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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 45, DE 21 DE JULHO DE 2017.

Veto Total: Dispõe sobre a obrigatoriedade de realização de processos de sanitização (desbacterização) nos locais que mencionam e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 9.456, de 24 de julho de 2017, páginas 1 e 2.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o Projeto de Lei de autoria do Deputado Maurício Picarelli, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de realização de processos de sanitização (desbacterização) nos locais que mencionam e dá outras providências”, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei de autoria do Deputado Maurício Picarelli, que dispõe sobre a obrigatoriedade de realização de processos de sanitização (desbacterização) nos locais que mencionam e dá outras providências, registro, com o devido respeito, que, embora seja louvável, a referida proposta deve ser vetada por padecer de vício de inconstitucionalidade.

O Projeto de lei, em epígrafe, dispõe sobre a obrigatoriedade de realização de processo de sanitização (desbacterização) em ambientes fechados de acesso e circulação pública, sejam públicos ou privados, climatizados ou não, a fim de evitar transmissão de doenças infectocontagiosas, consoante determina a Portaria Ministerial n° 3.523/GM, de 28 de agosto de 1998, do Ministério da Saúde (art. 1º).

De acordo com o autógrafo, o processo de sanitização compreende o conjunto de procedimentos destinados à manutenção das condições ambientais adequadas, por métodos que eliminem e impeçam a proliferação de microrganismos prejudiciais à saúde humana e animal, e se aplica ao tratamento de todos os ambientes, incluindo paredes, tetos, pisos e mobiliários, devendo ser realizado por empresas devidamente cadastradas no órgão público estadual competente (art. 2º).

A proposta legislativa estabelece que a obrigatoriedade abrange os seguintes estabelecimentos: (i) hospitais, clínicas de saúde, consultórios médicos e ondontológicos, laboratórios, casas de saúde; (ii) escolas, creches, berçários, universidades; (iii) repartições públicas, com prioridade às Unidades Básicas de Saúde - UBS e Centos de Educação Infantil - Ceinfs; (iv) hotéis, motéis, pousadas, empresas, indústrias, aeroportos e rodoviárias; (v) clubes, academias, SPA´s, auditórios, cinemas, teatros, supermercados, hipermercados, armazéns, shoppings centers, restaurantes, lanchonetes de grande porte e demais ambientes de acesso ao público, climatizados ou não, a critério da Coordenadoria de Controle Epidemológico da Secretaria de Estado de Saúde (art. 2º, §1º).

Dispõe, ainda, que as empresas que realizam a sanitização deverão emitir certificado que ateste a realização do processo de sanitização, com o respectivo número de controle de autenticidade, emitido por entidade competente, que deverão ser enviados ao órgão público competente, para fins de fiscalização, com a listagem dos locais atendidos (art. 2º, § 2º).

A apresentação do certificado, segundo o Projeto, será considerada requisito para a obtenção de Alvará de Licença Sanitária (art. 2º, § 4º). No processo de sanitização somente serão utilizados produtos devidamente registrados no órgão público competente, com a comprovação de não nocividade à saúde e ao meio ambiente (art. 2º, § 3º).

O Projeto prevê, ainda, a aplicação de penalidades pelo descumprimento de suas disposições sendo advertência, a fim de sanar a irregularidade no prazo de 30 (trinta) dias, e, findo o prazo, multa no valor de 500 (quinhentas) UFERMS, duplicando-se esse valor em caso de reincidência, sendo que esse valor deverá ser corrigido com base na UFERMS, a cada doze meses (art. 3º). Atribui aos órgãos públicos competentes a obrigação de formação e qualificação dos agentes fiscalizadores, em conjunto com entidades sanitárias, para aplicação das penalidades previstas, além de atribuir aos órgãos públicos responsáveis pela Vigilância Sanitária, o dever de dar publicidade a esta Lei e fiscalizar o cumprimento dela (art. 4º).

Por derradeiro, dispõe que as despesas decorrentes da execução correrão por conta de dotações orçamentárias próprias (art. 5º), estabelecendo, ainda, que o Poder Executivo regulamentará a lei, se necessário, no prazo de noventa dias (art. 6º).

Primeiro, é necessário ressaltar que a justificativa do Projeto de Lei citou a questão da qualidade do ar no interior das edificações (Portaria Ministerial nº 3.253/GM, mencionada no art. 1º, da proposta). No entanto, segundo informações do Parecer Técnico nº 029/2017, da Coordenadoria Estadual de Vigilância Sanitária, para se garantir um ambiente climatizado saudável é fundamental que as taxas mínimas de renovação de ar exterior e níveis mínimos de filtragem, estabelecidos nas legislações e normas técnicas vigentes, sejam respeitados e que a limpeza e manutenção dos sistemas de climatização sejam efetuadas.

A principal medida de controle para se garantir uma boa qualidade do ar interno, segundo informações da Coordenadoria, seria a limpeza dos equipamentos e das casas de máquinas do sistema de climatização, sendo que atenção especial deve ser dada aos filtros dos condicionadores de ar. Assim, de acordo com o Parecer Técnico mencionado, o fato de sanitizar o ambiente não garante uma adequada qualidade do ar interno.

Ademais, em que pese a louvável intenção do parlamentar estadual em implementar tais medidas, haja vista a manutenção, pelos estabelecimentos, de ações eficazes e contínuas de controle de pragas e vetores ser imprescindível para garantir adequadas condições sanitárias e evitar contaminação por partes destes vetores, o Projeto de Lei peca por vício de inconstitucionalidade de natureza formal.

A Constituição Federal, em seu art. 6º, classifica a saúde como direito social. Mais adiante, nos arts. 196 a 200, trata especificamente desta garantia, estabelecendo que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, CF).

De acordo com o art. 198 da Carta Constitucional, as ações e serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, compondo um sistema único. Assim, o campo de atuação do SUS (Sistema Único de Saúde) abrange a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica, englobando o processo de sanitização (desbacterização) de estabelecimentos, mote central da presente proposta.

A Carta Magna determina, ainda, no art. 24, inciso XII, que a competência para legislar acerca da proteção e defesa da saúde é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal.

É cediço que no âmbito da competência concorrente, as normas gerais de proteção e defesa da saúde deverão advir, portanto, da União. Ao Estado, por sua vez, é permitida a complementação de normas federais sobre esses temas, adaptando-as às suas peculiaridades locais, salvo a ausência de norma federal sobre o tema (art. 24, §§ 1º a 4º, CF).

Nesse contexto, foi editada a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”, trazendo, dentro do contexto da competência concorrente dos entes federados, normas quanto à repartição de atribuições entre estes.

Assim, em que pese a competência suplementar dos Estados para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, inciso XII e §§ 1º e 2º, CF), a norma geral editada pela União - Lei Federal nº 8.080/1990 - impõe à União o exercício de ações de vigilância epidemiológica e sanitária apenas em circunstâncias especiais e aos Estados uma atuação complementar, meramente participativa, em ações desse jaez, ficando o efetivo desenvolvimento e a execução destas à conta dos Municípios.

Sendo assim, o Projeto de Lei apresenta vício de inconstitucionalidade formal, na medida em que propõe a instituição e execução, pelo Estado, de uma política cuja competência fora constitucional e legalmente atribuída aos Municípios, em contrariedade às normas gerais editadas pela União no âmbito de sua competência concorrente para legislar acerca da proteção e defesa da saúde (art. 24, inciso XII e § 1º, CF).

Ainda, ao atribuir “aos órgãos públicos competentes” a obrigação de “formação e qualificação dos agentes fiscalizadores, em conjunto com entidades sanitárias” e aos “órgãos responsáveis pela Vigilância Sanitária” o dever de dar publicidade ao disposto na lei (art. 4º do Projeto), o autógrafo é contrário aos arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, inciso V, da Constituição Estadual.

O art. 9º, inciso II, da Lei Federal nº 8.080/1990 prescreve que “a direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única (...), sendo exercida (...) no âmbito dos Estados (...) pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente”.

No Estado de Mato Grosso do Sul, a coordenação do Sistema Único de Saúde é competência da Secretaria de Estado de Saúde (SES), que deve fazê-la em articulação com os respectivos órgãos federais e municipais, a saber, o Ministério da Saúde e as Secretarias Municipais de Saúde e demais órgãos, respectivamente.

Nesse viés, está o Parlamento definindo atribuições a órgãos da Administração Pública (Secretaria e hospitais públicos), isto é, intervindo em “ato típico da Administração”, o que leva a que tal matéria fique reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração Estadual”, com auxílio dos Secretários, na esteira do que rezam os citados arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, inciso V e IX, da Constituição Estadual.

Nessa linha de raciocínio, insta salientar que a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Chefe do Executivo um dever relacionado à adoção de medidas administrativas e/ou a regulamentação de normas originariamente planejadas pelo Parlamento, acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes (e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e, ipso facto, termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, insculpido no art. 2º, caput, da Constituição Federal e Estadual, bem como no art. 18, caput, da Constituição Federal.

Por derradeiro, ao determinar, em seu art. 5º, que “as despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias”, o Projeto de Lei está a interferir na programação orçamentária do Estado, por consignar um aumento de despesa não previsto e não autorizado por lei, mostrando-se, desse modo, contrária ao que dispõem os arts. 160, incisos II e III, e 165, inciso I, da Carta Estadual.

À vista do exposto, ressalta-se que a referida Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por ofensa aos arts. 2º, caput; 18, caput; e 24, inciso XII e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, e aos arts. 2º, caput; 67, § 1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX; 160, incisos II e III e 165, inciso I, todos da Constituição Estadual.

Assim, não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JUNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS