Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Estabelece jornada de trabalho para as categorias que menciona e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o ilustre Deputado Maurício Picarelli, autor do projeto de lei, estabelecer a duração normal da jornada de trabalho dos Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem do Estado de Mato Grosso do Sul, preferencialmente, de seis horas diárias e ou trinta horas semanais.
Analisando a proposta do nobre Deputado, verifica-se que o assunto em tela excursiona sobre matéria de competência da União, uma vez que se trata de matéria que deve ser disciplinada de forma idêntica para todos os profissionais dessa área, ou seja, tem abrangência nacional.
A Constituição Federal prevê, nos incisos do art. 22, as matérias de competência privativa da União, definindo preceitos declaratórios e autorizativos da competência geral na legislação federal e demonstrando clara supremacia em relação aos demais entes federativos, em virtude da relevância das disposições.
Dessa forma, constata-se que a proposição afronta o art. 22, inciso XVI, da Constituição Federal, já que compete privativamente à União legislar sobre organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício das profissões.
Informo, inclusive, haver tramitação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 2.295/2000, que dispõe sobre a jornada de trabalho dos Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem e altera a Lei Federal nº 7.498/86, fixando a jornada de trabalho em seis horárias diárias e trinta horas semanais.
Assim, como a Enfermagem é uma profissão regulamentada, sendo a carga horária de trabalho uma das condições para o seu exercício, somente a União tem competência para fixá-la em lei nacional. Torna-se inconstitucional, portanto, norma de outro ente federativo, tendente a regulamentar esse aspecto profissional.
Resta claro, então, que o projeto de lei analisado invadiu competência privativa da União para legislar sobre o exercício das atividades dos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, o que o torna formalmente inconstitucional, não merecendo, pois, prosperar.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre a inconstitucionalidade de leis estaduais que normatizaram matérias relacionadas às condições de trabalho:
“Profissionais fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Carga horária. Lei 8.856/1994. Competência privativa da União para legislar sobre condições de trabalho.” (ARE 758.227-AgR, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 29-10-2013, Segunda Turma, DJE de 4-11-2013.) (grifo nosso)
“Competência legislativa. Direito do Trabalho. Profissão de motoboy. Regulamentação. Inadmissibilidade. (...) Competências exclusivas da União. (...) É inconstitucional a lei distrital ou estadual que disponha sobre condições do exercício ou criação de profissão, sobretudo quando esta diga à segurança de trânsito.” (ADI 3.610, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-8-2011, Plenário, DJE de <22>-9-2011.) Vide: ADI 3.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-6-2007, Plenário, DJ de 3-8-2007. (grifo nosso)
"Competência. Processo objetivo. Conflito de lei estadual com a CF. O conflito de lei estadual disciplinadora da atribuição normativa para legislar sobre exercício profissional resolve-se considerada a CF, pouco importando articulação, na inicial, de ofensa à Carta do Estado no que revela princípios gerais - de competir à unidade da Federação normatizar o que não lhe seja vedado e respeitar a atuação municipal." (Rcl 5.096, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-5-2009, Plenário, DJE de 19-6-2009.) (grifo nosso)
"Lei Distrital nº 3.136/2003, que ‘disciplina a atividade de transporte de bagagens nos terminais rodoviários do Distrito Federal’. (...) Quanto à violação ao art. 22, XVI, da CF, na linha dos precedentes do STF, verifica-se a inconstitucionalidade formal dos arts. 2º e 8º do diploma impugnado por versarem sobre condições para o exercício da profissão. Precedente citado: ADI 2.752-MC/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, maioria, DJ de 23-4-2004. (...) (ADI 3.587, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-12-2007, Plenário, DJE de 22-2-2008.) (grifo nosso)
Assim, convém repisar que, como a Enfermagem é uma profissão regulamentada e a carga horária é uma das condições para o seu exercício, qualquer legislação estadual que trate da referida matéria é inconstitucional, por invadir competência expressa da União.
Além das jurisprudências do Supremo Tribunal Federal supracitadas, é válido mencionar a manifestação da Advocacia-Geral da União na ADI nº 3587-8:
"(...) O conjunto normativo impugnado veicula, claramente, regras de natureza trabalhista. Ao longo de seus artigos, de fato, a Lei nº 3.136/2003 do Distrito Federal, no que regulamentou a profissão de carregador e transportador de bagagens, cuidou tanto de direito individual quanto de direito coletivo do trabalho.
(...)
A lei distrital, objeto de censura, como se vê, conceitua e disciplina minuciosamente a atividade de uma categoria específica de trabalhador, ocupando-se, assim, de matéria cuja competência legislativa é da União."
Além da inconstitucionalidade já relatada, o art. 1º incorre em impropriedade, o que impede sua aplicabilidade.
O referido preceito dispõe sobre jornada preferencial de seis horas diárias, utilizando as conjunções “e” (sentido includente, adição) e “ou” (sentido excludente) ao citar a jornada semanal de trinta horas, o que demonstra ser uma norma de conteúdo impreciso e indefinido.
Verifica-se, portanto, que a propositura não cria obrigação/dever para esses profissionais e que, o preceito do art. 1º não se apresenta como norma válida.
Destarte, é evidente a inconstitucionalidade do projeto de lei ora analisado, pois, além de usurpar a competência privativa da União, pretende inovar a ordem jurídica estadual de forma irregular, não podendo, pois, a proposição ingressar no ordenamento jurídico do Estado.
À vista do exposto, com amparo na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado não me resta alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.
Atenciosamente,
REINALDO AZAMBUJA SILVA
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado OSWALDO MOCHI JÚNIOR
Presidente da Assembleia Legislativa
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