Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar totalmente o projeto de lei que Institui o Programa Estadual de Atenção às Doenças da Boca e da Face, no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:
Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto sub examine fere a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67; o inciso VI do art. 89; o art. 157; os incisos II e III do caput do art. 160, o § 2º e o inciso I do § 4º do mesmo artigo; o inciso I do art. 165, todos da Constituição Estadual, bem como os artigos 15, 16 e 17 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2001 (Lei de Responsabilidade Fiscal), conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.
A proposição padece de vício de iniciativa, uma vez que cria atribuição à Secretaria de Estado de Saúde, infringindo assim, a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67 da Constituição Estadual, que prescreve que compete ao Governador iniciar processo legislativo que disponha sobre atribuições de Secretarias de Estado ou órgãos da administração pública.
Assevera a jurisprudência sobre a inconstitucionalidade formal na criação da lei:
“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.”
STF-Pleno- Adin Pnº 1.391-2/SP- Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 28.11.1997, p. 62.216.
A título exemplificativo, o Egrégio Tribunal de Justiça declarou inconstitucional a Lei nº 3.846, de 15 de fevereiro de 2001, do Município de Campo Grande análoga, que prescrevia a obrigatoriedade da presença de um profissional de fisioterapia no quadro de funcionários dos postos de saúde e equipes de “médicos da família”, conforme se infere da ementa abaixo reproduzida:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PREFEITO MUNICIPAL. PROJETO DE LEI APRESENTADO POR VEREADOR. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VIOLAÇÃO DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. CRIAÇÃO, ESTRUTURA E ATRIBUIÇÕES DE SECRETARIAS E ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. AÇÃO PROCEDENTE. O Poder Legislativo não pode ter iniciativa da elaboração de projetos de leis, ou emendas, que resultem em criação, estruturação e atribuições de secretarias e órgãos da administração pública municipal (TJMS. Adin 2001.003385-5. Rel. Des. ILDEU DE SOUZA CAMPOS. Pleno. J. 11.06.2003. Unânime. DJMS 01.07/2003).
Como se percebe, trata-se de indiscutível inconstitucionalidade formal e por esse sério e intransponível vício, não pode o projeto de lei encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.
Por outro lado, caso o projeto não possuísse esse vício, ainda não poderia ser sancionado, uma vez que acabaria por aumentar sobremaneira as despesas do Estado, em razão do custo para sua realização, posto que o Estado não possui uma estrutura voltada para e implantação do referido programa, vindo a onerar os cofres públicos, desrespeitando o disposto no art. 157 da Constituição Estadual, que prescreve que nenhuma despesa será ordenada sem que existam recursos orçamentários.
Nesse sentido, para que exista recurso orçamentário, faz-se necessária a previsão orçamentária, nos termos do inciso VI do art. 89; incisos II e III do caput do art. 160, § 2º e inciso I do § 4º do mesmo artigo, todos da Constituição Estadual, que dispõem que cabe ao Governador iniciar processo legislativo da lei de diretrizes orçamentárias e da lei do orçamento anual do Estado, não podendo, o Poder Legislativo interferir na atribuição do Chefe do Poder Executivo.
Além disso, o inciso I do art. 165 da Constituição Estadual veda o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual, caso contrário, desorganizaria toda a programação orçamentária do Estado, o que acarretaria crime de responsabilidade, na medida em que as despesas não se adequariam à Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF.
Nesse sentido, prescreve o caput do art. 15 da LRF, que serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público, a geração de despesa pública de caráter continuado sem que tenha sido realizada uma estimativa do impacto orçamentário que a obrigação causará aos cofres públicos do Estado.
A LRF em seu art. 16 prescreve que a medida que acarrete aumento de despesa será acompanhada de: (I) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; e (II) declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Por seu turno, o art. 17 da mesma lei complementar dispõe que o ato que crie ou aumente despesa obrigatória de caráter continuado, além de ser instruído com a estimativa de que trata o inciso I do art. 16, deverá demonstrar a origem dos recursos para seu custeio, bem como comprovar que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas fiscais da lei de diretrizes orçamentárias.
Depreende-se da análise do projeto de lei, que não houve, em nenhum dos dispositivos, a previsão de estimativa de impacto orçamentário-financeiro da medida, nem a declaração do ordenador de despesa quanto à adequação da despesa com a lei orçamentária anual. Tampouco consta qualquer demonstrativo da origem dos recursos para o custeio da despesa do Estado com a realização dessa atividade.
Pelo fato de o projeto não guardar correspondência com a LRF, uma vez que a criação dessa obrigatoriedade está condicionada à obediência dos requisitos expostos na legislação infraconstitucional, o que não ocorreu no caso em tela, não pode tal proposição receber a sanção do Chefe do Poder Executivo.
Por fim, vale ressaltar que a rede estadual de saúde pública, em virtude da descentralização dos serviços de saúde, consoante determina o Sistema Único de Saúde, está sob a responsabilidade dos Municípios.
Ademais, verifica-se que no § 2º do art. 2º do projeto em epígrafe o Poder Legislativo impõe à administração pública o poder-dever de firmar convênios administrativos, o que só pode se dar por deliberação discricionária da própria administração, sob pena de usurpação da competência do Poder Executivo, ferindo o princípio da independência dos Poderes.
Do exposto, conclui-se que o projeto de lei afronta tanto a Constituição Estadual, como a legislação federal, padecendo de vícios insanáveis. Como se percebe, da análise sistemática do projeto, trata-se de proposta indiscutivelmente inconstitucional e ilegal que, por esses sérios e intransponíveis vícios, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.
Por estas razões, amparado nas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Saúde, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.
Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
Atenciosamente,
JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador
A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
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