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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 44, DE 6 DE JULHO DE 2011.

Veto Total: Dispõe sobre o uso consciente de sacolas plásticas para acondicionamento de produtos e mercadorias pelos estabelecimentos comerciais no Estado.

Publicada no Diário Oficial nº 7.984, de 7 de julho de 2011, pág. 5 e 6.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Dispõe sobre o uso consciente de sacolas plásticas para acondicionamento de produtos e mercadorias pelos estabelecimentos comerciais no Estado, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado, autor do projeto de lei, obrigar os supermercados, os estabelecimentos congêneres, as lojas de hortifrutigranjeiros, os comerciantes de feiras-livres, as lojas de alimentos in natura e industrializados em geral, as lojas de produtos de limpeza doméstica, as farmácias e drogarias, as livrarias e bancas de revistas e os demais estabelecimentos comerciais a cobrarem o preço referente às sacolas plásticas para acondicionamento de compras separadamente dos produtos adquiridos por seus clientes; e ainda, autoriza o Poder Executivo a conceder benefícios ou incentivos fiscais aos estabelecimentos que comprovarem a aplicação de recursos em programas ambientais.

Antes de analisar o mérito da proposição é necessário fazer uma retrospectiva do assunto em tela. No ano de 2009 fora proposto projeto semelhante ao sub examine sob nº 195/2009 e processo nº 308/2009, tendo sido objeto de veto total naquela ocasião, por meio da MENSAGEM/GABGOV/MS/Nº 22, de 31 de março de 2010.

Não obstante algumas alterações formais de redação, a proposta mantém as mesmas máculas anteriormente vetadas e mantidas por esse Poder Legislativo.

Por outro lado, primordialmente, é de bom alvitre esclarecer que este Governo comunga do nobre intuito de conscientização ambiental que se emana desta proposta. No entanto, antes de obrigar os consumidores, parte mais frágil da relação de consumo, a assumirem o ônus desse processo, existem outras medidas que podem ser tomadas para atingir-se o fim colimado, envolvendo ações que estimulam a conscientização, a reeducação e a preservação do meio ambiente, sem sobrecarregar o hipossuficiente.

O problema das sacolas plásticas faz parte de uma discussão mais ampla a respeito da própria relação entre a sociedade e o meio ambiente. Para que o problema seja sanado, é preciso que o Poder Público, nacionalmente, faça a sua parte, criando uma lei federal única para disciplinar o uso das sacolas, impedindo assim a multiplicação de leis estaduais e municipais que confundem e impossibilitam qualquer ação prática. É preciso criar ações efetivas para aprimorar a coleta seletiva e a reciclagem.

Além desse aspecto legal, é importante trabalhar na população o processo de conscientização ambiental que deve envolver os Poderes Públicos, bem como a sociedade civil e os estabelecimentos comerciais, entre eles, especialmente, os supermercados que são os maiores provedores da sacolinha, para que, em conjunto possa-se estimular, por meio de programas, a não utilização das sacolas plásticas para acondicionamento de produtos.

Em outras regiões do País, alguns supermercados desenvolvem programas, tais como, o de caixas preferenciais, o de descontos simbólicos ao consumidor que utilize sacolas retornáveis e, ainda, o que devolve ao consumidor o valor de custo de cada sacola não utilizada na compra.

Dessa forma, vislumbra-se que existem alternativas menos gravosas e menos imperativas que promovem descontos e incentivos aos consumidores que não utilizam as respectivas embalagens.

Todo esse procedimento envolve uma grande mudança de hábito, a maior dificuldade é cultural, mas com a implantação de programas semelhantes ou alternativos aos acima citados, um grande passo estará sendo dado para conscientizar o consumidor. É um processo que leva algum tempo, e por isso, é muito importante que os consumidores entendam a razão da necessidade de mudança de atitude.

Sob o ponto de vista prático, a sanção ao projeto de lei resultaria nas seguintes situações:

1) o consumidor passaria a ter maiores dificuldades para acondicionar os produtos adquiridos, especialmente nos supermercados, se não comprar as sacolas plásticas;

2) passaria a pagar mais caro pelos mesmos produtos, em virtude da cobrança separada do valor das sacolas;

3) do ponto de vista ambiental não produziria impactos que justifiquem a medida, até porque a destinação final do lixo doméstico é feita em embalagens plásticas. Muitos consumidores que utilizam as sacolinhas provenientes do supermercado para embalar seu lixo, seriam obrigados a comprar sacos de lixo específicos, com um custo maior, para destinar o lixo doméstico;

4) a sacolinha fornecida pelos estabelecimentos comerciais têm o tempo de decomposição igual ao do saco de lixo específico.

Desse modo, depreende-se dos pontos delineados acima que os benefícios que decorrem da proposição não são proporcionais aos transtornos que essa obrigatoriedade traçada pela norma irá causar à população sul-mato-grossense, exigindo, portanto, o veto jurídico.

Após esse introito, passa-se agora à análise sob o aspecto formal e constitucional do projeto de lei.

Sob o ângulo da constitucionalidade, denota-se que a medida que se pretende está maculada de indevida ingerência do Estado em atividade própria do setor privado, a quem, privativamente, compete estabelecer as formas de atendimento ao público, que neste ponto, são imunes a qualquer tipo de imposição pelo Poder Público, por força de princípios consagrados em nosso ordenamento jurídico, como o da livre iniciativa, do livre exercício de qualquer atividade econômica e de autoplanejamento, consoante dispõem o art. 1º, inciso IV, art. 170, caput e parágrafo único e art. 174, caput da Constituição Federal.

Além disso, é relevante e oportuno destacar que nos termos do art. 24, VI e §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição Federal, compete à União traçar as normas gerais sobre proteção ao meio ambiente, restando para o Estado-membro a competência para suplementar a legislação federal geral, visando a adequá-la às suas peculiaridades.

Destarte, observa-se que ao disciplinar o uso de sacolas plásticas e biodegradáveis no Estado de Mato Grosso do Sul, a proposta em comento, traçou normas gerais de proteção ao meio ambiente, invadindo competência da União, pois, evidentemente, a disciplina sobre a substituição do uso de sacolas plásticas pelos estabelecimentos comerciais por sacolas biodegradáveis não visa a atender apenas as peculiaridades do Estado, mas trata-se de matéria de interesse de todo o país, devendo ser objeto de regramento uniforme para aplicação em todo o território brasileiro.

Nesse sentido, tramitam na esfera federal três projetos de lei1 que visam regulamentar essa matéria de forma homogênea para ser aplicada igualmente por todos os entes da federação, uma vez que o meio ambiente constitui bem indivisível de interesse nacional, demandando ações coordenadas entre todos os integrantes da federação para a sua proteção.

Outrossim, ressalta-se que tramitam no Supremo Tribunal Federal duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra leis dos Estados do Espírito Santo (ADI 4431, relator Min. Luiz Fux) e do Rio de Janeiro (ADI 4459, relator Min. Celso de Mello), de conteúdo semelhante ao do projeto de lei em exame, alegando justamente a usurpação da competência legislativa da União.

Por outro viés, convém destacar, também, que a proposição legislativa ao possibilitar ao Poder Executivo Estadual conceder incentivos ou benefícios fiscais para aqueles “estabelecimentos comerciais que comprovadamente aplicarem recursos em desenvolvimento ou patrocínio de programas ambientais diretamente relacionados à mudança de comportamento das empresas e dos clientes quando do incentivo da utilização de embalagens biodegradáveis ou reutilizáveis, afronta o art. 165, especialmente em seu § 6º da Constituição Federal, uma vez que se trata de matéria cuja iniciativa é reservada à competência do Chefe do Poder Executivo Estadual, pois se refere à renúncia fiscal, repercutindo diretamente no orçamento público.

Acerca do tema são pertinentes as reflexões de Regis Fernandes de Oliveira2, concluindo ser competência privativa do Chefe do Executivo o início do processo legislativo que vise a conceder isenção:

“Quem pode isentar? Pode o integrante do Poder Legislativo propor isenção ou cabe a iniciativa apenas ao Chefe do Poder Executivo? Observa-se que a isenção não é matéria tributária. Constitui-se parte do planejamento financeiro de um ente. Logo, o poder de iniciativa pertence exclusivamente ao Chefe do Executivo”

Esse também é o posicionamento encontrado nas lições do mestre Roque Antônio Carrazza, que analisa minuciosamente a questão:

“Em matéria tributária, porém, prevalece, a respeito, o art. 61: a iniciativa das leis tributárias - exceção feita à iniciativa das leis tributárias dos Territórios (que, no momento, não existem), que continua privativa do Presidente da República, ex vi do art. 61, § 1º, II, “b”, in fine, da CF - é ampla, cabendo, pois, a qualquer membro do Legislativo, ao Chefe do Executivo, aos cidadãos etc.

Este raciocínio vale para as leis que criam ou aumentam tributos. Não para as leis tributárias benéficas, que continuam ser de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito).

Abrindo um rápido parêntese, entendemos por leis tributárias ‘benéficas’ as que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita (leis que concedem isenções tributárias, que parcelam débitos fiscais, que aumentam prazos para o normal recolhimento de tributos etc). No mais das vezes, favorecem aos contribuintes.

Ora, só o Chefe do Executivo - senhor do Erário e de suas conveniências - reúne condições objetivas para aquilatar os efeitos que, leis deste tipo, produzirão nas finanças públicas sob sua guarda e superior responsabilidade. Assim, nada pode ser alterado, nesta matéria, sem prévia anuência.

Chegamos a esta conclusão analisando os dispositivos constitucionais que tratam das finanças públicas, especialmente os arts. 165 e 166 da Lei Maior, que dão ao Chefe do Executivo a iniciativa das leis que estabelecem os orçamentos anuais.”3

Na jurisprudência o entendimento não é diferente:

“CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONA-LIDADE. LEI MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA. O PODER LEGISLATIVO NÃO PODE INVADIR A ESFERA DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO NO TANGENTE À CONCESSÃO DE ISENÇÃO NO PAGAMENTO DO IPTU. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. 1. Na peça exordial da representação suste-se que a lei em tela seria inconstitucional por vício de iniciativa, uma vez que gera renúncia fiscal sem a competente indicação de fonte de custeio compensatório. Tal iniciativa afronta os art. 2º e art. 150, § 6º, da Constituição da República, os quais em observância ao princípio da simetria são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios, tendo sido reproduzidos na Carta Estadual em seus artigos 7º e 198, e ainda da Constituição Federal, ao disposto no art. 61, § 1º, “b”, 3. Restou, também, violado o princípio fundamental da separação e independência dos poderes, capitulado no artigo 2º da Constituição Federal e artigo 7º da Constituição Estadual. 4. Procedência da Representação por Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.634/07.” (TJRJ, ADI nº 0032277-89.2008.8.19.0000 (2008.007.00165), rel. Des. Letícia Sardas, DJ 27/01/10) (grifos postos)

“Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei Municipal nº 1.747/08 e Lei Complementar Municipal nº 14/08, ambos de Jandira, as quais, respectivamente, alteram dispositivos das Leis. nº 1.042/96 e 1.426/06, concedendo isenção tributária de IPTU a entidades religiosas e Beneficentes, quando imóvel é locado. Normas de iniciativa parlamentar. Matéria tributária. Leis tributárias benéficas. Diminuição da receita do Município. Atribuição exclusiva do Prefeito. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação Procedente.” (TJSP, ADI nº 994092209699 (1790510400), rel. Des. Penteado Navarro, j. 11/11/09) (grifos postos)

Diante disso, os arts. 2º a 5º do projeto de lei em exame padecem de mácula formal, uma vez que tratam de matéria cuja iniciativa legislativa cabe somente ao Chefe do Poder Executivo, por tratar de tema que afeta diretamente o orçamento público, renunciando receita, o que só pode ser realizado se houver previsão de seu impacto sobre as receitas no demonstrativo que deve acompanhar o projeto de lei orçamentária de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o art. 165, caput e § 6º, da Carta Magna.

Ademais, a análise conjunta dos arts. 24, I e § 1º, e 163, I da Constituição Federal revela que a União, por meio de lei complementar, tem competência para estabelecer normas gerais sobre finanças públicas.

Exercendo essa competência, a União editou a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de âmbito nacional e observância obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 1º, § 2º, da LC 101/00), que, ao disciplinar a renúncia de receita , por meio da concessão de benefícios ou incentivos fiscais (art. 14 da LC 101/00), definiu que esta só pode se concretizar se houver a observância obrigatória do art. 14, caput, da sobredita lei complementar e pelo menos uma das condições estabelecidas nos inciso I e II do art. 14, in verbis:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

.................................................

Nesse diapasão, registra-se que, pela natureza da atividade dos seus destinatários, a concessão dos incentivos que se refere a proposta recairá, especialmente, sobre o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS), para aqueles que comprovadamente aplicarem recursos em desenvolvimento ou patrocínio de programas ambientais, o que exige aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), nos termos dos art. 152 da Constituição Estadual e do § 6º do art. 150 e alínea “g” do inciso XII do § 1º do art. 155, ambos da Constituição Federal, bem como da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela então Constituição.

Imperioso acrescentar que o Estado não pode simplesmente conceder incentivos fiscais sem obediência aos dispositivos contidos nas Constituições, bem como na Lei de Responsabilidade Fiscal, sem sujeitar-se a punições severas resultantes da própria LRF como também da Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, em virtude de todas essas máculas constatadas no projeto de lei em comento, não pode a proposição receber a chancela governamental.

À vista do exposto, com amparo nas manifestações da Secretaria de Estado de Fazenda, relativa à renúncia fiscal, e da Procuradoria-Geral do Estado, não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
                        Atenciosamente,

                        ANDRÉ PUCCINELLI
                        Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
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1 Os Projetos de lei sob nºs 612/07 e 847/07, da Câmara dos Deputados e o Projeto de lei sob 259/07, iniciado no Senado Federal.

2 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p.417.

3 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 20ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004. P. 288/291.