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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV Nº 06, DE 9 DE JANEIRO DE 2007.

Veto Total: Dispõe sobre a proibição do corte do fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 6.887, de 11 de janeiro de 2007.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do artigo 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Dispõe sobre a proibição do corte do fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Em que pese o zelo e a boa intenção do autor do projeto de lei e dos demais membros dessa Casa de Leis, que o aprovaram, não pode o texto encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado, porquanto vulnera flagrantemente diversos dispositivos da Constituição Federal e da Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 - Lei das Concessões, conforme ao final restará cabalmente demonstrado.

Pretenderam os nobres senhores Deputados que ilustram essa Casa de Leis, resguardar direitos e interesses dos consumidores das concessionárias ou permissionárias de energia elétrica, cujo consumo mensal seja igual ou inferior a 220 Kw hora/mês e que não desempenhe qualquer atividade econômica, de ter o seu fornecimento de energia elétrica interrompido por inadimplência.

Contudo, há que se entender que “a autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias”, e que este é “um dos pontos caracterizadores e asseguradores do convívio no Estado Federal”, devendo ser norteado pelo princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades que é o princípio da predominância do interesse, cabendo à União as matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local. (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada”, Atlas, p. 659).

A Constituição Federal, inicialmente, enumera no art. 21 as competências administrativas da União e prevê no art. 22 as matérias de competência privativa da União, definindo preceitos declaratórios e autorizativos da competência geral na legislação federal, demonstrando clara supremacia em relação aos demais entes federativos, em virtude da relevância das suas disposições.

Assim dispõe a Constituição Federal, nos dispositivos citados:

“Art. 21. Compete à União:
...
XII- explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
...
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;(grifos postos)

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;”(grifos postos)

Partindo destas premissas, e em harmonia com a disposição contida no art. 173, caput, da mesma Lei Maior, que veda a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, salvo quando necessária à segurança nacional ou por relevante interesse coletivo, a União Federal veio a prestar os serviços de energia elétrica mediante Concessões, cujos contratos, de natureza administrativa, devem observar o princípio, também constitucional, da preservação do equilíbrio econômico-financeiro (art. 37, inciso XXI, CF).

Para tanto, ainda na Constituição Federal, em seu art. 175, foram estabelecidas as regras matrizes da prestação serviços públicos, assim sendo disposto:

“Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I. o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial do seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II. os direitos dos usuários;

III. política tarifária

IV. a obrigação de manter serviço adequado.”

Atendendo à disposição contida no dispositivo supratranscrito, em 13 de fevereiro de 1995, foi publicada a Lei 8.987, conhecida como Lei das Concessões, que demarca a prestação de serviços públicos mediante regime de concessão, e que, além de reafirmar a manutenção do equilíbrio econômico dos contratos - art. 9º, § 4º - em seu art. 6º, define o Serviço Adequado, impondo obrigações e outorgando prerrogativas às concessionárias com vistas a atingir tal objetivo, assim determinando, verbis:

Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. (grifos postos).

Foi assim admitida a suspensão do fornecimento dos serviços públicos, dentre os quais o de energia elétrica, no caso de inadimplência dos usuários, o que se justifica pelo fato de não ser possível a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, indispensável à prestação do Serviço Adequado, se for permitido aos consumidores inadimplentes continuar usufruindo indefinidamente do serviço sem a devida contraprestação.

Tenha-se ainda presente que, na forma em que o Projeto está vertido em seu § 2º do artigo 1º, a Lei dele resultante seria de execução impossível, uma vez que não é factível a limitação do fornecimento nem sua restrição a determinado horário, eis que, permanecendo conectados ao sistema elétrico da concessionária, não existe forma economicamente viável de impedir a livre utilização da energia elétrica, de forma que não há espaço para uma situação intermediária entre a de ligados e desligados.

A prestação de serviços públicos é regulada por legislação específica, quanto aos serviços prestados, e genericamente, pela Constituição Federal, ademais, há que se observar que a prestação de serviço público nada mais é do que um verdadeiro contrato estabelecido entre a empresa concessionária ou permissionária e o usuário ou consumidor e, por esse motivo, deve observar o disposto no artigo 1.092 do Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 1.092. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”

Mostra-se insólita, portanto, a norma contida no projeto vetado, na medida em que prevê a obrigatoriedade de a concessionária fornecer o serviço sem que o usuário pague por ele, causando um desequilíbrio na relação e comprometendo o interesse da coletividade, que deve ser resguardado na forma do sobredito dispositivo da Lei das Concessões.

Não bastassem essas observações, de outro vértice, a Lei Estadual nº 3.311, de 15 de dezembro de 2006, que Proíbe a interrupção de serviços essenciais à população, por falta de pagamento, admitindo-se a sua legalidade, é mais ampla e benéfica aos consumidores que o projeto em exame, mais restritivo e que reduziria, com a sua transformação em lei, pelo menos no tocante aos consumidores de energia elétrica, os benefícios naquela estampados, na medida em que, o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Logo, o dispositivo não enumerado ou revogado expressamente ou que seja incompatível com a lei, será tacitamente revogado.

À Vista destas razões, tanto em face da manifesta inconstitucionalidade, por afronta ao disposto nos arts. 21, inciso XII, alínea “b” e 22, inciso IV, da Constituição da República, como da contrariedade às determinações consubstanciadas nas Leis nº 8.987/95 e nº 9.427/96, bem como de outras disposições normativas específicas da ANEEL - a quem compete editar as normas pertinentes ao fornecimento de energia elétrica - da impossibilidade material de cumprimento, e, em especial, tendo em vista o interesse público, assim entendido o geral da coletividade e não o de determinados segmentos da mesma, apresento meu veto a este Projeto de Lei, submetendo-o à elevada apreciação dessa augusta Casa Legislativa, confiante de que poderei contar com a imprescindível aquiescência de seus ilustres pares, para que o mesmo seja mantido.

                        Atenciosamente,

                        ANDRÉ PUCCINELLI
                        Governador do Estado

Excelentíssimo Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE - MS