(*) Os textos contidos nesta base de dados têm caráter meramente informativo. Somente os publicados no Diário Oficial estão aptos à produção de efeitos legais.

ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 50, DE 16 DE JULHO DE 2013.

Veto Total: Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 1.810, de 22 de dezembro de 1997.

Publicada no Diário Oficial nº 8.474, de 17 de julho de 2013, páginas 3 e 4.
OBS: Veto derrubado. Promulgada pela Assembleia Legislativa a Lei nº 4.475, de 6 de março de 2014.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 1.810, de 22 de dezembro de 1997, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado, autor do projeto de lei, alterar a Lei nº 1.810, de 22 de dezembro de 1997, que Dispõe sobre os tributos de competência do Estado e dá outras providências, para possibilitar ao Poder Executivo Estadual oportunizar ao contribuinte aumentar o parcelamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), de 3 para 5 vezes; o desconto de 10% para 15%, no pagamento à vista, em cota única desse tributo e, ainda, permitir o parcelamento em até 10 vezes dos débitos do IPVA dos anos anteriores.

Embora o intuito do Parlamentar seja louvável, a proposta em epígrafe exige veto jurídico, uma vez que possui máculas formais que a fulminam no nascedouro.

Nesse sentido, vislumbra-se que a proposição legislativa, ao pretender alterar dispositivos da Lei Estadual nº 1.810, de 1997, usurpa as funções do Poder Legislativo e incursiona sobre “ato típico de Administração”, qual seja, a “direção superior da administração estadual, o que leva a que tal matéria fique reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, na esteira do que determinam os arts. 67, § 1º, II, “d”, e 89, V, da Constituição Estadual.

Assim, a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Chefe do Poder Executivo um dever relacionado à adoção de uma política arrecadatória ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes (e, portanto, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e, termina por representar flagrante ofensa ao princípio da independência dos Poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Estadual.

Imperioso trazer à colação o precedente do Supremo Tribunal Federal, que exemplifica, mutatis mutandis, a ofensa ao princípio da reserva da Administração, e a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo para tracejar as diretrizes e dispor sobre o funcionamento da máquina estadual, como é o caso do projeto de lei em apreço:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei estadual nº 14.235/03, do Estado do Paraná, que (I) proíbe o Poder Executivo estadual de iniciar, renovar, manter, em regime de exclusividade a qualquer instituição bancária privada, as contas dos depósitos do sistema de arrecadação dos tributos estaduais, sistema de movimentação de valores e pagamentos SIAF – Sistema Integrado de Administração Financeira e Conta do Tesouro Geral do Estado-conta receita, conta única, contas dos fundos e programas, contas dos depósitos e movimentação das entidades da administração indireta e fundações públicas, bem como as disponibilidades dos fundos estaduais e pagamentos do funcionalismo público, sem realização de respectivo processo licitatório (art. 1º da Lei impugnada); (II) obriga o Poder Executivo estadual a manter toda a movimentação financeira descrita no art. 1º desta Lei. 3. Potencial ofensa ao princípio de reserva de administração; Precedentes: ADI 2364, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 14.12.2001; ADI nº 1901, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 9.5.2003; ADI 1846, Rel. Min. Carlos Velloso (Informativo SRF nº 116). 4. Plausibilidade da tese segundo a qual a lei impugnada estaria a incidir sobre espaço reservado à Lei nacional (art. 164, § 3º da Constituição). Precedentes: ADI nº 2600, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25.10.2002; ADI 2661, Rel. Min. Celso, DJ de 23.8.2002. 5. Potencial ofensa ao princípio da segurança jurídica. Cautelar deferida.”
(STF, ADIn, MC3075/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Plenário, j. 19.12.2003, DJ 18.06.2004, p.44, RTJ 191/129)

No que tange ao desconto de 15% do valor do IPVA em pagamento à vista, cota única, a matéria veicula matéria tributária benéfica, cuja iniciativa também é privativa do Chefe do Executivo, pois se refere à renúncia fiscal, repercutindo diretamente no orçamento público que, nos termos do § 6º, do art. 165 da Constituição Federal, compete ao Chefe do Executivo dispor com exclusividade, verbis:

“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
.........................................................

“Art. 166. ...........................................
..........................................................
§ 6º Os projetos de lei no plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual serão enviados pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.
........................................................

Acerca do tema são pertinentes as reflexões de Regis Fernandes de Oliveira1, que conclui ser competência privativa do Chefe do Executivo o início do processo legislativo que vise a conceder benefício fiscal, in verbis:

Quem pode isentar? Pode o integrante do Poder Legislativo propor isenção ou cabe a iniciativa apenas ao Chefe do Poder Executivo? Observa-se que a isenção não é matéria tributária. Constitui-se parte do planejamento financeiro de um ente. Logo, o poder de iniciativa pertence exclusivamente ao Chefe do Executivo.

Esse também é o posicionamento encontrado nas lições do mestre Roque Antônio Carrazza, que analisa minuciosamente a questão:

Em matéria tributária, porém, prevalece, a respeito, o art. 61: a iniciativa das leis tributárias - exceção feita à iniciativa das leis tributárias dos Territórios (que, no momento, não existem), que continua privativa do Presidente da República, ex vi do art. 61, § 1º, II, “b”, in fine, da CF - é ampla, cabendo, pois, a qualquer membro do Legislativo, ao Chefe do Executivo, aos cidadãos etc.

Este raciocínio vale para as leis que criam ou aumentam tributos. Não para as leis tributárias benéficas, que continuam ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito).

Abrindo um rápido parêntese, entendemos por leis tributárias ‘benéficas’ as que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita (leis que concedem isenções tributárias, que parcelam débitos fiscais, que aumentam prazos para o normal recolhimento de tributos etc). No mais das vezes, favorecem aos contribuintes.

Ora, só o Chefe do Executivo - senhor do Erário e de suas conveniências - reúne condições objetivas para aquilatar os efeitos que, leis deste tipo, produzirão nas finanças públicas sob sua guarda e superior responsabilidade. Assim, nada pode ser alterado, nesta matéria, sem prévia anuência.

Chegamos a esta conclusão analisando os dispositivos constitucionais que tratam das finanças públicas, especialmente os arts. 165 e 166 da Lei Maior, que dão ao Chefe do Executivo a iniciativa das leis que estabelecem os orçamentos anuais.
Notemos que o § 6º do art. 165 da CF determina que o projeto de lei orçamentária seja ‘acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia’
[...]
Logo, sentimo-nos autorizados a proclamar que só o chefe do Executivo é que pode apresentar projetos de leis tributárias benéficas, uma vez que só ele tem como saber dos efeitos das isenções, anistias, remissões, subsídios etc, que envolvam tal matéria.
Os legisladores e os cidadãos têm, quando muito, a noção das consequências políticas das leis tributárias benéficas. Nunca de suas consequências práticas, porque não dispõe de meios técnicos para aferi-las de antemão. Segue-se, pois, com a força irresistível dos raciocínios lógicos, que não podem apresentar projetos de lei neste sentido. [...]
Lembramos que as regras de fixação de competência par desencadear o processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes. É ele que organiza, inclusive, o inter-relacionamento do Executivo e do Legislativo das várias pessoas políticas.
Ora, o processo legislativo estabelecido pela Constituição Federal implicitamente manda que as leis tributárias benéficas - pelos reflexos que produzem no Erário – sejam de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. [...]
Desatendida essa exclusividade, fica patente a inconstitucionalidade, em face do vício de iniciativa.” (destacou-se)2

Na jurisprudência, o entendimento não é diferente:

CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. O PODER LEGISLATIVO NÃO PODE INVADIR A ESFERA DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO NO TANGENTE À CONCESSÃO DE ISENÇÃO NO PAGAMENTO DO IPTU. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. Na peça exordial da representação suste-se que a lei em tela seria inconstitucional por vício de iniciativa, uma vez que gera renúncia fiscal sem a competente indicação de fonte de custeio compensatório. Tal iniciativa afronta os art. 2º e art. 150, § 6º, da Constituição da República, os quais em observância ao princípio da simetria são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios, tendo sido reproduzidos na Carta Estadual em seus artigos 7º e 198, e ainda da Constituição Federal, ao disposto no art. 61, § 1º, “b”, 3. Restou, também, violado o princípio fundamental da separação e independência dos poderes, capitulado no artigo 2º da Constituição Federal e artigo 7º da Constituição Estadual. 4. Procedência da Representação por Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.634/07. (TJRJ, ADI nº 0032277-89.2008.8.19.0000 (2008.007.00165), rel. Des. Letícia Sardas, DJ 27/01/10) (grifos postos)

“Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei Municipal nº 1.747/08 e Lei Complementar Municipal nº 14/08, ambos de Jandira, as quais, respectivamente, alteram dispositivos das Leis. nº 1.042/96 e 1.426/06, concedendo isenção tributária de IPTU a entidades religiosas e beneficentes, quando imóvel é locado. Normas de iniciativa parlamentar. Matéria tributária. Leis tributárias benéficas. Diminuição da receita do Município. Atribuição exclusiva do Prefeito. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação Procedente.” (TJSP, ADI nº 994092209699 (1790510400), rel. Des. Penteado Navarro, j. 11/11/09) (grifos postos)

Diante disso, o projeto de lei em exame padece de mácula formal, já que trata de matéria cuja iniciativa legislativa cabe somente ao Chefe do Poder Executivo, por versar sobre tema que afeta diretamente o orçamento público, renunciando receita, o que só pode ser realizado se houver previsão de seu impacto sobre as receitas no demonstrativo que deve acompanhar o projeto de lei orçamentária de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o art. 165, caput e § 6º, da Carta Magna.

Ademais, a análise conjunta dos arts. 24, I e § 1º, e 163, I, da Constituição Federal revela que a União, por meio de lei complementar, tem competência para estabelecer normas gerais sobre finanças públicas.

Exercendo essa competência, a União editou a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de âmbito nacional e observância obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 1º, § 2º, da LC nº 101/00), que, ao disciplinar a renúncia de receita, por meio da concessão de benefícios ou incentivos fiscais (art. 14 da LC 101/00), definiu que esta só pode se concretizar se houver a observância obrigatória do art. 14, caput, da sobredita lei complementar e pelo menos uma das condições estabelecidas nos inciso I e II do art. 14, in verbis:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

...........................................................”

Imperioso acrescentar que o Estado não pode simplesmente conceder benefícios fiscais sem obediência aos dispositivos contidos nas Constituições, bem como na Lei de Responsabilidade Fiscal, sem se sujeitar a punições severas resultantes da própria LRF como também da Lei de Improbidade Administrativa.

Por derradeiro, ad argumentandum tantum, imperioso consignar que a alteração que possibilita o parcelamento em 10 vezes do IPVA relativos aos atrasados de anos anteriores, acaba por se tornar um medida que não estimula o pagamento contemporâneo do IPVA pelo contribuinte, uma vez que a protelação é garantia de pagamento facilitado, ou seja, parcelamento em 10 vezes.

Assim, em virtude de todas essas máculas constatadas no projeto de lei em comento, não pode a proposição receber a chancela governamental.

À vista do exposto, com amparo nas manifestações da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Fazenda, não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
                      Atenciosamente,

                      ANDRÉ PUCCINELLI
                      Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
________________________________
1 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.417.

2 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 20ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 288/291