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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS/ Nº 33/2005, DE 8 DE JULHO DE 2005.

VETO TOTAL: Dispõe sobre a instalação e uso de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água, e dá outras providências.

Publicado no Diário Oficial nº 6.523, de 11 de julho de 2005.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Dispõe sobre a instalação e uso de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água, e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto do ato sub examine fere os incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal, afronta o inciso VII do art. 89 da Constituição Estadual, bem como não guarda consonância com o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, e ainda é contrário ao interesse público, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.

Pretenderam os nobres senhores Deputados que ilustram essa Casa de Leis, resguardar os direitos e interesses dos consumidores dos serviços de fornecimento de água canalizada no Estado de Mato Grosso do Sul, disciplinando a instalação de equipamentos supressores de ar na tubulação dos ramais prediais de abastecimento, de modo a evitar que haja suposto acréscimo indevido no volume de água medido pelos hidrômetros em razão de possível presença de ar no sistema de distribuição.

Em que pese a boa intenção do legislador, a necessidade de se adotar a medida extrema do veto total impõe-se porquanto os termos do projeto de lei não se ajustam ao ordenamento jurídico pátrio, ferindo dispositivos da Constituição Federal e da Estadual, bem como a legislação federal e contrariam, ainda, o interesse público, na medida em que permitem a instalação de dispositivos na tubulação de abastecimento de água que, em determinadas condições, podem até provocar a contaminação da rede pública de água canalizada, além de outros problemas, conforme ao final restará sobejamente demonstrado.

A proposição peca no seu nascedouro, na medida em que não compete ao Estado legislar sobre matéria de interesse local e sobre concessão de serviços públicos de interesse local, na forma dos incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal.

Muito embora o projeto traga em seu bojo a relação de consumo, sobressai a matéria relativa à concessão de serviços essenciais de interesse manifestamente local por se tratar da questão do abastecimento de água.

Sendo assim, a competência para estabelecer concessões em matéria de abastecimento de água é municipal, sendo tanto para promover a concessão como para determinar regras a serem cumpridas pelo concessionário, regras essas que são definidas em um procedimento apropriado. Logo, cabe somente ao município legislar sobre tal assunto. Assim, constata-se que o projeto é formalmente inconstitucional, por agredir os já citados dispositivos da Carta Magna.

Além desse obstáculo de ordem jurídica, também o interesse público recomenda que o projeto não seja convertido em lei. O abastecimento de água insere-se entre os serviços públicos de maior relevância para a sociedade. Além de elemento essencial à vida, revelando-se uma questão de saúde pública, a água serve de matéria-prima em vários ramos da atividade econômica. Conclui-se daí que as atividades das concessionárias dos serviços de fornecimento de água canalizada devem ser rigorosamente fiscalizadas pelo poder concedente e pela sociedade, de modo a garantir a boa qualidade do produto consumido nos lares e nas empresas.

A instalação de equipamentos eliminadores de ar nas tubulações de abastecimento de água, de que tanto se tem falado nos últimos tempos, sobretudo em razão do marketing agressivo dos fabricantes, é uma operação que deve merecer muita preocupação e cautela, posto que, com a melhor das intenções, pode-se comprometer a qualidade da água fornecida pelo sistema público de distribuição. Se por um lado, se pugna pela defesa dos direitos e interesses dos consumidores que, hipoteticamente, estariam sendo prejudicados pela passagem de ar por seus hidrômetros, por outro, pode-se vulnerar a saúde desses mesmos consumidores, pela contaminação que os dispositivos supressores de ar podem provocar na água.

Ademais, estudos técnicos realizados pelo cientista Elton J. Mello (Engenheiro Mecânico pela Universidade Federal de Santa Maria - RS e Especialista em Engenharia Clínica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), reproduzidos em artigo recentemente apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, apontam “o alto risco de contaminação da rede pública, pois em muitas situações o cavalete onde está instalado o hidrômetro, fica abaixo do nível do solo, ou se situa em áreas alagadiças da cidade – sujeitas a inundações, ou o seu nicho/abrigo possibilita o acúmulo de resíduos e detritos. Quando o cavalete ficar coberto com água contaminada ou submetido a uma atmosfera tóxica e ocorrer a falta de água, o dispositivo aspirará o que estiver ao seu redor e colocará no interior da rede pública de água, contaminando todo o sistema.”

Trata-se, pois, de assunto da mais alta complexidade. Não se cuida meramente de abordar, de forma estanque, a possível influência do ar na medição do consumo de água potável. Aos fabricantes desses equipamentos que supostamente barateiam as contas de água interessa unicamente a viabilidade econômica de seus negócios, com a comercialização em larga escala de seus produtos. Mas o administrador público, responsável pelo bem-estar da sociedade, deve lançar um olhar holístico sobre a questão, de modo a vislumbrar todas as implicações dos sobreditos equipamentos na vida dos cidadãos, principalmente no que se refere aos aspectos relativos à saúde pública.

Há que se consignar aqui que é ainda muito incipiente o conhecimento acerca da influência do ar na medição do consumo de água canalizada. Embora a presença de ar nas tubulações do sistema de distribuição de água seja um fenômeno previsível do ponto de vista hidráulico, seus efeitos, sejam positivos ou negativos, ainda não são totalmente conhecidos.

Portanto, não é razoável afirmar que o consumidor está sendo lesado em seus direitos, pagando por algo que não utiliza. Aliás, segundo Elton J. Mello, a influência do ar na medição do consumo ocorre nos dois sentidos, ou seja, positivamente, adicionando uma parcela ao registro do medidor quando do retorno do abastecimento de água e, negativamente, subtraindo uma outra quantidade do volume totalizado, quando da interrupção do suprimento. É plausível, pois, supor que a ação positiva e a negativa do ar no hidrômetro resultaria num equilíbrio que em nada prejudicaria o consumidor, conquanto cientificamente ainda seja desconhecido o resultado final da influência do ar sobre o consumo medido e faturado.

Da mesma forma, são parcos os conhecimentos sobre a eficiência dos equipamentos eliminadores de ar. Além dos riscos de contaminação dos sistemas de abastecimento de água, não há comprovação científica de que esses dispositivos realmente suprimam o ar emulsionado, reduzindo a medição do consumo, como propagandeiam os seus fabricantes.

Marcelo Libânio, em sua pesquisa na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, no Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos, corroborando os resultados apresentados por Elton J. Mello, concluiu que o eliminador de ar não influencia nos volumes de micromedidos, em virtude da fragilidade construtiva do mesmo, que pode fomentar a contaminação da água durante os alagamentos ou inundações das residências. As características construtivas dos aparelhos eliminadores de ar, aliadas ao posicionamento dos mesmos no padrão de ligação de água, criam uma vulnerabilidade no sistema de abastecimento de água, introduzindo riscos à saúde pública. Esta ocorrência é possível uma vez que tais equipamentos possuem aberturas que permitem a admissão de água contaminada para o interior da tubulação nos casos de inundações ou alagamento. Esta situação pode provocar até o aumento das perdas de água nos sistemas de abastecimento. Segundo Marcelo Libânio, a facilidade de abertura do eliminador de ar, sem rompimento do sistema de lacre, torna o padrão de ligação de água vulnerável, inclusive com possibilidade do uso de água sem registro no hidrômetro.

Por fim, cumpre informar que, segundo informação fornecida pela Divisão de Metrologia nas Relações Comerciais 2, do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, não existe nenhum tipo de dispositivo eliminador de ar aprovado/autorizado pelo INMETRO. Neste ponto, convém lembrar que o Regulamento Técnico Metrológico aplicável aos hidrômetros para água fria de vazão nominal até quinze metros cúbicos por hora, aprovado pela Portaria nº 246, de 17 de outubro de 2000, do INMETRO, em seu item 9.4, prescreve:

“9.4. Qualquer dispositivo adicional, projetado para ser instalado adjunto ao hidrômetro, deve ser submetido a apreciação por parte do INMETRO, com vistas a verificar se o mesmo influencia o desempenho metrológico do medidor.”

Portanto, a lei sul-mato-grossense, seria inócua, posto que não existe uma única marca de equipamento supressor de ar emulsionado aprovado/autorizado pelo INMETRO, conforme estabelece a sobredita Portaria nº 246/2000 daquele órgão federal de metrologia.

Por outro lado, constata-se que o art. 3º é inconstitucional por agredir a Constituição Federal, bem como a Estadual, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar lei.

O inciso VII do art. 89 da Constituição Estadual prescreve que compete privativamente ao Governador do Estado expedir decretos para fiel execução da lei. Dessa forma, observa-se que o presente dispositivo é totalmente impróprio, inadequado e inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação da lei.

Ademais, o art. 2º da Carta Magna taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, do que se abstrai, que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência.

O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, na forma elencada pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, pois, salvo em situações de relevância e urgência, o Chefe do Poder Executivo não pode estabelecer normas gerais e criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo.

Esse munus do Governador será exercido de acordo com a necessidade, oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta à separação dos poderes, que é uma “cláusula pétrea”, posto que é insuscetível de emenda que tente aboli-la.

De outro vértice, o art. 5º também é inadequado e ilegal na medida em que fere o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que prescreve que a cláusula de revogação deve enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas, desta forma conclui-se que a revogação não deve ser genérica.

O § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, logo a lei ou o dispositivo não enumerado ou não revogado expressamente ou que seja incompatível com a lei, será tacitamente revogado sendo, portanto, totalmente desnecessária a cláusula genérica de revogação.

À vista destas razões, vejo-me na obrigação de fazer uso da medida extrema do veto total, que submeto à elevada apreciação dessa augusta Casa Legislativa, confiante de que poderei contar com a imprescindível aquiescência de seus ilustres pares, para que o mesmo seja mantido.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.

Atenciosamente,

JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador

A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE - MS



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