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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GOV/MS Nº 95/2005, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2005.

VETO TOTAL: Dispõe sobre cessão e a utilização de áreas urbanas ociosas de domínio do Estado para o cultivo de hortas comunitárias e dá outras providências.

Publicado no Diário Oficial nº 6.636, de 28 de dezembro de 2005.

Senhor Presidente,


Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembléia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar totalmente o projeto de lei que Dispõe sobre cessão e a utilização de áreas urbanas ociosas de domínio do Estado para o cultivo de hortas comunitárias e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente peço vênia para passar a expor:

RAZÕES DO VETO:

Analisando o autógrafo do projeto de lei aprovado pelos doutos Deputados Estaduais, com a preocupação de respeitar a ordem jurídica e resguardar o interesse público, entendi por bem adotar a medida extrema do veto total, porquanto o texto sub examine fere a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67; os incisos VI e VII do art. 89; o art. 157 ; incisos II e III do caput do art. 160, § 2º e inciso I do § 4º do mesmo artigo; inciso I do art. 165, todos da Constituição Estadual, bem como os arts. 15, 16 e 17 da Lei Complementar Federal nº 101, de 4 de maio de 2001 (Lei de Responsabilidade Fiscal), ainda, o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, bem como o § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, conforme ao final restará satisfatoriamente demonstrado.

Pretendeu o nobre Deputado autor do projeto de lei obrigar o Estado a ceder a utilização de terras ociosas para o cultivo de hortas comunitárias por entidades associativas comunitárias ou com finalidade assemelhadas.

Ocorre que, a proposição padece de vício de iniciativa, uma vez que cria atribuição à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário e ao Instituto de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul- Idaterra, infringindo assim, a alínea “d” do inciso II do § 1º do art. 67 da Constituição Estadual, que prescreve que compete ao Governador iniciar processo legislativo que disponha sobre atribuições de Secretarias de Estado ou órgãos da administração pública.

Assevera a jurisprudência sobre a inconstitucionalidade formal na criação da lei:

“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.” STF-Pleno- Adin Pnº 1.391-2/SP- Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 28.11.1997, p. 62.216.

Como se percebe, trata-se de indiscutível inconstitucionalidade formal e por esse sério e intransponível vício, não pode o projeto de lei encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.

Ademais, a proposta atribui à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário e ao Instituto de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de Mato Grosso do Sul competências alheias às elencadas na Lei Estadual nº 2.152, de 26 de outubro de 2000, como nova redação dada pela Lei nº 2.598, de 26 de dezembro de 2002, e Decreto nº 10.240, de 6 de fevereiro de 2001.

Por outro lado, caso o projeto não possuísse esse vício, ainda não poderia ser sancionado, posto que acabaria por aumentar sobremaneira as despesas do Estado, em razão do custo para sua realização, desrespeitando o disposto no art. 157 da Constituição Estadual, que prescreve que nenhuma despesa será ordenada sem que existam recursos orçamentários.

No entanto, para que exista recurso, faz-se necessária a previsão orçamentária, nos termos do inciso VI do art. 89, dos incisos II e III, do caput do art. 160, § 2º e do inciso I do § 4º do mesmo artigo, todos da Constituição Estadual, que dispõem que cabe ao Governador iniciar processo legislativo da lei das diretrizes orçamentárias e da lei do orçamento anual do Estado, não podendo, o Poder Legislativo interferir na atribuição do Chefe do Poder Executivo.

Além disso, o inciso I do art. 165 da Constituição Estadual veda o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual, caso contrário, desorganizaria toda a programação orçamentária do Estado, o que acarretaria crime de responsabilidade, na medida em que as despesas não se adequariam à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nesse sentido, prescreve o caput do art. 15 da Lei Complementar Federal nº 101, de 2000, que serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público, a geração de despesas públicas de caráter continuado sem que tenha sido realizada uma estimativa do impacto orçamentário que a obrigação causará aos cofres públicos do Estado.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 16 prescreve que a medida que acarrete aumento de despesa será acompanhada de: (I) estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes; e (II) declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Por seu turno, o art. 17 da mesma lei complementar dispõe que o ato que crie ou aumente despesa obrigatória de caráter continuado, além de ser instruído com a estimativa de que trata o inciso I do art. 16, deverá demonstrar a origem dos recursos para seu custeio, bem como comprovar que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas fiscais da lei de diretrizes orçamentárias.


Depreende-se da análise do projeto de lei, que não houve, em nenhum dos dispositivos, a previsão de estimativa de impacto orçamentário-financeiro da medida, nem a declaração do ordenador de despesa quanto à adequação da despesa com a lei orçamentária anual. Tampouco consta qualquer demonstrativo da origem dos recursos para o custeio da despesa do Estado com a realização dessa atividade.

O simples argumento de que as despesas decorrentes da aplicação da lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, conforme se observa no art. 10 do projeto, não supre os requisitos elencados na Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo portanto, inócuo não podendo encontrar abrigo no ordenamento jurídico estatal.

Pelo fato de o projeto não guardar correspondência com a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que a criação dessa obrigatoriedade está condicionada à obediência dos requisitos expostos na legislação infraconstitucional, o que não ocorreu no caso em tela, não pode tal proposição receber a sanção do Chefe do Poder Executivo.

De outro norte, constata-se que o art. 11 é inconstitucional por agredir tanto a Constituição Federal, bem como a Estadual, uma vez que não cabe ao Poder Legislativo impor ao Poder Executivo prazo para regulamentar lei.

O inciso VII do art. 89 da Constituição Estadual prescreve que compete privativamente ao Governador do Estado expedir decretos para fiel execução da lei. Dessa forma, observa-se que o presente dispositivo é totalmente impróprio, inadequado e inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou nesse sentido, posto que é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo a regulamentação da lei.

Além do mais, o art. 2º da Carta Magna taxativamente dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, do que se abstrai, que não pode o Poder Legislativo interferir na competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em razão da independência.

O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da separação dos poderes, na forma elencada pelo inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, pois, salvo em situações de relevância e urgência, o Chefe do Poder Executivo não pode estabelecer normas gerais e criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo.

Esse munus do Governador será exercido de acordo com a necessidade, oportunidade e a conveniência de regulamentação da lei, sem prazo preestabelecido, no exercício constitucional de sua função, não podendo ser forçado pelo Legislativo, sob pena de afronta à separação dos poderes, que é uma “cláusula pétrea”, posto que é insuscetível de emenda que tente aboli-la.

Outrossim, a proposta não pode receber a sanção governamental, pois traz em seu bojo a cláusula de revogação genérica sendo inadequado e ilegal, na medida em que fere o caput do art. 9º da Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que prescreve que a cláusula de revogação deve enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas, dessa forma conclui-se que não se pode revogar genericamente.

O § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Logo, a lei ou o dispositivo não enumerado ou não revogado expressamente ou que seja incompatível com a lei, será tacitamente revogado sendo, portanto, totalmente desnecessária a revogação genérica.

Nesse mesmo sentido, a Lei Complementar Estadual nº 105, de 26 de novembro de 2003, no seu art. 9º, afirma que somente existirá a cláusula de revogação quando mencionar as leis ou dispositivos legais.

Do exposto, conclui-se que o projeto de lei afronta tanto a Constituição Federal como a Estadual, e ainda a legislação federal, padecendo de vícios insanáveis. Como se percebe, da análise sistemática do projeto, trata-se de proposta indiscutivelmente inconstitucional e ilegal que, por esses sérios e intransponíveis vícios, não pode encontrar abrigo no ordenamento jurídico do Estado.

Por estas razões, amparado nas manifestações da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, adoto a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos nobres Senhores Deputados.

Ao ensejo, renovo meus cumprimentos a Vossa Excelência e ilustres pares, reiterando a disposição deste Governo para assuntos de interesse social.


Atenciosamente,





JOSÉ ORCÍRIO MIRANDA DOS SANTOS
Governador





A Sua Excelência o Senhor
Deputado LONDRES MACHADO
Presidente da Assembléia Legislativa
CAMPO GRANDE – MS
ACM/VETO total hortas



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