Senhor Presidente,
Nos termos do § 1º do art. 70 e do inciso VIII do art. 89, ambos da Constituição Estadual, comunico a essa augusta Assembleia Legislativa, por intermédio de Vossa Excelência, que decidi vetar integralmente o projeto de lei que Dispõe sobre a obrigatoriedade das farmácias e drogarias manterem recipientes para coleta de medicamentos, cosméticos, insumos farmacêuticos e correlatos, deteriorados ou com prazo de validade expirado, pelas razões que, respeitosamente, peço venia para passar a expor:
RAZÕES DO VETO:
Pretendeu o nobre Deputado obrigar as farmácias e drogarias do Estado a manterem recipientes para a coleta de medicamentos, cosméticos, insumos farmacêuticos e correlatos, deteriorados ou com prazo de validade expirado, da forma especificada no bojo da pretensa lei.
Analisando o texto do projeto de lei, constata-se que o intuito do Parlamentar é louvável e a proposta é meritória. No entanto, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e na forma da lei, observa-se que inicialmente a Constituição Federal, em seu art. 200, inciso II, prescreve que é de competência comum dos entes federativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, promover ações de fiscalização sanitária.
Nesse sentido, a legislação federal, desincumbindo-se do ônus de disciplinar as competências relacionadas ao SUS, fixou nos arts. 16 a 18 da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 a divisão das atribuições de vigilância sanitária entre os entes federados desta forma:
“Art. 16. À direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:
..................................................
III - definir e coordenar os sistemas:
..................................................
d) vigilância sanitária;” (Grifos postos)
“Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:
...................................................
IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços:
...................................................
b) de vigilância sanitária;
...................................................” (Grifos postos)
“Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:
...................................................
IV - executar serviços:
...................................................
b) vigilância sanitária;
....................................................” (Grifos postos)
Em harmonia com a legislação federal, a Lei Estadual n. 1.293, de 21 de setembro de 1992, que Dispõe sobre o Código Sanitário do Estado de Mato Grosso do Sul, e dá outras providências, estabeleceu o seguinte:
“Art. 199. O órgão de vigilância sanitária competente do Estado de Mato Grosso do Sul, normatizará, coordenará, supervisionará e, em caráter complementar, executará ações de vigilância sanitária, a nível municipal.
Art. 200. Caberá aos municípios a execução de serviços de vigilância sanitária, desde que estejam devidamente estruturados, com recursos humanos e materiais necessários, na sua área de jurisdição, respeitada a área de abrangência estadual.” (Grifos postos)
Nesse panorama normativo, denota-se que ao Município foi outorgada expressamente a competência material para executar as ações de vigilância sanitária, ou seja, para ser o principal executor da polícia administrativa sanitária, reconhecendo-se assim, a predominância do interesse local na concretização dessas ações.
E diante da existência dessa competência material atribuída ao Município ocorre também a atração da competência legislativa para, no interesse local, inovar na ordem jurídica sobre questões especificas de vigilância sanitária, permitindo aos seus agentes o exercício legal de suas funções fiscalizadoras.
Diante disso, se a inovação em matéria específica de vigilância sanitária tiver origem em outro ente da federação que não o Município, este não poderá exercer seu poder de polícia, pois tornar-se-á inválida a atuação de seus agentes, salvo se houver delegação expressa do ente legiferante, por meio de convênio, por exemplo, a permitir o exercício da função.
Assim, depreende-se que a proposta em análise padece de mácula formal, pois excursiona sobre matéria de interesse local cuja competência legislativa é exclusiva dos Municípios, sendo, portanto, contrária ao art. 17, inciso I, da Constituição Estadual, bem como ao art. 30, inciso I da Constituição Federal.
Dessa forma, constata-se que ao estabelecer determinadas condutas às farmácias e drogarias do Estado de Mato Grosso do Sul, visando a intervir nos problemas sanitários decorrentes da destinação inadequada de fármacos deteriorados ou vencidos, o projeto de lei viola o princípio federativo, uma vez que trata de matéria de interesse peculiar e específico dos Municípios de tomar medidas sanitárias efetivas para eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde dos munícipes, conforme expressa previsão legal.
Ademais, a fiscalização e o licenciamento das drogarias são de competência das vigilâncias sanitárias municipais conforme pactuação das ações de vigilância sanitária, nos termos da Resolução da Secretaria de Estado de Saúde n. 5, de 2010.
Nesse aspecto, é imperioso destacar que o art. 4º da proposição, ao impor aos agentes da Vigilância Sanitária do Estado o dever de fiscalizar a execução da pretensa lei, também interfere na competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo Estadual para estabelecer as atribuições dos órgãos do Poder Executivo, nos termos do art. 67, § 1º, inciso II, alínea “d” e do art. 89, inciso V, da ambos da Constituição Estadual, na medida em que os agentes da vigilância sanitária estadual estão vinculados à Coordenadoria Estadual de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado de Saúde, consoante art. 3º, inciso III, alínea “c”, número 2, do Decreto Estadual n. 12.375, de 18 de julho de 2007.
Por outro norte, ultrapassada a análise sob o aspecto normativo formal da proposta, verifica-se, ainda, que a medida que se pretende não guarda consonância com aspectos técnicos que a matéria em comento exige.
O descarte de medicamentos, cosméticos, insumos farmacêuticos e correlatos é de extrema relevância na atualidade, em virtude das consequências que o seu descarte inadequado pode trazer ao meio ambiente, além dos riscos à saúde das pessoas.
No entanto, os medicamentos, correlatos e cosméticos possuem definições legais, que devem ser observadas.
A Lei Federal n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973 que Dispõe sobre o Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos Farmacêuticos e Correlatos, conceitua, em seu art. 4º, alguns termos técnicos, sendo que medicamento: é considerado produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnósticos; e correlatos: é a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários.
O conceito de cosméticos é trazido pela Lei Federal n. 6.360, de 23 de setembro de 1976, sendo definidos como produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, tais como pós faciais, talcos, cremes de beleza, creme para as mãos e similares, máscaras faciais, loções de beleza, soluções leitosas, cremosas e adstringentes, loções para as mãos, bases de maquilagem e óleos cosméticos, ruges, "blushes", batons, lápis labiais, preparados antissolares, bronzeadores e simulatórios, rímeis, sombras, delineadores, tinturas capilares, agentes clareadores de cabelos, preparados para ondular e para alisar cabelos, fixadores de cabelos, laquês, brilhantinas e similares, loções capilares, depilatórios e epilatórios, preparados para unhas e outros.
Depreende-se, portanto, que se trata de classes de produtos de natureza distinta com descartes diferenciados. Os cosméticos, a título de exemplo, podem ser descartados nos aterros sanitários, ao contrário dos medicamentos e dos correlatos como seringas e agulhas que oferecem riscos de biossegurança no manejo, tendo normas específicas para seu descarte adequado.
Nessa esteira, ao avaliar o art. 1º da proposta em tela, observa-se que tanto os medicamentos, como os cosméticos e os correlatos serão coletados no mesmo recipiente, sendo este um procedimento inadequado.
Por outro lado, convém destacar que o art. 3º do projeto de lei determina que o material recolhido deverá ser encaminhado a instituições que possuam Plano e Programa de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde, conforme Resolução da Diretoria Colegiada n. 306, de 7 de dezembro de 2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou a distribuidoras de medicamentos, nos termos do art. 13, inciso VIII, da Portaria n. 802, de 8 de outubro de 1998, da ANVISA, e do art. 20 do Anexo II da referida Portaria.
Entretanto, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA n. 44, de 17 de agosto de 2009, em seu art. 97, prescreve que as farmácias e drogarias devem possuir o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde, porém no art. 93 da referida resolução, observa-se que é optativo às farmácias e drogarias realizarem a coleta de medicamentos. Logo, vislumbra-se que a proposta de lei em foco, ao obrigar os citados estabelecimentos a manterem recipientes para essa coleta, a torna contrária à RDC da ANVISA n. 44, de 2009.
Destarte, primordialmente em virtude das máculas jurídicas constatadas no projeto de lei em comento e pelos demais aspectos operacionais citados, não pode a proposição ingressar no ordenamento jurídico do Estado.
À vista do exposto, com amparo na manifestação da Procuradoria-Geral do Estado e da Secretaria de Estado de Saúde, não me resta outra alternativa senão a de adotar a dura medida do veto total, contando com a compreensão e a imprescindível aquiescência dos Senhores Deputados para a sua manutenção.
Atenciosamente,
ANDRÉ PUCCINELLI
Governador do Estado
A Sua Excelência o Senhor
Deputado JERSON DOMINGOS
Presidente da Assembleia Legislativa
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