Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa Augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Autoriza o Poder Executivo estadual criar a Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso no Município de Campo Grande-MS”, pelas razões que, respeitosamente, peço venia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o legislador criar, no âmbito da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, a Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso no Município de Campo Grande, com a finalidade de atender exclusivamente os cidadãos de terceira idade, recebendo denúncias, promovendo investigações e encaminhando ao Ministério Público suas conclusões.
O Projeto de Lei em epígrafe, estabelece em seu art. 3º que o Poder Executivo terá 120 (cento e vinte) dias para regulamentar, organizar e instalar a Delegacia aqui criada. Como se vê, a iniciativa parlamentar autoriza o Chefe do Poder Executivo Estadual a criar a Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso no Município de Campo Grande-MS e, também, estipula prazo de 120 dias para regulamentar, organizar e instalar a Delegacia.
O Projeto de Lei, conseqüentemente, padece de vício formal de inconstitucionalidade.
O § 1º, inciso II, letra “d”, do art. 67, da Constituição Estadual confere ao Chefe do Poder Executivo a privativa competência de iniciar os processos de elaboração de diplomas legislativos que disponham sobre a criação, a estrutura e as atribuições das Secretarias de Estado e dos órgãos da Administração Pública.
Eis a sua dicção:
“Art. 67. A iniciativa de leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral da Justiça, ao Defensor Público-Geral do Estado e aos cidadãos, nos termos desta Constituição.
§ 1º São de iniciativa do Governador do Estado as leis que:
II - disponham sobre:
(...)
d) a criação, a estrutura e as atribuições das Secretarias de Estado e dos órgãos da administração pública.”
Daí se infere que a Carta Sul-mato-grossense, ao instituir a cláusula de reserva de iniciativa para o Chefe do Poder Executivo, interditou idêntico mister a membro do Poder Legislativo. E assim é porque a prerrogativa outorgada ao Chefe do Poder Executivo, na matéria, faz parte do próprio Princípio da Separação dos Poderes.
Resta evidente, que o Projeto de Lei dispôs sobre a criação, a estrutura e as atribuições das Secretarias de Estado e dos órgãos da Administração Pública.
Poder-se-ia argumentar que o referido Projeto de Lei está apenas autorizando a criação da Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso, que dependerá de ato do Chefe do Poder Executivo.
Mesmo assim, tal argumentação não prospera, eis que o art. 3º do Projeto estipula prazo de 120 dias para regulamentar, organizar e instalar a Delegacia.
O Supremo Tribunal Federal, por meio do eminente Ministro Moreira Alves, já teve oportunidade de enfrentar a questão, restando assim decidido:
“Tratando-se de projeto de lei de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, não pode o Poder Legislativo assinar-lhe prazo para o exercício dessa prerrogativa sua.” 1
1AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 546-4 – DISTRITO FEDERAL.
A proposição versa sobre matéria inserida no rol daquelas cujo processo legislativo deve ser deflagrado por iniciativa do Chefe do Poder Executivo, conforme prescreve o art. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, da Constituição Estadual. Trata-se, portanto, de um projeto formalmente inconstitucional que, por esse sério e intransponível vício, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.
Define-se inconstitucional aquela norma cujo conteúdo ou cuja forma contrapõe-se, expressa ou implicitamente, ao teor de dispositivos da Constituição. Segundo ensinamento de Marcelo Neves, a lei inconstitucional “é inválida por não retrotrair perfeitamente ao complexo normativo originário, ou, em outra perspectiva, porque dele não deriva regularmente. No caso, a invalidade resulta de sua não-conformidade a todas as ‘regras de admissão’ contidas na Constituição, sejam referentes ao procedimento de elaboração legislativa (aspecto formal), ou as concernentes (direta ou imediatamente, positiva ou negativamente) ao conteúdo das normas legais (aspecto material). Portanto, é inválida porque não deriva perfeitamente (regularmente) do seu fundamento imediato de validade, a Constituição em vigor.” Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, Ed. Saraiva, São Paulo, 1988, pp. 80/81
Enquanto os vícios materiais dizem respeito ao próprio conteúdo da norma, originando um conflito com os princípios estabelecidos na Constituição, a inconstitucionalidade formal afeta o ato singularmente considerado, independentemente de seu conteúdo, reportando-se, fundamentalmente, aos pressupostos e procedimentos relativos à sua formação.
No caso presente, tem-se a modalidade de inconstitucionalidade formal, posto que o legislador, ao elaborar o ato, adentrou inadvertidamente a seara da iniciativa legiferante do Governador do Estado.
Daí decorre a necessidade de se adotar a medida extrema do veto total.
A proposição ofende também a Lei Orgânica da Polícia Civil – Lei Complementar n. 114, de 19 de dezembro de 2005 que, ao dispor sobre as delegacias de polícia estabelece:
“Art. 21. A criação de unidades operacionais da Polícia Civil dependerá de disponibilidade de recursos materiais e humanos indispensáveis `a sua efetiva implantação e operação.
Parágrafo único. A disponibilidade de recursos humanos e materiais de cada unidade policial, considerados os respectivos níveis, será definido por ato do Diretor-Geral da Polícia Civil.”
Destarte, urge ressaltar que, na verdade, o atendimento diferenciado ao idoso, independente da existência de uma delegacia específica, já é previsto na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que assim dispõe:
“Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
I - atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
..................
VI - capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;
...................”
Em razão da previsão do atendimento prioritário e diferenciado ao idoso, consta no Decreto Estadual nº 12.218, de 28 de dezembro de 2006, que regulamentou as competências e atribuições das unidades operacionais da Polícia Civil, um “setor de atendimento ao idoso” previsto em cada uma das sete Delegacias de Campo Grande, além de previsão deste mesmo setor em cada uma das Delegacias de Atendimento à Infância e Juventude do interior do Estado, de forma que há prioridade no atendimento ao idoso em Campo Grande e nas principais cidades do Estado.
Conclui-se que o idoso, em qualquer unidade policial que necessitar de atendimento, deverá tê-lo de forma preferencial, imediato e individualizado conforme estabelece o estatuto do idoso, aliado ao fato de que, já estão sendo ministradas em cursos de formação na Academia de Polícia, aulas que visam à formação de uma consciência profissional dos policiais no atendimento diferenciado às chamadas minorias, dentre as quais se destacam idosos, crianças, negros, índios, mulheres, homossexuais e outras que requerem especial atenção do Poder Público.
Para que não pairem dúvidas a respeito dessa determinação legal, o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública editou a Resolução Normativa SEJUSP/MS/Nº 369, em 5 de junho de 2007, publicada no Diário Oficial do Estado nº 6.986, de 12 de junho de 2007, página 23, cujo texto normatiza e padroniza o atendimento ao Idoso em todas as unidades integrantes do Sistema de Segurança Pública Estadual, assegurando absoluta prioridade de atendimento individualizado em qualquer circunstância, na primeira unidade de segurança pública que tomar conhecimento da necessidade de atendimento, independente da competência em razão da matéria ou em razão do local, cabendo a essa unidade encaminhar posteriormente o expediente à unidade originariamente competente, vedando expressamente a recusa de atendimento ao idoso.
À vista destas razões, vejo-me na obrigação de fazer uso do veto total que submeto à elevada apreciação dessa augusta Casa Legislativa, confiante de que poderei contar com a imprescindível aquiescência de seus ilustres pares, para que o mesmo seja mantido.
Atenciosamente,
ANDRÉ PUCCINELLI
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembléia Legislativa
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