestem serviço de recuperação de dependentes químicos no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul fiquem isentas do pagamento de Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestação de Serviços de Prestação de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), e elencar alguns documentos para que as entidades em referência possam gozar dessa isenção.

Embora o intuito Parlamentar seja louvável, a proposta em epígrafe exige veto jurídico, uma vez que possui máculas formais que a fulminam no nascedouro.

Nesse sentido, vislumbra-se que a proposição legislativa, ao determinar que sejam isentas do pagamento do ICMS as entidades sem fins lucrativos, de interesse social, que prestem atendimento a dependentes químicos no Estado de Mato Grosso do Sul, afronta o art. 165, da Constituição Federal, especialmente em seu § 6º, uma vez que se trata de matéria cuja iniciativa é reservada à competência do Chefe do Poder Executivo Estadual, pois se refere à renúncia fiscal, repercutindo diretamente no orçamento público.

Acerca do tema são pertinentes as reflexões de Regis Fernandes de Oliveira1, que conclui ser competência privativa do Chefe do Executivo o início do processo legislativo que vise a conceder isenção, in verbis:

Quem pode isentar? Pode o integrante do Poder Legislativo propor isenção ou cabe a iniciativa apenas ao Chefe do Poder Executivo? Observa-se que a isenção não é matéria tributária. Constitui-se parte do planejamento financeiro de um ente. Logo, o poder de iniciativa pertence exclusivamente ao Chefe do Executivo.

Esse também é o posicionamento encontrado nas lições do mestre Roque Antônio Carrazza, que analisa minuciosamente a questão:

Em matéria tributária, porém, prevalece, a respeito, o art. 61: a iniciativa das leis tributárias - exceção feita à iniciativa das leis tributárias dos Territórios (que, no momento, não existem), que continua privativa do Presidente da República, ex vi do art. 61, § 1º, II, “b”, in fine, da CF - é ampla, cabendo, pois, a qualquer membro do Legislativo, ao Chefe do Executivo, aos cidadãos etc.

Este raciocínio vale para as leis que criam ou aumentam tributos. Não para as leis tributárias benéficas, que continuam ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito).

Abrindo um rápido parêntese, entendemos por leis tributárias ‘benéficas’ as que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita (leis que concedem isenções tributárias, que parcelam débitos fiscais, que aumentam prazos para o normal recolhimento de tributos etc). No mais das vezes, favorecem aos contribuintes.

Ora, só o Chefe do Executivo - senhor do Erário e de suas conveniências - reúne condições objetivas para aquilatar os efeitos que, leis deste tipo, produzirão nas finanças públicas sob sua guarda e superior responsabilidade. Assim, nada pode ser alterado, nesta matéria, sem prévia anuência.

Chegamos a esta conclusão analisando os dispositivos constitucionais que tratam das finanças públicas, especialmente os arts. 165 e 166 da Lei Maior, que dão ao Chefe do Executivo a iniciativa das leis que estabelecem os orçamentos anuais.2

Na jurisprudência, o entendimento não é diferente:

CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. O PODER LEGISLATIVO NÃO PODE INVADIR A ESFERA DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO NO TANGENTE À CONCESSÃO DE ISENÇÃO NO PAGAMENTO DO IPTU. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. Na peça exordial da representação suste-se que a lei em tela seria inconstitucional por vício de iniciativa, uma vez que gera renúncia fiscal sem a competente indicação de fonte de custeio compensatório. Tal iniciativa afronta os art. 2º e art. 150, § 6º, da Constituição da República, os quais em observância ao princípio da simetria são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios, tendo sido reproduzidos na Carta Estadual em seus artigos 7º e 198, e ainda da Constituição Federal, ao disposto no art. 61, § 1º, “b”, 3. Restou, também, violado o princípio fundamental da separação e independência dos poderes, capitulado no artigo 2º da Constituição Federal e artigo 7º da Constituição Estadual. 4. Procedência da Representação por Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.634/07. (TJRJ, ADI nº 0032277-89.2008.8.19.0000 (2008.007.00165), rel. Des. Letícia Sardas, DJ 27/01/10) (grifos postos)

“Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei Municipal nº 1.747/08 e Lei Complementar Municipal nº 14/08, ambos de Jandira, as quais, respectivamente, alteram dispositivos das Leis nº 1.042/96 e 1.426/06, concedendo isenção tributária de IPTU a entidades religiosas e Beneficentes, quando imóvel é locado. Normas de iniciativa parlamentar. Matéria tributária. Leis tributárias benéficas. Diminuição da receita do Município. Atribuição exclusiva do Prefeito. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação Procedente.” (TJSP, ADI nº 994092209699 (1790510400), rel. Des. Penteado Navarro, j. 11/11/09) (grifos postos)

Diante disso, o projeto de lei em exame padece de mácula formal, já que trata de matéria cuja iniciativa legislativa cabe somente ao Chefe do Poder Executivo, por versar sobre tema que afeta diretamente o orçamento público, renunciando receita, o que só pode ser realizado se houver previsão de seu impacto sobre as receitas no demonstrativo que deve acompanhar o projeto de lei orçamentária de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o art. 165, caput e § 6º, da Carta Magna.

Ademais, a análise conjunta dos arts. 24, I e § 1º, e 163, I, da Constituição Federal revela que a União, por meio de lei complementar, tem competência para estabelecer normas gerais sobre finanças públicas.

Exercendo essa competência, a União editou a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de âmbito nacional e observância obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 1º, § 2º, da LC 101/00), que, ao disciplinar a renúncia de receita, por meio da concessão de benefícios ou incentivos fiscais (art. 14 da LC 101/00), definiu que esta só pode se concretizar se houver a observância obrigatória do art. 14, caput, da sobredita lei complementar e pelo menos uma das condições estabelecidas nos inciso I e II do art. 14, in verbis:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

...........................................................

Nesse diapasão, registra-se que a concessão dos incentivos que se refere a proposta recairá sobre o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS), o que exige aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), nos termos dos art. 152 da Constituição Estadual e do § 6º do art. 150 e alínea “g” do inciso XII do § 1º do art. 155, ambos da Constituição Federal, bem como da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela então Constituição.

Imperioso acrescentar que o Estado não pode simplesmente conceder incentivos fiscais sem obediência aos dispositivos contidos nas Constituições, bem como na Lei de Responsabilidade Fiscal, sem se sujeitar a punições severas resultantes da própria LRF como também da Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, em virtude de todas essas máculas constatadas no projeto de lei em comento, não pode a proposição receber a chancela governamental.

À vista do exposto, com amparo nas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Fazenda, não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
                            Atenciosamente,

                            ANDRÉ PUCCINELLI
                            Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
____________________________
1. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.417.
2. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 20ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 288/291.