(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS Nº 60/2005, DE 24 DE OUTUBRO DE 2005.

VETO TOTAL: Dispõe sobre a instituição do programa de recuperação e preservação de matas ciliares, aquisição e distribuição de alevinos-Programa Natureza Viva e dá outras providências.

Publicado no Diário Oficial nº 6.594, de 25 de outubro de 2005.

Senhor Presidente,


Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar totalmente o projeto de lei que Dispõe sobre a instituição do programa de recuperação e preservação de matas ciliares, aquisição e distribuição de alevinos-Programa Natureza Viva e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente peço vênia para passar a expor:


RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto sub examine afronta a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67; o inciso VI do art. 89; incisos II e III do caput do art. 160, § 2º e inciso I do § 4º do mesmo artigo; inciso I do art. 165 e arts. 235 e 236 todos da Constituição Estadual; fere ainda o inciso IV do art. 22, os inciso I, VI e VII do art. 24 da Constituição Federal, e não guarda correspondência com as Leis Federais nº 4.771, de 15 de setembro de 1965; nº 7.754, de 14 de abril de 1989; nº 6.938, de 31 de agosto de 1981; nº 9.985, 18 de julho de 2000 e nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, e ainda é contrário ao interesse público, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.

Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei dispor sobre a instituição do programa de recuperação e preservação de matas ciliares, aquisição e distribuição de alevinos, isto é, Programa Natureza Viva.

Ocorre que, embora a intenção seja louvável, fato é que a proposição padece de vício de iniciativa, uma vez que legisla sobre atribuição da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos-SEMA, infringindo assim, a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67 da Constituição Estadual, que prescreve que compete ao Governador iniciar processo legislativo que disponha sobre atribuições de Secretarias de Estado ou órgãos da administração pública.

Assevera a jurisprudência sobre a inconstitucionalidade formal na criação da lei:

“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.”
STF-Pleno- Adin Pnº 1.391-2/SP- Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 28.11.1997, p. 62.216.

Como se percebe, trata-se de indiscutível inconstitucionalidade formal e por esse sério e intransponível vício, não pode o projeto de lei encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.

Nesse sentido, observa-se que o projeto usurpa ainda a competência privativa do Chefe do Executivo, no que tange à questão orçamentária, posto que para concretização da proposta seria necessário recurso financeiro, o que não foi expressamente previsto no projeto de lei e nem na lei orçamentária anual.

As determinações contidas no projeto de lei na forma prescrita, a par de interferir, diretamente, na atribuição dos órgãos estatais, desrespeita, ainda, sobremaneira, a programação orçamentária do Estado, por consignar um aumento de despesa não previsto e não autorizado por lei, já que impõe a SEMA a tomada de medidas imediatas de recuperação e proteção das mata ciliares e de ampliação da quantidade de peixes nas águas dominiais do Estado, sem especificar a origem do recurso para concretização desse Programa Natureza Viva.

O inciso VI do art. 89, os incisos II e III, do caput do art. 160, § 2º e inciso I do § 4º do mesmo artigo, todos da Constituição Estadual, dispõem que cabe ao Governador iniciar processo legislativo da lei das diretrizes orçamentárias e da lei do orçamento anual do Estado, não podendo, o Poder Legislativo interferir na atribuição do Chefe do Poder Executivo.

Além disso, o inciso I do art. 165 da Constituição Estadual veda o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual, caso contrário, desorganizaria toda a programação orçamentária do Estado, o que acarretaria crime de responsabilidade, na medida em que as despesas não se adequariam à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por outro lado, caso não possuísse essas máculas no seu nascedouro, a proposição ainda assim possuiria vício material, na medida em que afronta o inciso IV do art. 22 da Carta Magna que dispõe que compete privativamente à União legislar sobre águas. E a alteração do regime hídrico, mediante medidas que impactam a população de peixes nas águas dominiais do Estado, prevista no diploma em análise, esbarra em tema cuja competência fora reservada pelo legislador constituinte à União, o que revela a inconstitucionalidade do conteúdo da norma.

O parágrafo único do art. 22 da Carta Magna prescreve que os Estados-Membros poderão legislar sobre as matérias elencadas no art. 22, entre elas as águas, desde que a União autorize por meio de Lei Complementar, o que não ocorreu.

Ad argumentandum, o art. 235-A da Constituição Estadual, acrescido pela Emenda Constitucional nº 27, de 2004, prescreve que o Conselho Estadual de Recursos Hídricos é órgão de deliberação e formulação da Política dos Recursos Hídricos do Estado, devendo todos os programas e planos relacionados com recursos hídricos passarem pelo seu crivo, o que não aconteceu.


A proposição ainda afronta o disposto no art. 236 da Constituição Estadual, ao estabelecer a obrigação do Estado de ampliar a quantidade de peixes nas águas da região, sem qualquer ressalva àquelas que se encontram sob gestão dos Municípios, assim, o diploma afronta a Constituição Estadual (art. 236), subverte o sistema constitucional de competências e o princípio federativo da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal).

A mata ciliar, também chamada de mata de galeria ou floresta ripária, é aquela vegetação que ocorre em margens dos recursos hídricos, tendo o Código Florestal (Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), a incluída na categoria de área de preservação permanente, preconizando que toda a vegetação natural (arbórea ou não), presente ao longo das margens dos rios e ao redor de nascentes e de reservatórios, deve ser preservadas e recuperadas.

O sobredito Código, na qualidade de norma geral, exige a intervenção do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, na adoção de técnicas de reposição florestal, bem como que sejam priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies nativas (parágrafo único e caput do art. 19 da Lei nº 4.771, de 1965).

Depreende-se, do teor do inciso VI do art. 24 da Constituição Federal, a competência concorrente dos entes federados para legislar sobre o tema proteção ambiental, ficando a cargo da União as regras gerais e do Estado, tão-somente, a instituição de normas específicas, detalhes, minúcias, isto é, preceitos de cunho suplementar.

No entanto, o projeto de lei em testilha não registra a definição de modelos específicos de recuperação das matas ciliares voltados para a região, tampouco traz a previsão de interveniência do órgão ambiental federal e de utilização estrita de espécies nativas, contrariando, pois a Lei Maior e as normas federais que tratam do assunto.

Logo, a pretensa lei estadual, ao determinar a recuperação e preservação de matas ciliares, fixa disciplina de caráter geral, extrapolando a competência residual do Estado para tratar da matéria (incisos I, VI e VII do art. 24, da Constituição Federal), que já se encontra ampla e diversamente regulamentadas em normas federais nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal); nº 7.754, de 14 de abril de 1989 (Medidas para a proteção florestas existentes nas nascentes de rios); nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Política Nacional do Meio Ambiente); nº 9.985, 18 de julho de 2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) e nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991 (Política Agrícola).

Ademais, a proteção do meio ambiente é dever de todos os habitantes do país, e estando a área de preservação sob o domínio particular, fica o proprietário incumbido de curá-la e recuperá-la, nos termos da determinação contida no art. 99 da Lei Federal nº 8.171, de 1991. Entretanto, caso a presente proposta fosse sancionada, o Poder Público acabaria avocando, indistintamente, a obrigação, passando por cima de normas federais acarretando ônus aos cofres públicos, comprovando indubitável incompatibilidade material do projeto.

Mister registrar, que a Lei Estadual nº 2.406, de 29 de janeiro de 2002, que trata da Política Estadual dos Recursos Hídricos, editada com supedâneo na Lei Federal nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e institui os Comitês de Bacias Hidrográficas, cujas metas abarcam, com muita precisão, as pretensões lançadas no projeto de lei em comento, esvaziando seu conteúdo.

De outro norte, no que tange ao mérito, observa-se que a proposição é inconveniente, posto que se limita a prever obrigação para o Poder Público de ampliar a quantidade de peixes nas águas dominiais (inciso III do art. 1º) e de adquirir alevinos para repovoamento dos rios, cuja preferência na compra, será dada às empresas de criatório legalmente constituídas no território sul-mato-grossense (art. 3º).

Ocorre que, a soltura de peixes requer, primeiramente, a realização de estudos técnicos sobre a viabilidade da medida, sendo imperioso o conhecimento das características reprodutivas das espécies para desenvolvimento de estratégias de reprodução em cativeiro. A combinação de estudos prévios sobre o ecossistema aquático como um todo e a implantação de estação de produção de alevinos de espécies de bacia pode auxiliar de maneira efetiva na preservação de espécies de peixes, no aumento da produção pesqueira em reservatório, além de contribuir para o desenvolvimento de técnicas de reprodução de espécies de piracema e o aumento do conhecimento biológico do ecossistema adjacente e suas espécies. De posse dessas informações deve ser estabelecido um protocolo mínimo para a produção dos alevinos que farão parte do programa de repovoamento dos reservatórios e rios.

Não há, na proposta, a delimitação das espécies de peixes que serão lançadas nos rios, se nativas ou não-nativas. É sabido, que as introduções de espécies não-nativas vêm sendo considerada atualmente como POLUIÇÃO BIOLÓGICA e já são consideradas o segundo maior fator de perda de biodiversidade, causando volumoso prejuízos econômicos e sociais (Workshop Freshwater Biodiversity, 1977). No Brasil, as razões alegadas para os peixamentos são legítimas (produção de alimentos, recreação e benefícios econômicos para produtores de alevinos), entretanto, a história desta prática revela que raramente seus objetivos foram atingidos e sempre houve um grande custo ambiental (Agostinho & Júlio Jr).

Nesse diapasão, o programa de repovoamento previsto na norma em apreço não revela efetivo benefício ao meio ambiente, ao revés, vai de encontro à proteção almejada, o que respalda o Chefe do Executivo de legitimidade para exercer o veto também por conveniência, na defesa do interesse público.

Por fim, verifica-se que o art. 4º do projeto de lei cria o Fundo Natureza Legal-FNL, elencando representantes para sua composição. Ocorre que a Lei Federal nº 4.320, de 17 de maio de 1964, no art. 71 descreve o conceito de Fundo, vejamos:

Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas, objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.

Assim, chega-se a um conceito que deve estar presente: o fundo especial não é composto por representantes, não é entidade jurídica ou órgão público, ou ainda uma conta mantida na contabilidade, mas tão-somente um tipo de gestão financeira de recurso ou conjunto de recursos vinculados ou alocados a uma área de responsabilidade para cumprimento de objetivos específicos, mediante a execução de programas com ele relacionados. MACHADO Jr., José Teixeira. A Lei nº 4.320 Comentada por J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis. 29.ed.rev. atual. Rio de Janeiro, IBAM, 1999. p. 136. Diante disso, conclui-se que o art. 4º do projeto é totalmente inadequado.

Do exposto, conclui-se que o projeto de lei afronta tanto a Constituição Federal como a Estadual, e ainda a Legislação Federal, padecendo de vícios insanáveis. Como se percebe da análise sistemática do projeto, trata-se de proposta indiscutivelmente inconstitucional e, principalmente, contrária ao interesse público, por esses sérios e intransponíveis vícios, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.

Por estas razões, amparado nas Manifestações da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
MACHADO Jr., José Teixeira. A Lei nº 4.320 Comentada por J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis. 29.ed.rev. atual. Rio de Janeiro, IBAM, 1999. p. 136.

Atenciosamente,

JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador

A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE – MS



Veto_Total_matas_ciliares_.doc