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ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL


MENSAGEM GABGOV/MS Nº 85, DE 26 DE SETEMBRO DE 2014.

Veto Total: Dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para solução de litígio em que o Estado de Mato Grosso do Sul seja parte e dá outras providências.

Publicada no Diário Oficial nº 8.767, de 29 de setembro de 2014, página 1.
OBS: Veto total rejeitado - Lei nº 4.610, de 18 de dezembro de 2014, promulgada pela Assembleia Legislativa.

Senhor Presidente,

Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar, totalmente, o projeto de lei que Dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para solução de litígio em que o Estado de Mato Grosso do Sul seja parte e dá outras providências, pelas razões que, respeitosamente, peço vênia para expor:
RAZÕES DO VETO:

Pretendeu o ilustre Deputado, autor do projeto de lei, estabelecer regras sobre o juízo arbitral, instituído pela Lei Federal nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para a solução dos litígios, envolvendo o Estado e a administração pública direta e indireta, relativos a direito patrimonial disponível.

Ocorre que, embora nobre o intuito do parlamentar, no que tange ao interesse de desafogar o Poder Judiciário e ao mesmo tempo acelerar a solução dos litígios que envolvem o Estado, a proposta exige o veto integral, uma vez que possui máculas instransponíveis de inconstitucionalidade.

A proposição em análise adentra a esfera de competência legislativa privativa da União, tendo em vista que dispõe sobre direito processual e material, ao disciplinar a aplicação de juízo arbitral nos litígios envolvendo o Estado, infringindo, portanto, o inciso I do art. 22 da Constituição Federal.

Esse é o entendimento de doutrinadores e também do Supremo Tribunal Federal (STF)1, nesse sentido dispõe a professora Lúcia Valle Figueiredo:
                (...) as regras de competência processual no tocante às questões da União são de ordem constitucional, não podendo, à evidência, ser derrogadas por legislação infraconstitucional. Nem se fala que Estados, Munícipios e Distrito Federal poderiam dispor sobre arbitragem na legislação que fizessem, respeitadas as normas gerais nacionais. Não podem. Evidentemente, as normas de arbitragem caracterizam-se como normas de processo civil, cuja legislação está afeta à União, nos termos do art. 22, inciso I, da Carta da República.

Ainda que se entendesse que não se trata de norma processual, o que não é o caso, mas sim de dispositivos que têm natureza de direito procedimental, conveniente salientar que não se circunscreve a abordagem específica adaptada a peculiaridades regionais do Estado de Mato Grosso do Sul, não podendo ser justificada como competência concorrente prevista no art. 24, §§ 1º e 2º da Constituição Federal. Na verdade, trata-se de normas de caráter geral que exigem um tratamento jurídico uniforme em todo o território nacional.

Nessa esteira, registra-se que tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PLS 406/2013), de autoria do Senador Renan Calheiros, que prevê a utilização do instrumento arbitral para solucionar conflitos decorrentes de contratos firmados por empresas privadas com a Administração Pública.

Por outro lado, analisando a redação dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 8º, 11 e 12 do projeto de lei em exame, verifica-se que as matérias tratadas nos dispositivos assumem a natureza de normas de direito administrativo interno e, nesse cenário, adentram a competência administrativa, relegadas a órgãos e servidores públicos, invadido assim, a competência privativa do Chefe do Poder Executivo de iniciar o processo legislativo sobre os assuntos que envolvam as atribuições e os deveres dos órgãos e dos agentes da Administração Pública Estadual, afrontando os arts. 67, § 1º, II, “d”, e 89, V, da Constituição Estadual.

Nessa linha de raciocínio, observa-se que o texto em comento ao promover uma interferência do Parlamento na gestão de atividades comumente desempenhadas pelo Poder Executivo, notadamente quanto à instituição de novas competências e ou obrigações para seus órgãos e entidades, culmina em ilegítima ingerência na independência do Executivo, malferindo, por conseguinte, o art. 2º da Lei Maior, no qual se encerra o princípio da separação e harmonia entre os Poderes, inviolável até mesmo por emenda constitucional (art. 60, § 4º, III, CF).

Por derradeiro, cumpre acentuar que ainda não houve um amadurecimento pleno dos estudiosos do ordenamento jurídico pátrio quanto à validade da adoção do juízo arbitral em litígios administrativos, uma vez que a administração pública tem como fundamento e princípio basilar de sua existência, a supremacia do interesse público e, também, a aplicação dos princípios da legalidade, da publicidade e da impessoalidade, entre outros, previstos no art. 37 da Constituição Federal, que não guardam correspondência com dispositivos da Lei Federal nº 9.307, de 1996 (arts. 2º § 1º, 13, §§ 3º e 6º).

Destarte, é evidente a inconstitucionalidade do projeto de lei ora analisado, pois, além de usurpar a competência privativa da União, pretende inovar a ordem jurídica estadual de forma irregular, não podendo, portanto, a proposição ingressar no ordenamento jurídico do Estado.

À vista do exposto, com amparo na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para sua manutenção.
                          Atenciosamente,

                          ANDRÉ PUCCINELLI
                          Governador do Estado

A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
CAMPO GRANDE-MS
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1 ADI 2257, Relator (a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06-04-2005, DJ 26-08-2005 PP-00005 EMENT Vol- 022202-01 PP-00111 RTJ VOL -00195-01 PP-00016.