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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 70, DE 24 DE SETEMBRO DE 2019.

Veto Total: Disponibiliza ambulância para transporte de pacientes de hospitais das redes pública e privada, em caso de emergência, dificuldade de locomoção, remoção para exames e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 9.994, de 25 de setembro de 2019, páginas 2 e 3.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar o Projeto de Lei que Disponibiliza ambulância para transporte de pacientes de hospitais das redes pública e privada, em caso de emergência, dificuldade de locomoção, remoção para exames e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor.
RAZÕES DO VETO

Pretende o ilustre Deputado Lídio Lopes, autor do Projeto de Lei, que os hospitais das redes pública e privada situados no Estado de Mato Grosso do Sul disponham, obrigatoriamente, de ambulância para transporte de pacientes, em caso de necessidade de atendimento emergencial, dificuldade de locomoção e remoção para exames.

Incialmente, sob o ângulo formal, o projeto de lei em apreço ressente-se de vício formal de inconstitucionalidade, porquanto avança e investe sobre matéria reservada à União, ao excursionar sobre (e/ou estabelecer) normas gerais sobre proteção e defesa da saúde, nos termos do artigo 24, XII, e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.

No tocante à prestação de serviços públicos de saúde, a Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”, traz, dentro do contexto da competência concorrente dos entes federados, normas quanto à repartição de atribuições entre eles.

A competência dos Estados, no que se refere à prestação de serviços de saúde, vem preconizada na norma supramencionada, que atribui à direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução supletiva de ações e serviços de saúde (art. 17, III). Já quanto aos Municípios, a Lei Federal atribui aos entes locais a competência para gerir e executar os serviços públicos de saúde bem como normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de atuação (art. 18, I e XII).

Nesse contexto, o estabelecimento da obrigatoriedade de disponibilização de ambulâncias para atendimento de pacientes, na forma proposta, padece, também, de vício de inconstitucionalidade formal, por afronta à iniciativa privativa do Chefe dos Poderes Executivos Estadual e Municipal.

Com a medida anunciada no Projeto, no que tange aos hospitais públicos que prestam serviços de saúde, está o Parlamento intervindo em ato típico da Administração concernente à eleição de políticas públicas prioritárias e à criação de obrigações para órgãos públicos, providência que invade a competência do Chefe do Executivo para, privativamente, dispor sobre o funcionamento da máquina administrativa (execução dos serviços públicos e definição de políticas públicas).

Com efeito, no âmbito estadual, nos termos dos arts. 67, § 1º, II, alínea “d”, e 89, V e IX, da Constituição sul-mato-grossense, é da competência do Chefe do Executivo a iniciativa das leis que impliquem a organização dos serviços públicos, a quem cabe exercer a “direção superior da Administração estadual” com o auxílio dos Secretários de Estado.

Outrossim, insta salientar que a aprovação de leis ou a introdução de normas que imponham ao Governador um dever relacionado à adoção de uma política pública ou de uma medida administrativa originariamente planejada pelo Parlamento, acaba por interferir em suas prerrogativas inerentes (e, pois, inalienáveis, irrenunciáveis e intransferíveis) de Chefe da Administração e, ipso facto, termina por representar flagrante ofensa ao princípio da harmonia e independência dos Poderes, esculpido no artigo 2º, caput, da Constituição Estadual.

Ademais, é certo que a implantação da medida irá gerar ônus para Administração Pública Estadual, o que interferirá na programação orçamentária do Estado, por consignar um aumento de despesa não previsto e não autorizado por lei, mostrando-se, desse modo, contrária ao que dispõem os arts. 160, II e III, e 165, I, da Carta Estadual.

No que se refere à obrigação direcionada aos Municípios, o vício formal decorre do fato de que o Projeto de Lei em apreço usurpa a competência privativa do Município para veicular regras relativas à prestação de serviços de atendimento à saúde da população (CF, art. 30, VII), bem como para dispor sobre assunto predominantemente de interesse local (CF, art. 30, I).

A proposta atribui, de forma expressa, em seu art. 3º, aos órgãos/setores dos Poderes Públicos Estadual e Municipal o dever de fiscalizar o cumprimento da medida imposta e, nesse sentido, acaba por adentrar, novamente, em competência privativa do Governador e dos Prefeitos para impor atribuições aos seus servidores e competências aos seus órgãos.

No que tange às entidades privadas prestadoras de serviço de saúde, o Projeto de Lei invade a esfera de competência da União para legislar sobre relações jurídicas de natureza privada, avançando sobre tema típico de direito civil, cuja competência é privativa da União, na esteira do que apregoa o artigo 22, I, da Constituição Federal.

A proposta legislativa prevê, em seu art. 4º, que “a lei entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos a partir de 1º de janeiro de 2016”. Considerando que o Projeto de Lei foi proposto, em 2015, por certo, a intenção do proponente era de estabelecer prazo razoável para amplo conhecimento e adequação às suas disposições, nos termos do art. 8º, da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Entretanto, a redação do dispositivo não atende a tal disposição, acabando, pelo decurso de tempo na tramitação, a produzir efeito retroativo.

Não bastassem os impedimentos de natureza formal, a proposta legislativa também deve ser vetada por razões de natureza material.

Conforme informações da Secretaria de Estado de Saúde, o transporte de pacientes, no âmbito do SUS, é regulamentado pelo Ministério da Saúde, cujo serviço é gerenciado e executado de acordo com as competências estabelecidas na Lei Federal nº 8.080/1990.

Nesse sentido, registra-se a instituição do “Sistema Estadual de Urgência e Emergência”, por intermédio da Portaria MS/GM nº 2.048, de 5 de novembro de 2002, estabelecendo normas e critérios de funcionamento, classificação e cadastramento de serviços de saúde, dentre eles, o transporte inter-hospitalar.

No âmbito estadual, o serviço de atendimento prestado pelo Corpo de Bombeiros Militar integra o “Sistema Estadual de Urgência e Emergência” devendo seguir os critérios e os fluxos definidos pela regulação médica das urgências do SUS, conforme disposto na Portaria MS/GM nº 2.048, de 5 de novembro de 2002.

Registra-se, também, o “Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)”, por intermédio da Portaria MS/GM nº 1.010, de 22 de maio de 2012, componente assistencial móvel da “Rede de Atenção às Urgências” que tem por objetivo chegar precocemente à vítima após ter ocorrido um agravo a sua saúde (de natureza clínica, cirúrgica, traumática, obstétrica, pediátrica, psiquiátrica, entre outras) que possa levar a sofrimento, a sequelas ou mesmo à morte, mediante o envio de veículos tripulados por equipe capacitada, acessado pelo número "192" e acionado por uma Central de Regulação das Urgências.

No que se refere às instituições privadas, o atendimento móvel deve observar a regulamentação do “Sistema Estadual de Urgência e Emergência” (Portaria MS/GM nº 2.048/2002), devendo contar, obrigatoriamente, com Centrais de Regulação Médica, médicos reguladores e de intervenção, equipe de enfermagem e assistência técnica farmacêutica (para os casos de serviços de atendimentos clínicos). Estas Centrais de Regulação privadas devem ser submetidas à regulação pública, sempre que suas ações ultrapassarem os limites estritos das instituições particulares não-conveniadas ao SUS, inclusive nos casos de medicalização de assistência domiciliar não-urgente.

Registra-se, portanto, que a Proposta de Lei em tela deve ser vetada, totalmente, por contrariar os arts. 22, inciso I; 24, inciso XII e §§1º e 2º; e 30, incisos I e VII, da Constituição Federal; e arts. 2º, caput; 67, §1º, inciso II, alínea “d”; 89, incisos V e IX; 160, incisos II e III; e 165, inciso I, da Constituição Estadual, bem como o disposto na Lei Federal nº 8.080/1990 e na Lei Complementar Federal nº 95/1998.

À vista do exposto, resta-me a alternativa de adotar a rígida medida de veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.

Atenciosamente,

REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado PAULO JOSÉ ARAÚJO CORRÊA
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS