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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 69, DE 4 DE JULHO DE 2014.

Veto Total: Estadualiza a Estrada vicinal denominada Estrada Boiadeira, localizada no Município de Sidrolândia-MS, numa extensão correspondente de 40 KM (quarenta quilômetros), ligando às rodovias BR 163 com a MS 455.

Publicada no Diário Oficial nº 8.709, de 7 de julho de 2014, páginas 3 e 4.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Estadualiza a Estrada vicinal denominada Estrada Boiadeira, localizada no Município de Sidrolândia-MS, numa extensão correspondente de 40 KM (quarenta quilômetros), ligando às rodovias BR 163 com a MS 455, pelas razões que, respeitosamente, peço venia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado, autor do projeto de lei em epígrafe, transferir para a responsabilidade do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul a estrada vicinal, denominada “Estrada Boiadeira”, no Município de Sidrolândia.

Antes de passar à análise técnica-jurídica da proposta de lei, é imperioso ponderar que a estadualização pretendida pelos Parlamentares implica assumir a manutenção, bem como a legalização e a demarcação de toda faixa de domínio, que nas rodovias estaduais são de 40 (quarenta) metros, gerando custos não previstos, inclusive, na lei orçamentária.

Outro aspecto a ser pontuado é que – embora a Lei do Município de Sidrolândia nº 1657/2013, autorize a transferência da mencionada estrada para o Estado e delegue à Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (AGESUL) competência para os atos administrativos necessários à efetivação do controle e da manutenção da estrada, entre outras atribuições – tal procedimento não pode ser disposto da forma como colocado, na medida em que, antes, necessário se faz estabelecer tratativas com o Chefe do Poder Executivo Estadual acerca do assunto, até mesmo pelo fato de envolver dispêndio de recursos não expressamente previstos no orçamento do Estado.

Além disso, no tocante ao aspecto jurídico, o ente Municipal e o Parlamento Estadual não podem, mesmo que por meio de lei, impor ao Estado a responsabilidade pela referida estrada vicinal, sob pena dessa lei ser declarada inconstitucional, por ferir a autonomia do ente estatal e a independência e a harmonia entre os poderes, nos termos do art. 18, caput e do art. 2º da Constituição Federal.

Por outro norte, o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais exige o veto total, ainda, porquanto o texto do ato sub examine afronta diretamente o inciso I do art. 30 da Constituição Federal, o art. 157 da Constituição Estadual, fere as normas contidas nos arts. 15, 16 e 17 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.

Por tratar-se de matéria de interesse local, não poderia o Estado estadualizar a referida estrada, uma vez que os Municípios possuem autonomia para administrar e gerir despesas necessárias para manutenção e conservação da aludida estrada, com intuito de impulsionar a atividade agropecuária e turística da região.

O art. 18 da Carta Magna estabelece a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil que compreende a União, o Estado, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos.

Logo, convém destacar que os municípios possuem autonomia para dispor sobre a composição de seu governo e de sua administração, já que podem legislar sobre assunto de interesse local, na forma do inciso I do art. 30 da Constituição Federal.

Destaca-se, ainda, que as estradas são bens públicos, o que é indubitável; pertencem a categoria das chamadas estradas vicinais, citadas com propriedade por Hely Lopes Meirelles1, que assim leciona:
          “As estradas vicinais, assim entendidas as vias de comunicação da cidade e vilas com zona rural, são de alçada exclusiva do Município. A abertura e conservação dessas estradas constitui um dos serviços mais custosos para a Municipalidade, quer pelos problemas técnicos que apresenta, quer pela mecanização que exige, quer pelas despesas que acarreta ao erário Municipal.”

Assim, conclui-se que o projeto peca no seu nascedouro, sendo formalmente inconstitucional, na medida em que agride o disposto no art. 18 e no inciso I do art. 30 da Carta Magna, uma vez que trata de interesse visivelmente local, sendo, portanto, competência do município sua gestão, em razão de sua autonomia.

No âmbito estadual, temos a Lei nº 27, de 19 de novembro de 1979, que “Aprova o Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul”, que em seu art. 1º dispõe:
        “Art. 1º Fica aprovado o Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul constituído das rodovias que integram a relação descritiva contida no Anexo I desta Lei. (grifo nosso).

Logo, as rodovias da alçada de competência do Estado são somente aquelas listadas no Anexo I da Lei Estadual nº 27, de 19 de novembro de 1979. Ressalte-se, entretanto, que a relação constante do Anexo I não é estática, conforme se vê do art. 3º, do mesmo diploma legal, que assim assevera:
        “Art. 3º O Sistema Rodoviário do Estado, aprovado por esta lei, será revisto periodicamente com base em estudos globais e planos diretores de desenvolvimento, visando a sua compatibilização com os interesses econômico-sociais do Estado e com a Política Nacional de Viação.” (grifo nosso).

Dessa forma, considerando os dispositivos legais regedores da matéria, haveria a possibilidade de o Estado, no trabalho de revisão de seu Sistema Rodoviário, incorporar a rodovia em questão, visando a sua compatibilização com os interesses econômico-sociais em destaque, estudo esse a ser feito pelos órgãos técnicos competentes.

De outro vértice, ressalta-se que o Estado já direciona recursos para a recuperação de estradas municipais, consoante a repartição tributária relativa ao Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDERSUL).

Vislumbra-se, ainda, que tal medida reclama recursos financeiros para a sua efetivação, porquanto será necessário realizar manutenção e conservação da referida estrada. Não há previsão de recursos destinados especificamente para essa via no Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDERSUL). Assim, presume-se que os recursos previstos no Plano de Aplicação desse Fundo, para manutenção das estradas estaduais para o ano de 2014, são inferiores aos necessários para atender ao projeto de lei.

Nessa mesma esteira, vale observar que se tal projeto fosse sancionado acarretaria um aumento excessivo das despesas do Estado, em razão do custo elevado para manutenção e conservação e realização de obras nesse trecho, afrontando assim a Constituição Estadual, nos termos do art. 157, que declara que nenhuma despesa será ordenada sem que existam recursos orçamentários.

Outrossim, prescreve o caput do art. 15 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público as despesas públicas geradas sem que tenha sido realizada uma estimativa do impacto orçamentário que a obrigação causará aos cofres do Estado.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 16, prescreve que a medida que acarrete aumento de despesa será acompanhada de: (I) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; e (II) declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Por seu turno, o art. 17 da mesma lei complementar dispõe que o ato que crie ou aumente despesa obrigatória de caráter continuado, além de ser instruído com a estimativa de que trata o inciso I do art. 16, deverá demonstrar a origem dos recursos para seu custeio, bem como comprovar que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas fiscais da lei de diretrizes orçamentárias.

Contudo, conforme se depreende da análise do projeto de lei, não houve, em nenhum dos dispositivos, a previsão de estimativa de impacto orçamentário-financeiro da medida, nem a declaração do ordenador de despesa quanto à adequação da despesa com a lei orçamentária anual.

Pelo fato de o projeto ser contrário à Constituição Federal e à Estadual e não guardar correspondência com a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que a criação dessa obrigatoriedade está condicionada à obediência dos requisitos expostos na legislação infraconstitucional, o que não ocorreu no caso em tela, não pode tal proposição receber a sanção do Chefe do Poder Executivo.

À vista do exposto, com amparo na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.
                        Atenciosamente,

                        ANDRÉ PUCCINELLI
                        Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
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1. Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 13ª ed. Atual... São Paulo: Malheiros, Ltda. P. 430.