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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 16, DE 12 DE ABRIL DE 2022.

Veto Total: Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate à erotização infantil, nas escolas públicas e privadas do Estado de Mato Grosso do Sul.

Publicada no Diário Oficial nº 10.805, de 13 de abril de 2022, páginas 8 a 10.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar o Projeto de Lei que Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate à erotização infantil, nas escolas públicas e privadas do Estado de Mato Grosso do Sul, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor.
RAZÕES DO VETO

Pretende o ilustre Deputado Capitão Contar, autor do Projeto de Lei, que dispõe sobre a proibição de exposição de crianças e adolescentes, no âmbito escolar, a danças que aludam à sexualização precoce e à inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate à erotização infantil, nas escolas públicas e privadas do Estado de Mato Grosso do Sul.

Sob o ângulo formal, a Constituição Federal estipula, nos artigos 21 a 24, o sistema de repartição de competências legislativas e administrativas das unidades políticas, conformando o federalismo brasileiro.

Com amparo no critério da predominância do interesse, o constituinte atribuiu à União a competência privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, inciso XXIV). Conferiu, também, competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para regular “educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação” (art. 24, inciso IX).

No âmbito da competência concorrente, a Magna Carta atribui privativamente à União a definição de normas gerais sobre ensino e educação (art. 24, § 1º). Isso porque a veiculação de princípios que regem as atividades de ensino é, em essência, tema que demanda tratamento uniforme no território nacional, porquanto traduz interesse de caráter geral.

A possibilidade de os Estados-membros e o Distrito Federal suplementarem a legislação nacional, no tocante à educação, não abrange, evidentemente, a produção de leis em sentido diverso do previsto na lei nacional em vigor. A competência legislativa do Estado-membro plena só pode ser exercida na ausência de norma geral federal, o que não ocorre no presente caso.

No exercício de sua competência privativa, a União editou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB). A referida Lei estabelece em seu artigo 3º os princípios norteadores do ensino, entre os quais se destacam a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; o respeito à liberdade e o apreço à tolerância; e a vinculação entre educação escolar e as práticas sociais (art. 3º, incisos II a IV e XI).

A LDB, em seu artigo 10, incisos III e V, incumbiu os Estados de elaborar sua política de ensino e de estabelecer normas complementares para regular o seu sistema de ensino.

O Estado de Mato Grosso do Sul, então, elaborou a Lei nº 2.787, de 24 de dezembro de 2003, que regulamenta o Sistema Estadual de Ensino e, tendo por base a Gestão Democrática do Ensino, entendida como princípio e prática político-filosófica e como ação coletiva, norteará todas as ações de planejamento, formulação, implementação e avaliação das políticas educacionais e alcançará todas as entidades e organismos integrantes do Sistema Estadual de Ensino (art. 36).

Assim, qualquer ação que interfira na política educacional demanda participação de todos os organismos e entidades integrantes do Sistema Estadual de Ensino, dentre eles, o Conselho Estadual de Educação e o Fórum Estadual de Educação (FEEMS).

Nesse contexto, o Projeto de Lei em apreço, ao estabelecer medidas de conscientização, prevenção e combate à erotização infantil nas escolas públicas e privadas, contraria o disposto na Lei Estadual nº 2.787, de 2003, pois foi elaborada sem a participação dos organismos e das entidades integrantes do Sistema Estadual de Ensino.

Insta salientar que a instituição de qualquer programa de Governo constitui “ato típico de Administração”, portanto essa matéria fica reservada à competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração Estadual”, com o auxílio dos Secretários de Estado, na esteira do que rezam os arts. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 89, inciso V, da Constituição Estadual.

A aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento, como no caso em apreço, o qual estabelece medidas de conscientização, prevenção e combate à erotização infantil nas escolas públicas e privadas, acaba por interferir em prerrogativas inerente ao Chefe da Administração (portanto, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis), terminando por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e da independência dos Poderes, insculpido no art. 2º, caput, da Constituição Estadual.

Ademais, a imposição de limites ao ensino da dança, nos termos da Proposta de Lei em análise, contraria o disposto na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que inclui as artes visuais, a dança, a música e o teatro como linguagens que constituem o componente curricular da educação básica, enquanto ensino da arte (art. 26, §§ 2º e 6º, da LDB).

Importa salientar que lei semelhante foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público tendo por objeto, a Lei n. 4.071/2017, do Município de Brusque, que ao dispor sobre a proteção da formação moral de crianças e de adolescentes no âmbito municipal, impõe medidas de proteção da formação moral de crianças e adolescentes, no âmbito escolar, por afronta à competência privativa da União para legislar sobre direito civil, diretrizes e bases da educação e normas gerais sobre educação, cultura e ensino, nos moldes dos artigos 22, incisos I e XXIV; e 24, inciso IX (ADI 5017287-47.2020.8.24.0000/SC).

Não bastassem os impedimentos formais, o autógrafo é materialmente inconstitucional, pois contraria princípios basilares de ensino estabelecidos na Constituição Federal.

A Constituição Federal preconiza que o ensino será ministrado com base nos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (art. 206, II e III). Dispõe como preceitos fundamentais o direito à educação (art. 6º, combinado com os arts. 205 a 214), à liberdade de ensino, como dimensão específica da liberdade de manifestação do pensamento do corpo docente.

Os referidos preceitos representam reflexos dos direitos fundamentais de liberdade de pensamento e expressão contidos no art. 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal.

No mais, há que se ressaltar que as normas de proteção e defesa das crianças e adolescentes estão previstas na Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e Adolescente - ECA), que estabelece o dever de todos de velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (art. 18). A propósito, o ECA define como crime a conduta de submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento (art. 232). Portanto, encontram-se salvaguardados os direitos das crianças e adolescentes em diploma legal de caráter nacional.

Por fim, em manifestação ao aludido Projeto de Lei a Secretaria de Estado de Educação informou que “a conscientização, prevenção e combate à erotização infantil e à sexualização precoce são tratadas nos temas transversais, durante todo ano letivo escolar, conforme determina a Resolução/SED n. 3.544, de 4 de janeiro de 2019, de forma responsável e comprometida com os princípios éticos e de respeito ao ser humano e à diversidade étnico cultural do Brasil e do povo sul-mato-grossense”.

O Fórum Estadual de Educação (FEEMS) manifestou-se quanto ao Projeto, afirmando que “o projeto de lei desqualifica a área da Arte Educação, nas especificidades das competências e habilidades da Dança como saber artístico, cultural e social (BNCC)...”. Afirma, ainda, que o “PL busca legislar sobre conteúdos próprios de uma área de conhecimento, objeto do currículo nacional, sem o devido conhecimento dos temas que orientam a formação do século XXI, especialmente o desenvolvimento das competências socioemocionais, sem ao menos consultar previamente os setores e os/as profissionais competentes da referida área de conhecimento”.

E, do mesmo modo, o Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual Cometida Contra Criança e Adolescente manifestou-se de forma contrária, aduzindo que “nota-se com a aprovação do Projeto de Lei nº 0231/2019 uma tentativa de cerceamento dos direitos de acesso à cultura de crianças e adolescentes alunos da Educação Básica do Estado de Mato Grosso do Sul”... que “não discrimina quais gêneros de dança devem ser considerados como promotores da sexualização precoce de crianças e adolescentes” e que “não leva em consideração o ato pedagógico do professor e sua autonomia técnica na definição de seus planos de aula junto aos alunos”, e, da mesma forma, “não envolveu a sociedade e especialistas para a definição de pontos cabais do referido projeto”.

Registra-se, portanto, que a presente Proposta de Lei deve ser vetada, totalmente, por contrariar o art. 5º, incisos IV e IX, combinado com o art. 206; o art. 22, inciso XXIV; o art. 24, inciso IX e § 1º, todos da Constituição Federal; o art. 2º, caput; o art. 67, § 1º, inciso II, alínea “d”, e o art. 89, inciso V, todos da Constituição Estadual; a Lei Federal nº 9.394, 1996 (LDB), Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), e a Lei Estadual nº 2.787, de 2003.

À vista do exposto, resta-me a alternativa de adotar a rígida medida de veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORRÊA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS