Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei que “Institui o Programa Raízes do Cerrado em Mato Grosso do Sul”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o ilustre Deputado João Henrique dispor sobre a implementação do Programa Raízes do Cerrado, com o objetivo de implantar e preservar a arborização urbana, visando a assegurar condições ambientais e paisagísticas, impondo às concessionárias de serviços público, que causem dano ambiental coletivo, o dever de plantar cinco árvores frutíferas típicas do cerrado.
Sob o aspecto formal, infere-se que a proposta originária do Parlamento Estadual ao dispor sobre um programa que objetiva a implantação e a implementação de arborização urbana está a tratar de matéria de interesse local, cuja competência legislativa é dos Municípios, nos termos do art. 30, incisos I e II, da Constituição Federal, e art. 17, incisos I e II, da Constituição Estadual.
A Constituição Federal atribuiu ao Poder Público o dever de defesa e proteção ao meio ambiente, conforme prescreve o art. 225, com a incumbência de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais; de resguardar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País; promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; dentre outras.
No que tange à competência comum, a Constituição Federal atribui à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para proteger o meio ambiente e preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, VI e VII).
No que se refere à competência legislativa, ao tratar de proteção e de responsabilidade por dano ao meio ambiente, a Constituição Federal estabelece a competência concorrente entre os entes federativos, cabendo à União estabelecer as normas gerais e aos Estados e ao Distrito Federal estabelecer normas suplementares, nos termos do art. 24, incisos VI e VIII, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.
Com efeito, o princípio geral que norteia a repartição de competências entre os entes federados é a predominância do interesse, segundo o qual cabem à União as questões de interesse geral; aos Estados, os assuntos de interesse regional; e aos Municípios, as matérias de interesse local, caracterizado por circunstâncias demográficas, econômicas, administrativas e geográficas que justifiquem o uso desta competência.
Assim, mesmo diante do silêncio da norma constitucional no que se refere aos Municípios, evidencia-se que a competência legislativa concorrente da União com os Estados e o Distrito Federal inclui, implicitamente, as mesmas disposições normativas, enquanto importantes unidades da federação, autônomas e integrantes da organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, no tocante às matérias intimamente ligadas ao conteúdo de interesse local, notadamente na seara do meio ambiente. Deveras, nesse particular aspecto, extrai-se que o texto constitucional federal é expresso em outorgar-lhes competência material comum para “proteger o meio ambiente” e “preservar as florestas, a fauna e a flora” (art. 23, inciso VI e VII).
Quanto aos Municípios, a Constituição Federal além da competência comum atribuída no art. 23, dispõe ainda, em seu art. 30, incisos I e II, que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber.
No âmbito de sua competência, a União, por intermédio da edição da Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, que estabelece normas gerais de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, e prevê que os entes federativos são responsáveis pela melhoria da qualidade ambiental, compondo um sistema único (SISNAMA). Não obstante as normas de aplicação em âmbito nacional, a referida Lei possibilita aos Municípios, assim como aos Estados e ao Distrito Federal, a elaboração de normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente (art. 6º, § 2º).
No mesmo sentido, a Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, ao disciplinar as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, possibilitou aos Municípios a instituição de penalidade pecuniária, em substituição à multa, na mesma hipótese de incidência (art. 76).
Especificamente sobre a política urbana direcionada ao meio ambiente, a Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), estabelece dentre as diretrizes gerais de política urbana, a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (art. 2º, inciso II). A referida Lei tece, ainda, normas gerais para elaboração do Plano Diretor, pelos Municípios, dentre elas, a ordenação e o controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e a degradação ambiental (art. 39, combinado com o art. 2º, inciso VI, alínea “g”).
No que se refere à proteção da vegetação nativa, a Lei Federal nº 16.651, de 25 de maio de 2012 (Código Florestal), define a área verde urbana como espaços, públicos ou privados, com predomínio de vegetação, preferencialmente nativa, natural ou recuperada, previstos no Plano Diretor e nas Leis de Zoneamento Urbano e Uso do Solo do Município, indisponíveis para construção de moradias, destinados aos propósitos de recreação, lazer, melhoria da qualidade ambiental urbana, proteção dos recursos hídricos, manutenção ou melhoria paisagística, proteção de bens e manifestações culturais (art. 3º, inciso XX).
Dessa forma, as árvores nativas, como partes integrantes da área verde urbana, estão sujeitas à tutela das normas municipais previstas no Plano Diretor e nas Leis de Zoneamento Urbano e Uso do Solo do Município.
Ademais, a política urbana é prerrogativa dos Municípios, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e de garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, CF).
Nesse contexto, a proposta legislativa, ao implementar política pública urbana, destinada à preservação de área verde urbana (arborização), está disciplinando sobre assunto de interesse local, invadindo competência legislativa dos Municípios, consoante dispõem o art. 30, incisos I e II, da Constituição Federal, e o art. 17, incisos I e II, da Constituição Estadual.
Por outro lado, a propositura denota típica manifestação do poder de polícia do Município, na medida em que há a imposição de multa e o dever de fiscalização pela Secretaria Municipal (art. 4º do Projeto), violando o princípio federativo (art. 18, caput, CF), uma vez que trata de matéria de interesse predominante dos munícipes, encontrando fundamento no poder de polícia inerente à administração pública municipal.
Por outro giro, ainda que se entenda ser da competência do Estado legislar sobre a matéria, a proposta legislativa está a intervir em ato típico da Administração, uma vez que impõe obrigações inerentes à implementação do programa (art. 5º do Projeto), o que interfere nas atribuições do Chefe do Executivo, a quem compete dispor privativamente sobre a estruturação e as atribuições dos órgãos e serviços da Administração Pública (execução dos serviços públicos e políticas públicas).
Com efeito, os arts. 67, § 1º, inciso II, alíneas “b” e “d”, e 89, incisos V e IX, da Constituição Estadual, estabelecem que é da competência do Chefe do Executivo a iniciativa das leis que impliquem na organização dos serviços públicos, especialmente no que se refere à fiscalização do cumprimento da norma por particulares.
Infere-se, portanto, que o art. 5º do Projeto de Lei pressupõe o aparelhamento da Administração Pública, com a assunção de novas funções pertinentes ao exercício do poder de polícia administrativa por seus servidores, para cumprimento desse desiderato, padecendo do vício de inconstitucionalidade formal subjetiva, em flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Estadual.
Não bastassem as inconstitucionalidades de natureza formal, a proposta legislativa também deve ser vetada por razões de natureza material.
Há que se ponderar que a vegetação de cada Município apresenta características próprias, dentro de sua esfera territorial, de tal modo que se faz necessário que cada ente político municipal defina e administre o seu perfil de gestão, quanto à arborização urbana. Especificamente, no Estado de Mato Grosso do Sul, parte dos Municípios estão incluídos no Bioma Pantanal, área com vegetação diversa do Cerrado.
Além do mais, cabe noticiar que o Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (SEMAGRO), editou o “Roteiro para Elaboração do Plano Municipal de Arborização Urbana”, com intuito de fomentar a elaboração dos Planos Municipais de Arborização Urbana nos municípios. Trata-se, portanto, de instrumento complementar e em sintonia com o Plano Diretor.
Por fim, o presente veto não impede a criação de instrumentos administrativos, em cooperação com os Municípios, que venham a alcançar o objetivo da presente proposta.
Registra-se, portanto, que o Projeto de Lei em tela deve ser vetado, totalmente, por contrariar os arts. 18, caput; e 30, I e II; da Constituição Federal; e os arts. 2º, caput; 17, incisos I e II; 67, § 1º, inciso II, alíneas “b” e “d”; e 89, incisos V e IX, da Constituição Estadual.
Assim, não me resta outra alternativa senão a de adotar a rígida medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.
Atenciosamente,
REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORRÊA
Presidente da Assembleia Legislativa
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