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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS/ Nº 93, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2004.

VETO TOTAL: “Desobriga o consumidor do pagamento de tarifas e taxas do consumo mínimo ou de assinatura básica, cobradas pelas concessionárias de serviços de água energia elétrica, gás, TV a cabo e telefonia, no Estado de Mato Grosso do Sul.”

Publicada no Diário Oficial nº 6.394, de 27 de dezembro de 2004.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Desobriga o consumidor do pagamento de tarifas e taxas do consumo mínimo ou de assinatura básica, cobradas pelas concessionárias de serviços de água energia elétrica, gás, TV a cabo e telefonia, no Estado de Mato Grosso do Sul”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto do ato sub examine fere o inciso XI e a alínea “b” do inciso XII do art. 21, o inciso V do art. 30 e a alínea “b” do inciso II do § 1º do art. 61, todos da Constituição Federal-CF, ainda é ilegal, por afrontar o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, bem como o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil, além de ser contrário ao interesse público, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.

Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei desobrigar os consumidores do pagamento de tarifas e taxas de consumo mínimo ou de assinatura básica, cobradas pelas concessionárias prestadoras de serviços de água, energia elétrica, gás, TV a cabo e telefonia no Estado de Mato Grosso do Sul.

O projeto de lei sub oculi avança sobre a competência da União e dos Municípios, ao pretender desobrigar os consumidores de água, energia elétrica, TV a cabo e telefonia do pagamento de tarifa mínima, uma vez que os referidos entes podem explorar esses serviços diretamente ou por meio de concessão ou permissão, na forma do inciso XI e da alínea “b” do inciso XII do art. 21 e do inciso V do art. 30 todos da Carta Magna.

Dessa forma, ressalta-se no que diz respeito à isenção do pagamento de taxas ou afastamento de tarifas de consumo mínimo ou de assinatura básica, cobradas pela concessionária de serviços de energia elétrica, TV a cabo e telefonia, cabe a União para instituí-la ou não, da mesma forma, que ao Município a desobrigação no caso da taxa ou tarifa referente ao consumo da água.

No que tange à isenção da taxa referente ao gás, certo é que o Estado possui competência concorrente para legislar. No entanto, o processo legislativo deve ser iniciado exclusivamente pelo Chefe do Poder Executivo, no caso do gás, o Governador, posto que se trata de matéria tributária, na forma da alínea “b” do inciso II do § 1º do art. 61 da Carta Magna, aplicada aqui em razão do princípio da simetria.

Nesse sentido adverte Marcelo Caetano:

“um projeto resultante de iniciativa inconstitucional sofre de um pecado original, que a sanção não tem a virtude de apagar, até porque, a par das razões jurídicas militam os fortes motivos políticos que determinam a exclusividade da iniciativa presidencial, cujo afastamento poderia conduzir a situações de intolerável pressão sobre o Executivo”
CAETANO, Marcelo. Direito...Op.cit.v.2,p.34; MEIRELLES, Hely Lopes. Estudo e pareceres...Op. cit.v. 8.p.22-36.

Esse vício de iniciativa macula todo o projeto de lei, não podendo o mesmo prevalecer.

Frisa-se ainda, que essa desobrigação elencada no projeto caracteriza, quanto às tarifas, uma intervenção ilegal e inconstitucional no domínio econômico e, quanto às taxas, uma incidência do instituto da isenção aplicável a tributos, cuja competência de iniciativa legislativa concerne ao Governador.

Por esse mesmo motivo, registra-se que a exclusão do crédito tributário, ou seja, a isenção somente pode ser concedida pela pessoa competente para instituir o tributo, tanto em nível federal, como estadual e municipal.

Como se percebe, trata-se de indiscutíveis inconstitucionalidades formais e por esses sérios e intransponíveis vícios, não podem encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.

Não obstante, a desobrigação pretendida, a proposta acabaria ocasionando também lesão ao direito constitucionalmente assegurado, porque impor-se-iam alterações contratuais às empresas concessionárias do Poder Público, que implicariam o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato o que inviabilizaria a exploração do serviço público.

Segundo Marcel Waline, entende-se por equilíbrio ou equação econômico-financeira:

(...) a relação que foi estabelecida pelas partes contratantes no momento da conclusão do contrato entre um conjunto de direitos do contratado e um conjunto de encargos destes, que pareceram equivalentes, donde o nome de equação, desde então esta equivalência não pode ser mais alterada.

Celso Antônio Bandeira de Mello ao lecionar sobre as Concessões e permissões de serviço público e seus regimes jurídicos, expõe que:

Há uma necessária relação entre os encargos fixados no ato concessivo e o lucro ensejado pelo concessionário. Uns e outro, segundo os compostos na época, como pesos distribuídos entre dois pratos da balança, fixam uma igualdade de equilíbrio. É este equilíbrio que o Estado não pode romper unilateralmente, mas deve procurar preservar.

Os termos da igualdade alteram-se necessariamente toda vez que o Poder Público agravar os encargos. Isto porque, a fim de manter a mesma proporcionalidade, correspondente à igualdade da equação, o Estado terá que recompor economicamente o concessionário quando modificar a grandeza de seus ônus. A expressão quantitativa pode modificar por ato de autoridade pública, unilateralmente, e como exercício normal de um direito seu, mas precisa ser compensada correlatamente no outro extremo da relação.

Com efeito, se o Estado impusesse sobrecargas ao concessionário sem, em contrapartida , compensá-lo por elas, estaria para reproduzir a sempre lembrada imagem do ‘Latournerie’ nas conclusões do” affaire Compagnie des Scieries Africaines’, no conselho de Estado Francês, repetindo o gesto do guerreiro gaulês que atirou sua espada sobre um dos pratos da balança

Conclui-se que, ao estabelecer tais medidas, o Poder Público Estadual, dentro das observações já mencionadas, criaria um encargo para as empresas concessionárias que dependem da cobrança desses valores mínimos para o custeio de suas atividades e desenvolvimento do setor.

Importante frisar que a cobrança de tarifas e taxas de consumo mínimo e assinatura básica não ferem os direitos dos usuários (consumidores), uma vez que esses estão resguardados pelo art. 7º da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ad argumentandum, o art. 3º é inconstitucional por agredir a Constituição Federal, bem como a Estadual, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar lei.

O inciso VII do art. 89 da Constituição Estadual prescreve que compete privativamente ao Governador do Estado expedir decretos para fiel execução da lei. Diante disso, observa-se que o presente dispositivo é totalmente impróprio, inadequado e inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação da lei.

Ademais, o art. 2º da Carta Magna taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, do que se abstrai, que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência.

O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, na forma elencada pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, pois, salvo em situações de relevância e urgência, o Chefe do Poder Executivo não pode estabelecer normas gerais e criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo.

Esse munus do Governador será exercido de acordo com a necessidade, oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta à separação dos poderes, que é uma “cláusula pétrea”, posto que é insuscetível de emenda tendente a aboli-la.

O art. 5º também é inadequado e ilegal na medida em que fere o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que prescreve que a cláusula de revogação deve enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas, dessa forma conclui-se que não se pode revogar genericamente.

O § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Logo, a lei ou o dispositivo não enumerado ou não revogado expressamente ou que seja incompatível com a lei, será tacitamente revogado sendo, portanto, totalmente desnecessária a cláusula genérica.

Por outro lado, no que se refere ao interesse público, constata-se que a extinção das “tarifas e taxas de consumo mínimo ou assinatura básica”, representará uma redução significativa na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços ICMS, proveniente dos respectivos setores, porquanto não se contará com seus valores na base de cálculo do referido imposto. Dessa forma, na medida em que deixa de arrecadar, aproximadamente, R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), o Estado, conseqüentemente, deixa de aplicar esses recursos em obras e programas que atende ao interesse da coletividade.

A justificativa de que essa redução será compensada pela arrecadação resultante do aumento do consumo dos produtos ou da utilização dos serviços que decorrerá da extinção dessas tarifas e taxas não sustenta, na medida em que, a demanda pelo consumo dos mencionados serviços, com ou sem pagamento de assinatura básica ou tarifa mínima, continuará dependendo da real necessidade dos consumidores.

Como se denota, trata-se de proposta indiscutivelmente inconstitucional, ilegal e inoportuna e inconveniente ao interesse público. Por esses sérios e intransponíveis vícios, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado, não podendo então prevalecer.

Por estas razões, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.

Atenciosamente,

JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador

A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS



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