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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 66, DE 23 DE SETEMBRO DE 2019.

Veto Total: Dispõe sobre a criação da Farmácia Veterinária Popular no Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 9.993, de 24 de setembro de 2019, páginas 2 e 3.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar o Projeto de Lei que Dispõe sobre a criação da Farmácia Veterinária Popular no Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor.
RAZÕES DO VETO

Pretende o ilustre Deputado Neno Razuk, autor do Projeto de Lei, dispor sobre a criação da Farmácia Veterinária Popular no Estado de Mato Grosso do Sul.

Sob o ângulo formal, a Constituição Federal confere ao meio ambiente o status de direito fundamental, incumbindo ao Poder Público a adoção de medidas de proteção e a defesa dos animais, bem como a vedação à crueldade (art. 225, § 1º, VII).

No que se refere a competência legislativa, a Constituição Federal atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal, concorrentemente, a competência para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”, reservando à União a competência legislativa para dispor sobre normas gerais e aos demais entes federados a competência legislativa suplementar para editar normas específicas (art. 24, VI, §§ 1º e 2º).

Dessa forma, em se tratando de proposições sobre temas afetos ao condomínio legislativo dos entes federados, a competência reservada aos Estados-Membros é residual, encontrando-se adstrita à edição de regras de natureza específica, endereçadas ao tratamento de peculiaridades regionais, cabendo à União a atribuição de editar normas gerais.

A proposta legislativa tem por objeto instituir, no Estado de Mato Grosso do Sul, a “Farmácia Veterinária Popular” com o objetivo de garantir o acesso, pela população de baixa renda, a medicamentos veterinários para tratamento de animais domésticos, restando evidente que se trata de norma de caráter geral, eis que não se fundamenta em nenhuma particularidade local do Estado, sendo certo que a matéria veiculada merece disciplina uniforme em todo o território nacional, porquanto afeta indistintamente a todos entes políticos da Federação, incidindo, pois, a competência da União para fixar as normas gerais pertinentes (art. 24, §§ 1º e 2º, CF).

Por mais ampla que seja a competência legislativa concorrente para legislar sobre o assunto, a Carta Magna não autoriza os Estados a editarem normas acerca de comercialização de medicamentos de uso veterinário.

Não obstante, no exercício de sua competência legislativa, a União editou o Decreto nº 5.053, de 23 de abril de 2004, que aprovou o “Regulamento de Fiscalização de Produtos de Uso Veterinário e dos Estabelecimentos que os Fabriquem ou Comerciem” e atribuiu ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) competência para baixar normas complementares referentes à fabricação, ao controle de qualidade, à comercialização e ao emprego dos produtos de uso veterinário (art. 2º).

Importa ressaltar que tramita, em âmbito federal, o Projeto de Lei nº 2.197/2019, que dispõe sobre a implementação, criação e controle de farmácia nos mesmos moldes. Tal Projeto encontra-se apensado a propostas que tratam de assuntos similares (Projetos de Lei nº 10.953/2018, nº 1.374/2015, nº 5.236/2009 e nº 215/2007), que visam à proteção e defesa da saúde animal.

Dessa forma, o Projeto de Lei em apreço ressente-se de vício formal de inconstitucionalidade, porquanto avança e investe sobre matéria reservada à União, ao excursionar sobre (e/ou estabelecer) normas gerais sobre “fauna” e “proteção ao meio ambiente”, nos termos do artigo 24, VI, e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.

Ainda sob o prisma formal, analisando a proposta legislativa sob a vertente de proteção e defesa da saúde, a Constituição Federal estabelece competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre o assunto, reservando à União a competência para edição de normas gerais (art. 24, XII, § 1º, CF).

Registra-se, ainda, a edição da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 2019, que regulamenta as ações e serviços de saúde, em todo o território nacional, a qual inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) atuação quanto à vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, “a” e “b”), atribuindo aos Municípios competência para execução desses serviços (art. 18, IV, “a” e “b”).

No que se refere ao controle da saúde animal, registra-se a edição, pelo Ministério da Saúde, da Portaria de Consolidação MS/GM nº 5, de 28 de setembro de 2017, que define as ações e os serviços de saúde do SUS, voltados para vigilância, prevenção e controle de zoonoses e de acidentes causados por animais peçonhentos e venenosos, de relevância para a saúde pública, cuja atribuição é conferida aos Municípios, nos moldes da Lei Federal nº 8.080/1990.

Nessa esteira, o Projeto de Lei em apreço usurpa a competência privativa do Município para veicular regras relativas à prestação de serviços de atendimento à saúde da população (CF, art. 30, VII), bem como para dispor sobre assunto predominantemente de interesse local (CF, art. 30, I).

Além disso, ainda que a medida proposta estivesse inserida nas atribuições administrativas do Estado, ao pretender instituir a "Farmácia Veterinária Popular", no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, está o Poder Legislativo adentrando tema concernente às atribuições de órgãos e secretarias do Poder Executivo, o que é defeso, nos termos dos art. 67, § 1°, II, alínea “d” e 89, V e IX, da Constituição Estadual.

Em linhas gerais, o presente Projeto de Lei cria atribuições aos órgãos e estrutura do Poder Executivo estadual, na medida em que estabelece a medida como programa de incentivo, controlado e fiscalizado pelo Estado de Mato Grosso do Sul, destinado à comercialização direta ao consumidor, na forma de varejo, com preços subsidiados, mediante convênios realizados pelo Poder Público, de medicamentos para uso veterinário (animais domésticos). Atribui, ainda, ao Poder Executivo a regulamentação e responsabilização pelos procedimentos funcionais, bem como celebração das avenças (art. 2º ao 4º do PL).

Nesse sentido, a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento, como no caso em apreço, acaba por interferir nas prerrogativas inerentes (e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e, ipso facto, termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no art. 2º, caput, da Constituição Estadual.

Em suma, pode-se afirmar que a instituição de qualquer programa de Governo no âmbito da Administração Pública está atrelada ao exercício de um juízo político (conveniência e oportunidade) inato ao Chefe do Poder Executivo, pelo que lhe cabe decidir “quais” as medidas, “como” e “quando” serão adotadas.

Ademais, é certo que a implantação da medida irá gerar ônus para Administração Pública Estadual, o que interferirá na programação orçamentária do Estado, por consignar um aumento de despesa não previsto e não autorizado por lei, mostrando-se, desse modo, contrária ao que dispõem os art. 160, II e III, e 165, I, da Carta Estadual.

Nesse aspecto, é cediço que não pode a Assembleia Legislativa votar e aprovar leis que desorganizem a programação orçamentária do Estado, frente às consequências desastrosas que podem acarretar aos cofres públicos, ora inviabilizando projetos já em execução, ora impedindo novos programas que a Administração planeje implementar.

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de ser inconstitucional lei de iniciativa do Poder Legislativo que desencadeia aumento de despesas públicas em matéria de iniciativa do chefe do Poder Executivo, bem como assentou ser de competência do Chefe do Poder Executivo leis que estruturam ou alterem órgãos ou secretarias da administração pública (ARE 1007409/MT; ARE 784594/SP; RE 653041/MG).

Registra-se, portanto, que a presente Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por contrariar os art. 24, incisos VI e XII, §§ 1º e 2º; e 30, incisos I e VII, da Constituição Federal; e art. 2º, caput; 67, § 1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX; 160, incisos II e III; e 165, inciso I, da Constituição Estadual, bem como o disposto no Decreto Federal nº 5.053, de 23 de abril de 2004.

À vista do exposto, resta-me a alternativa de adotar a rígida medida de veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORRÊA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS