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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 34, DE 9 DE JUNHO DE 2011.

Veto Total: Proíbe a comercialização de termômetros de mercúrio no Estado de Mato Grosso do Sul.

Publicada no Diário Oficial nº 7.968, de 10 de junho de 2011.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Proíbe a comercialização de termômetros de mercúrio no Estado de Mato Grosso do Sul, pelas razões que, respeitosamente, passo a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado, autor do projeto de lei, proibir a comercialização de termômetros de mercúrio no Estado e estabelecer, ainda, que todos os órgãos ficarão incumbidos de fiscalização no Estado de Mato Grosso do Sul.

Analisando o autógrafo do projeto de lei, observa-se que, embora louvável a proposta do Parlamentar, uma vez que se reveste de nobre propósito atinente à proteção da saúde da população sul-mato-grossense, exige o veto jurídico, na medida em que não guarda correspondência com a legislação federal acerca do tema.

Nesse sentido, cabe notar que o projeto objetiva dispor sobre matéria de proteção à saúde, inserta na competência legislativa concorrente dos Estados-membros, consoante o art. 24, inciso XII e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal. No entanto, o legislador estadual não pode inovar a ordem jurídica, sob o manto da competência concorrente, suplementar ou cumulativa, em contrariedade à norma geral federal.

No que concerne à competência concorrente, observam-se inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal (ADIn 3098-SP, ADIn 2396-MS, ADIn 1245-RS) dentre os quais, por similaridade ao caso em análise, destaca-se o acórdão da ADI 3645:
      “1. Preliminar de ofensa reflexa afastada, uma vez que a despeito da contestação, pelo Tribunal, da existência de normas federais tratando da mesma temática, está o exame na ação adstrito à eventual e direta ofensa, pela lei atacada, das regras constitucionais de repartição da competência legislativa. Precedente ADI 2535-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.11.03.

      2. Seja dispondo sobre o consumo (CF, art. 24, V), seja sobre proteção e defesa a saúde (CF, art. 24, XII), busca o Diploma estadual impugnado inaugurar regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente.

      3. Ocorrência de substituição e não suplementação das regras que cuidam das exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedentes: ADI 3035, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.05.

      4. Declaração de inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento de decreto regulamentar superveniente em razão da relação de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação. Precedentes: ADI 437, rel. Min. Celso de Melo, DJ 19.02.93 e ADI 173-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90.

      5. Ação direta cujo pedido formulado se julga procedente. ”(grifos postos)


Dessa forma, verifica-se que a proposição em comento esbarra justamente nessa contrariedade à legislação federal, pois a proibição genérica de comercialização de termômetros de mercúrio vai de encontro ao disposto na Lei Federal n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999, notadamente os arts. 2º, III; 7º, IX e XV; e 8º, § 1º, VI e § 4º, que fixam a competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), para fiscalizar materiais de uso médico-hospitalar e demais produtos de interesse para o controle de riscos à saúde da população, sendo este o órgão competente para proibir a comercialização de produtos que causem risco iminentes à saúde, nos termos dos citados dispositivos, in verbis:
      “Art. 2º Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:

      ................................................

      III - normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde;

      ................................................

      “Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

      .................................................

      IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;

      .................................................

      XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

      ................................................”

      “Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

      §Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:

      .................................................

      VI - equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem;

      .................................................

      § 4º A Agência poderá regulamentar outros produtos e serviços de interesse para o controle de riscos à saúde da população, alcançados pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

      ..................................................” (grifos postos)
Destarte, o texto em exame padece de inconstitucionalidade formal por inobservância da competência legislativa para elaboração do ato, uma vez que invade a competência da União para estabelecer normais gerais sobre saúde, disciplinadas nas Leis Federais n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, e n. 9.782, de 1999, que atribuem competência à ANVISA para proibir a comercialização de produtos nocivos à saúde.

Justifica-se essa competência da União porque não é interesse apenas do Estado proibir a comercialização de produtos nocivos à saúde. A proteção da saúde, nos termos como pretende o projeto de lei, não pode ser limitada ao âmbito estadual. Deve, sim, ser tratada como componente de uma cadeia nacional, cuja competência foi atribuída pela União à Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Diante disso, não há dúvidas de que a proposta em epígrafe destoa da Lei Federal n. 9.782, de 1999, usurpando competência da ANVISA, outorgada pela União, violando, portanto, o art. 24, § 2º da Carta da República.

Por outro vértice, a restrição absoluta à venda de termômetros de mercúrio dentro do Estado de Mato Grosso do Sul viola a livre iniciativa, fundamento da República e da Ordem Econômica, prevista nos arts. 1º, IV e 170, caput, da Constituição Federal, considerando que o referido produto possui livre comércio e trânsito no território nacional, desde que resguardadas as restrições emanadas da ANVISA, órgão federal competente para realizar a sua fiscalização e eventual proibição de comercialização.

Ademais, ao estabelecer competência a todos os órgãos de fiscalização no Estado de Mato Grosso do Sul para inspecionarem o cumprimento dos dispositivos da pretensa lei, está criando obrigação para o Executivo e seus órgãos, especialmente para a Secretaria de Estado de Saúde, violando flagrantemente a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a estrutura, ações, atribuições e deveres do Poder Público, ou seja, para definir as diretrizes e dispor sobre o funcionamento da máquina estadual, nos termos do art. 67, § 1º, II, “d”, da Constituição Estadual.

No que diz respeito a fiscalização, observa-se que as citadas leis federais já outorgaram competência à ANVISA, o que torna o art. 3º da proposta, igualmente, contrário às citadas leis.

Nesse contexto, convém ponderar que se for realizada uma análise aprofundada da redação do art. 3º, depreende-se que o Parlamentar está atribuindo competência para todos os órgãos de fiscalização no Estado, invadindo, assim, a seara de competência das esferas municipais e federal também.

Assim, em razão de todas essas máculas elencadas, não pode o projeto de lei em epígrafe ingressar no ordenamento jurídico do Estado.

À vista do exposto, com amparo na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
                        Atenciosamente,

                        ANDRÉ PUCCINELLI
                        Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS