Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do artigo 70 e do inciso VIII do artigo 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que “Institui o Programa de Complementação Alimentar às Famílias Carentes no Estado de Mato Grosso do Sul - PROALIMENTAR.”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:
Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e atender ao interesse público, entendi por bem adota a medida extrema do veto total, porquanto suas disposições contrariam a política de Assistência Social que vem sendo implementada por este Governo e, por conseguinte, vulneram os princípios estabelecidos pela Lei Orgânica da Assistência Social, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.
Com efeito a Lei Federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, define que a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais.
Isso significa que a assistência social se inscreve no campo da Seguridade Social para assegurar proteção social à população excluída involuntariamente das políticas públicas básicas e das oportunidades de acesso a bens e serviços produzidos pela sociedade.
O texto da LOAS prevê que a assistência social se rege pelos seguintes princípios:
“I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.”
Como facilmente se constata, o projeto de lei ora vetado não guarda conformidade com os princípios que regem a assistência social, sobretudo aqueles contidos nos incisos II e III acima transcritos, porquanto se limita a regulamentar meramente uma atividade paternalista de distribuição de gêneros alimentícios, sem qualquer correlação com outras políticas sociais, desrespeitando a dignidade e autonomia do cidadão.
Os novos paradigmas político-administrativos para a gestão da Assistência Social no Estado de Mato Grosso do Sul, a partir dos princípios universalizantes conquistados pela sociedade e consolidados nos textos da LOAS e legislações correlatas, exigem o desenvolvimento de programas e serviços continuados que possibilitem uma renda mínima estável e permanente como base fundamental para a manutenção da unidade familiar.
O Programa “Bolsa Escola” constitui-se atualmente num instrumento indispensável à composição de proteção social ao grupo familiar. Está articulado com outros programas, serviços e processos que permitem às famílias construir, com a devida dignidade, seu próprio projeto de autonomia e inclusão social.
Por meio do Programa “Bolsa Escola” já implantado em doze municípios do Estado e em fase franca de expansão, este Governo Estadual pretende atender a mais de quarenta mil famílias que tenham seus filhos regulamente matriculados na rede pública de ensino, com a concessão de um salário mínimo mensal. Trata-se de um programa de complementação de renda familiar com o objetivo de promover a autonomia e emancipação das famílias, que ganha visibilidade e legitimidade sociais no contexto estadual, na medida em que altera o costumeiro e vicioso padrão de distribuição de cestas alimentares e outros benefícios materiais.
É também consensual na assistência social a ideia de que os programas de complementação de renda não podem ser tratados como um fim em si mesmos, a exemplo do programa PROALIMENTAR, ora vetado, que, na conformidade de seu artigo 2º “consiste na distribuição diária de pão e leite às famílias carentes que possuam crianças com idade entre seis meses e seis anos de idade, às mulheres gestantes e nutrizes; e na distribuição mensal de cestas básicas de alimentos às famílias residentes no Estado de Mato Grosso do Sul, cuja renda per capita familiar não seja superior a meio salário mínimo mensal”. Este programa não integra uma ação Intersetorial de politicas de assistência social, educação, saúde e outras políticas públicas. Assim, tal programa não compõe um mecanismo de desenvolvimento e proteção sociais à população alvo da assistência social, por não estar voltado à inclusão da criança de zero a seis anos na educação infantil, em creches e pré-escolas e a sua família no mundo do trabalho, da riqueza cultural e societária e das diversas formas de sociabilidade familiar e comunitária.
Por outro lado, o atendimento à mulher gestante e às nutrizes está contemplado no Programa de Atenção Integrada à Saúde da Mulher - PAISM, articulado com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança - PAISC, do Ministério da Saúde. A Secretaria de Estado de Saúde, na coordenação dessa política, em parceria com a Coordenadoria Especial de Políticas para a Mulher, já contempla esse segmento com uma série de ações articuladas desenvolvidas pelas demais Secretarias de Estado e órgãos setoriais do Estado de Mato Grosso do sul.
O “Banco do Povo” constitui outro programa efetivo de combate à pobreza, na medida em que concederá apoio creditício, com assistência técnica a pequenos e micro empreendimentos geradores de ocupação e renda, tornando-se assim mais um instrumento de emancipação da família e da população que está excluída do mercado de trabalho e privada do consumo de bens indispensáveis à dignidade humana.
Em interface com os outros órgãos incumbidos da implementação das políticas sociais a Fundação de Promoção Social de Mato Grosso do Sul - PROMOSUL desenvolve as ações emergenciais de assistência social que atendem aos segmentos da população excluída do Estado de Mato Grosso do Sul.
À vista das razões acima expendidas, não é difícil concluir que o projeto de lei vetado, que “Institui o Programa de Complementação Alimentar às Famílias Carentes no Estado de Mato Grosso do Sul - PROALIMENTAR”, é inoportuno e contrário ao interesse público, uma vez que representa um retrocesso aos avanços da assistência social como política pública, por caracterizar-se como uma ação assistencialista, paternalista, que fere a dignidade e autonomia do cidadão.
Por estes motivos, faço uso das prerrogativas que me conferem o § 1º do artigo 70 e o inciso VIII do artigo 89, todos da Constituição Estadual, para vetor totalmente o projeto de lei em epígrafe, contando com a compreensão e aquiescência dos nobres Senhores Deputados para a manutenção do veto.
Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.
Atenciosamente,
JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador
A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembleia Legislativa
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